Oásis dos Zumbis, os mortos-vivos nazistas de Jess Franco

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por Felipe M.Guerra e Gabriel Paixão

(Nota dos autores: Este é um artigo escrito a quatro mãos, um fato inédito na Boca do Inferno. Tal exclusividade não é exatamente porque o filme em si tenha uma qualidade superior para merecer tal tratamento, mas sim porque nenhum dos dois redatores sabia como começar e como terminar um texto sobre uma obra tão maluca quanto essa, assinada pelo grande cineasta Jess Franco. Após verem o filme, Felipe e Gabriel resolveram escrever o artigo em conjunto: um fazia uma parte, outro emendava, o primeiro refazia metade, e por aí vai. Foram muitas trocas de e-mails, remendos, emendas, cortes, acréscimos… E agora o resultado está aqui! O desafio para os leitores antenados é tentar identificar quem escreveu o quê. Divirta-se!)

Duas lésbicas com metade da bunda para fora dos shortinhos ridiculamente apertados são esquartejadas por zumbis cuja maquiagem provoca mais risos do que repulsa. Só pela abertura de Oasis of the Zombies, você já sabe que está diante de um legítimo trabalho do espanhol Jesus “Jess” Franco, um dos mais alucinados, autorais, bizarros e prolíficos cineastas ainda em atividade. Rodando umas oito produções por ano no auge da sua carreira, com uma coleção de pseudônimos de fazer inveja ao Bruno Mattei e ao Joe D’Amato, Franco era conhecido não exatamente pela qualidade dos seus trabalhos, já que acumulava diversas funções. Oasis of the Zombies, particularmente, tem cara de ter sido rodado num fim de semana e editado em meia hora. E o incrível é que, por pior que seja, você simplesmente não consegue desgrudar os olhos da tela, mesmo quando nada acontece (e olha que em Oasis… estes momentos são beeeem frequentes). É um talento que apenas Jess Franco possui: por piores que sejam as suas obras, elas sempre conseguem fisgar o espectador de alguma forma.

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Até os seus fãs mais apaixonados assumem que boa parte das películas do mestre são absurdamente ruins, para ser bem generoso. Porém em todas elas, sem exceção, o cineasta consegue incluir um pequeno toque pessoal ou uma cena marcante que fica na memória do espectador. Não é exagero dizer que ele tem um jeito especial de filmar – ninguém faz filmes como Franco faz, e qualquer outro diretor com o mesmo roteiro jamais produziria a mesma coisa. Oasis of the Zombies talvez não esteja entre os seus melhores filmes – nem entre os mais razoáveis da sua extensa filmografia de quase 200 produções. Ainda assim é preciso dar a Jess Franco, falecido em abril de 2013, a atenção que ele merece.

A obra do cineasta espanhol se divide em muitas fases distintas, e é difícil – pra não dizer impossível – fazer uma análise genérica do seu extenso trabalho (nos States tem até LIVROS sobre a trajetória do sujeito!). Uma das fases mais populares foi aquela em que ele trabalhou com o produtor Harry Allen Towers, quando assinou obras como Santuário Mortal (1969, milagrosamente lançado no Brasil em versão editada). Outra fase foi com o produtor alemão Artur Brauner, quando Jess investiu pesado no sexploitation, em clássicos como Vampyros Lesbos e She Killed In Ecstasy (ambos de 1970). Rodado no começo da década de 80, Oasis of the Zombies é um exemplo marcante da “fase Eurociné” de Franco.

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Eurociné era um estúdio francês que, naquele período, investia em produções de baixíssimo orçamento e muita sacanagem, tentando competir com as tralhas exploitation feitas na Itália, e visando o mercado internacional, principalmente o americano. Os caras faziam todo tipo de picaretagem, às vezes rodando dois filmes com o mesmo elenco e figurinos (caso de Cannibal Terror, de Alain Deruelle, e White Cannibal Queen, também de Franco, filmados ao mesmo tempo entre 1980 e 1981 para baratear custos).

No começo da década de 80, histórias de mortos-vivos estavam em alta, graças ao sucesso de clásicos como o Zombie de Fulci e o Dawn of the Dead de Romero. A Eurociné não perdeu tempo e deu sinal verde para filmar não apenas um, mas dois filmes bagaceiros com zumbis (e ambos com zumbis-nazistas, sabe-se lá porquê!). O francês Jean Rollin rodou Zombie Lake, enquanto Franco optou por Oasis of the Zombies. Porém nenhum dos dois pode ser comparado a Fulci ou Romero, no máximo ao pavoroso Nights of Terror, do italiano Andrea Bianchi, que por sinal é da mesma época!

No caso de Oasis of the Zombies, a sem-vergonhice da Eurociné não se limitou a reaproveitar figurinos de Zombie Lake: existem duas versões do mesmo filme, uma espanhola e uma francesa, destinadas a atingir os dois respectivos mercados! A versão espanhola é a “director’s cut” originalmente filmada por Jess Franco em 1981. Dois anos depois, em 1983, o estúdio reeditou o trabalho do cineasta, refilmando algumas cenas com novos atores (desta vez franceses) e aumentando a duração em alguns minutos. E é esta versão francesa de Oasis of the Zombies, originalmente intitulada L’Abime des Morts Vivants, a mais famosa e a atualmente distribuída pelo mundo em DVD – também é esta a analisada nesta análise. Oasis… foi lançado ao redor do mundo com muitos outros títulos, incluindo The Treasure of the Living Dead, The Oasis of the Living Dead e, o mais criativo, Bloodsucking Nazi Zombies!!! hahahahaha.

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Nossa história começa com o casal de lésbicas citado no início do texto cruzando o deserto do Saara de jipe. Após 15 horas de pilotagem – exatamente, 15 horas sem abastecer!!! Provavelmente, o jipe é movido a energia nuclear, ou pela força do pensamento -, as moçoilas chegam até um oásis. Com vontade de esticar as pernas cansadas (deveriam estar atrofiadas de tanto dirigir, hehehe…), elas resolvem descer para uma caminhada no local.

Agora, uma pausa. O que você imagina quando pensa em um oásis? Talvez um pequeno paraíso no meio do deserto com uma fonte de água, cercado por algumas grandes palmeiras, certo? Vamos mentalizar o oásis de Jess Franco: terra de chão batido, forrada com toneladas de folhas secas de coqueiro, palmeiras de troncos grossos que formam uma pequena floresta e nenhuma fonte de água. É possível que ele tenha filmado estas cenas enquanto estava na ilha de Lost. Ou no quintal da sua casa, e depois editou tudo com cenas de documentário filmadas no verdadeiro deserto do Saara. Tudo é possível quando se fala em Jess Franco

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Enfim, as moças continuam andando e um superclose numa caveira mostra ao espectador que aquele lugar não é tão agradável quanto parece. Mais um pouco de caminhada e a mais gordinha ouve um barulho, que pode ser tanto um zumbi quanto um leão com úlcera… E o engraçado é que, depois que ouve o som, a loirinha diz: “Olhe, o que é aquilo?“, e a câmera dá mais um superclose, dessa vez numa roda de carro (!!!). A outra sapatona, mais magrinha, cogita que pode ser um sapo (vai dizer que você não conhece o famoso sapo-gigante-em-forma-de-roda que vive no Saara???).

Franco então nos deleita com um take de 20 segundos que mostra as duas lésbicas caminhando de costas, com as mãozinhas dadas, e salta aos olhos (literalmente) a porção que sobra da bunda das garotas para fora do shortinho, já que elas evidentemente estão usando dois números a menos que o normal. Contudo não se anime, seu tarado, que não há nada que já não tenhamos visto melhor e com menos pano na novela das 8… A caminhada continua e a magrinha encontra uma metralhadora perdida, a gordinha ouve novamente o barulho assustador e a câmera dá outro close na roda de carro (será que estamos assistindo “A Roda Assassina“? hahaha). Depois temos ainda um close do chão, da caveira, de uma aranha construindo sua teia, de uma suástica nazista pintada com guache num pedaço velho de ferro… Ainda acordado? Caso você não tenha percebido, Franco a-do-ra supercloses! Logo, a gordinha medrosa sai correndo, pára num monte de areia e duas mãos carcomidas saem do chão, agarrando seus tornozelos; por sua vez, a magrelinha é perseguida por algo (talvez um zumbi maratonista) e ambas morrem, aparentemente… Mas não fique com dó, elas eram duas barangas mesmo.

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Finalmente (não parece que já passou uma eternidade???), surgem os créditos iniciais. De acordo com eles, o roteirista é um tal de A.L. Mariaux (Jess Franco sob pseudônimo, um dos mais de 50 que utilizou em sua carreira, tentando fazer o espectador acreditar que a equipe técnica era maior do que a realidade). Já o diretor é um tal de A.M. Frank (dessa vez não é Franco, mas sim o produtor francês Marius Lesoeur, responsável por reeditar o filme de 1981 com as novas cenas para fazer esta versão de 1982). Entretanto o mais importante nos créditos é marcar este nome: Daniel White (na certidão de nascimento, Pablo Villa). Colaborador habitual de Franco, White/Villa é o responsável pela trilha sonora de Oasis of the Zombies, e você vai querer matar esse sujeito até o fim da projeção, seguro. Se servir de consolo, ele já está vendo a grama crescer por baixo, pois faleceu em 1997.

Quando o filme recomeça, o melhor é esquecer tudo o que você já viu. Conheça Kurt (o francês Henri Lambert). Ele, um bastardo que treinou alguns soldados nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e, na época contemporânea (começo dos anos 80, neste caso), vai pedir ajuda para o Capitão Blabert (Javier Maiza), um veterano aliado da guerra e o único que sabe onde está um carregamento enterrado de 6 milhões de dólares em ouro. A muamba estava sendo transportada pelos nazistas quando o comboio foi interceptado bem no meio do deserto.

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Nesse momento, você já deve estar se perguntando: “Espera um pouco… Este sujeito sabe onde estão enterrados 6 milhões de dólares e nunca foi buscar? Que estúpido!“. Pois é, e como um cara estúpido merece morrer, Kurt despacha o cara com um veneno de ação incrivelmente rápida que escondia em sua caneta, logo após surrupiar o mapa que leva até o tal oásis onde foi enterrado o tesouro.

Novo corte brusco e agora estamos em Londres (ou seja, em algum lugar da Espanha). Lá mora Robert Blabert (Manuel Gélin), um jovem que, claro, é filho do falecido Capitão Blabert. Ele recebe um telegrama com a notícia de que seu pai está morto, e sua atitude é um tanto quanto imediata: quer ir para a África saber o que aconteceu ao papai. Antes da viagem, Robert começa a ler o diário de guerra do seu pai. Humm, isso me cheira a flashback…

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…e realmente é!!! Começa a história do ataque aliado aos nazistas no deserto durante a Segunda Guerra Mundial, que é quase uma trama paralela, tamanho o destaque dado para este evento (quando somente a troca de informações entre Kurt e o Capitão já bastavam para situar o espectador, mas tudo bem…). O “flashback” mostra um tiroteio dos diabos no meio do deserto, porém é óbvio que nem o diretor nem a Eurociné gastaram um pila para fazer todas estas cenas com tanques, montes de figurantes, explosões e metralhadoras disparando! Espertinhos, eles simplesmente roubaram a sequência inteira de uma produção italiana de 1971, I Giardini del Diavolo (“O Jardim do Diabo”), dirigida por Alfredo Rizzo!!! Assim é fácil, não é?

A batalha é um show à parte, de fazer Sam Peckinpah corar de vergonha! Como bem apontou um outro crítico na internet, alguns soldados baleados jogam os braços para cima, fazendo uma bizarra homenagem à discoteca, outros dão saltos astronômicos para os lados, cambalhotas, e tem até um hilário soldado que “deveria morrer, mas mudou de ideia“… Enfim, uma coisa horrorosamente ridícula. Pelo menos dessa vez o pobre Franco não tem culpa, já que roubou a cena de terceiros (isto também explica porque o local da batalha é tão diferente do oásis visto nas outras cenas realmente filmadas pelo espanhol). A única coisa que Franco gravou do tal flashback é o “pós-tiroteio“, mostrando que apenas o pai de Robert sobreviveu e vaga sem rumo pelo deserto.

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A passagem é arrastaaaaaaaaaaada, o pianinho de Daniel White já está dando nos nervos, quando enfim o corpo desmaiado do militar é encontrado por um grupo de viajantes que estava convenientemente passando no local. O Seu Madrug… digo, o pai de Robert se recupera em um palácio monumental (e Franco faz questão que saibamos disto, com intermináveis takes do lugar). Ali, o capitão se envolve amorosamente com Aisha (Doris Regina), a filha do Sheik (Antonio Mayans, que participou de diversas películas do cineasta). Todavia a batalha continua (será um replay com outras cenas da primeira batalha?), e Aisha morre no parto de Robert. Você percebeu que ainda estamos num flashback? Pois é, e nessa brincadeira já passou quase 40 minutos do filme!!!

E então nós voltamos aos dias atuais, quando o crescido Robert quer montar uma expedição para encontrar o ouro. Como ele é um cara generoso, está disposto a repartir o dinheiro com os amigos, caso eles queiram acompanhá-lo na viagem. E como no cinema ninguém trabalha e nem estuda, os dois amigos e a namorada de Robert acham a proposta tentadora, e todos partem no primeiro avião para a África.

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Neste meio-tempo, Kurt (lembra dele?) chega ao tal oásis com a esposa (Myriam Landson) e dois empregados. Por ser noite, o grupo monta acampamento. Mas os dois manés não estão com sono e saem para caminhar. Então, façam como Jess Franco: ignorem o céu azul e a luminosidade do Sol; é noite, e pronto, hehehe… Passado todo este tempo com enrolação, os zumbis (esqueceu que o título é Oasis of the Zombies?) finalmente dão o ar da graça. E valeu a pena esperar, porque eles são um espetáculo a parte!!! A maquiagem é tão capenga que dá dor de barriga de tanta gargalhada: tem um feioso boneco rígido com um olho só que enforca (isso mesmo, enforca) um dos empregados; tem também os mais “humanos“, cuja maquiagem deve ter sido feita com papel machê (uns troços podres escorrendo pela cara), e estes matam o segundo empregado. Os gritos alertam Kurt e sua esposa, no entanto algo impressionante acontece: a mulher, assustada, foge correndo PRA CIMA dos zumbis, que não perdoam a burrice da personagem e a devoram. Kurt, por outro lado, leva apenas uma mordida no pescoço (apenas???), mas consegue fugir de jipe.

No dia seguinte, Robert e seus amigos chegam ao país (Egito? Líbia? Argélia? O filme não se preocupa em esclarecer, por isso você pode escolher o seu preferido!). Eles passam um tempão fazendo e falando um monte de futilidades, agindo como se estivessem de férias (e esquecendo que o pai de um deles morreu). Encontram até uma equipe de filmagem (leia-se: um cara com uma câmera velha e um outro com um microfone apontado pra cima), que está fazendo um documentário para o professor Deniken (Albino Graziani, que também enfrentou zumbis num filme posterior de Franco, La Mansión de Los Muertos Viventes, de 1985). Vale destacar que o cineasta aproveitou para homenagear dois habituais colaboradores da equipe técnica, Juan Soler Cozar e Angel Ordiales, que aparecem “interpretando” a equipe de filmagem do professor!!!

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Os quatro universitários ingleses resolvem acompanhar Deniken e sua assistente Erika (France Lomay) para uma residência onde irão passar a noite. Ali Kurt aparece caminhando, agonizante, até coincidentemente falecer sobre uma pilha de lenha. Os habitantes do lugar, que devem saber sobre o oásis e sobre os zumbis, resolvem cremar o pobre coitado antes que ele retorne como morto-vivo. E o fato de ele ter morrido justo sobre uma pilha de lenha facilita o serviço…

No dia seguinte, os jovens vão ao encontro do Sheik, que fornece a localização do oásis, e partem para lá. Chegando ao local, encontram o veículo de Deniken abandonado, já que toda a equipe de filmagem foi morta. O professor chega cambaleando, falando bobagem e desmaia, porém Erika é encontrada ainda viva. Agora vem a parte estranha: a moçoila sofreu um ataque de zumbis, quase morreu, mas, da forma como o roteiro trabalha a coisa, o grupo não acredita em nada! E, mesmo sabendo do perigo que corre, ela se comporta como se nada tivesse acontecido, inclusive ajudando a expedição na busca pelo ouro! Vai ser gananciosa assim lá em Brasilia!!! Assim, o grupo opta por tentar a sorte mais alguns dias nas escavações (a esmo, já que eles nem imaginam onde o ouro está enterrado!!!).

Neste momento, se você não quer saber o que acontece com os protagonistas no ato final, interrompa a leitura agora. No entanto, se você não dá a mínima para spoilers em um filme de Jess Franco, ou já assistiu essa pérola e não entendeu, vamos nessa…

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Anoitece, uns fazem sexo nas barracas (quando finalmente temos cenas de nudez gratuita, neste caso uns peitinhos), enquanto outros saem para admirar a paisagem nas dunas. O barulho de porco guinchando e as areias se movimentando é sinal de que os zumbis vão aparecer… E eles aparecem mesmo, e matam um componente do grupo, se dirigindo então para o acampamento principal. Como estes zumbis são lentos demais até para os padrões comuns de mortos-vivos, levam um tempão pra chegar lá, tanto que até já está amanhecendo (não se surpreenda, pois a noite, no deserto deste filme, dura apenas 15 minutos!).

Os sobreviventes – entre eles nosso “herói” Robert – acordam assustados, vêem os mortos cambaleantes e têm a brilhante ideia de fugir de jipe. Um deles até fala: “Vamos, eles estão vindo rápido!” (hahahaha), o que só pode ser uma grande ironia (ou uma grande piada), considerando que até as lesmas e as tartarugas poderiam atacar os caras ANTES que os lerdíssimos zumbis! Mesmo assim, não dá tempo de eles colocarem combustível no veículo. Então, os jovens têm outras duas ideias geniais: usar a gasolina para fazer um círculo de fogo em volta da barraca (que não funciona) e produzir uns coquetéis Molotov “como na escola” (sei lá, vai ver que eles fizeram faculdade com o Bin Laden, hahaha).

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O ataque dos mortos é uma zona na direção e na edição: a tela fica cinza por causa da fumaça, dificultando para o espectador distinguir o que acontece (vai ver era essa a intenção, maquiando as limitações orçamentárias); temos inúmeros closes nos rostos dos mortos-vivos… E os coquetéis Molotov merecem destaque especial: um personagem joga a garrafa, apenas ouvimos um som de explosão e, no próximo take, dois zumbis pulam pra trás nas dunas, hahaha… Robert também descobre que os zumbis são inflamáveis: é só colocar fogo no rosto que o resto do corpo é carbonizado instantaneamente. Esperto, ele usa esta técnica para sobreviver com sua namorada.

O Sol sobe no firmamento, os zumbis desaparecem (literalmente e inexplicavelmente) e o Sheik aparece com seu camelo, encontra Robert e pergunta: “Você encontrou o que estava procurando?“. Esquecendo que mais da metade do elenco morreu esquartejada por zumbis, o rapaz simplesmente responde: “Sim, eu me encontrei“… Hã? Cuma? The End? Ei, explica esse negócio direito, volta aqui!!!! Em outras palavras, você acabou de ver um longa-metragem sobre um jovem que descobre a si mesmo… Claro, tem uns zumbis, um tesouro escondido, umas tetas de fora e pedaços de gente voando, mas basicamente é um drama intimista sobre a descoberta da nossa própria identidade! Profundo, isso…

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Brincadeiras a parte, o roteiro de Oasis of the Zombies é essa bagunça toda. A trama vai-e-volta de uma hora para outra, os personagens falam demais mas não dizem muita coisa, e há afrontas gritantes à lógica. Por exemplo: a longa cena em flashback nos mostra que Robert, filho do Capitão Blabert, nasceu durante a Segunda Guerra Mundial (em 1943, para ser mais exato). Pois quando a fita nos apresenta o Robert da atualidade, ele parece ser um universitário nos seus 20 ou 25 anos – quando, pela época em que o filme foi feito (1981), e considerando o ano em que nasceu, deveria estar com quase 40 anos de idade!!!

Além disso, respostas a perguntas elementares, como a origem dos mortos-vivos (por que nenhum outro soldado nazista morto na Segunda Guerra Mundial voltou como zumbi além daqueles?), o lugar em que a ação se desenvolve ou mesmo QUEM são os personagens, são deixadas de lado sem mais nem menos. Os zumbis existem, e pronto. Os personagens estão no deserto, e pronto. Eles enfrentam zumbis, e pronto! Não tem o que entender, e pronto!!!

E o que dizer do nosso amigo Jesus Franco como diretor? Bem, quem já ouviu falar ou assistiu alguma outra película dele (o que é complicado, já que pouquíssimo de sua obra saiu no Brasil) sabe que o homem tem um sério problema (ou fetiche) com closes e supercloses. Às vezes o close é tão exagerado que a imagem chega a sair de foco! Quando é na napa dos zumbis até vai, embora só sirva para comprovar como a maquiagem é bagaceira. Todavia, como justificar dois supercloses de uma roda perdida no mato, três de uma metralhadora velha e de uma caveira e CINCO closes de uma teia de aranha que não tem função nenhuma na história? Aliás, tal aranha deve ter alguma explicação sobrenatural na trama, pois Franco dá um superclose na sua teia sempre momentos antes do ataques dos zumbis!!! Será que a aranha também é zumbi? Ou é ela quem se comunica telepaticamente com os mortos-vivos, avisando-os de que há invasores no oásis?

Descontando as brincadeiras, é possível perceber que, mesmo numa de suas obras menos memoráveis, o velho Jess ainda demonstra ter jeito pra coisa, como nas belíssimas panorâmicas do deserto (especialmente nas cenas de flashback envolvendo o pai de Robert e a filha do Sheik) e algumas das cenas dos mortos-vivos cambaleando pelas dunas. Inseridas numa produção barata e rasteira, estas sequências são muito bem-feitas e até compensam outros deslizes técnicos da película. Além disso, certas falhas de edição e da direção até podemos perdoar por causa da óbvia limitação no orçamento – e, afinal, este é um filme de Jess Franco, ninguém está esperando uma maravilha da sétima arte! Tem também as já clássicas tomadas “noturnas” feitas em plena luz do dia, a falta de mortes “on-screen” e o fato do exército nazista não ter nenhum alemão (hehehe).

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Mas o que incomoda mesmo são os cortes bruscos de uma tomada para outra, inclusive estragando o deleite de ver os zumbis emergindo das dunas no oásis, o que deveria ser um grande atrativo. Aparentemente sem tempo e paciência para enterrar os figurantes na areia (ou com medo de matá-los de verdade…), Franco preferiu usar a seguinte sequência de montagem: deserto vazio, deserto vazio, deserto vazio, deserto cheio de zumbis! A produção seria mais bem-sucedida se a edição fosse feita com mais cuidado, entretanto em alguns momentos parece que Franco deixou a câmera ligada – e, como ele foi também o editor da versão original, não se preocupou em cortar os takes… O fato da atriz espanhola Lina Romay ser creditada como “assistente de edição” pode ter algo a ver com isso: ela era esposa do cineasta na época, e provavelmente os dois ficaram “namorando” na sala de edição ao invés de cortar as cenas como seria necessário!

Vale também um destaque para a maquiagem dos zumbis, feita pela espanhola Manolita G. Fraile. De tão fajuta (a cara dos figurantes é coberta por um material rígido, tipo massa corrida), nunca vemos uma dentada on-screen. Além disto, chega a ser cômico uma meia dúzia de zumbis em velocidade de tartaruga conseguir sobrepujar tantos personagens, já que a única perseguição em alta velocidade (a da lésbica no início) nem ao menos é mostrada. Se resta um consolo, os zumbis de Franco pelo menos não são apenas figurantes com o rosto pintado de branco ou verde (como em Zombie Lake, filmado na mesma época).

Já o elenco é outra fauna: os camelos são os melhores atores, e isso não é passível de discussão – afinal, o próprio Franco afirma que seleciona as atrizes pelo olhar (pra não dizer outra coisa…), e não pelo talento de interpretação. Neste caso, os que não são canastrões são inexpressivos, só que nada é tão ruim quanto os figurantes, que, ajudados pela medonha dublagem em inglês, ficam mais caricatos ainda e podem ser tanto motivo de risadas quanto de raiva.

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E alguém, pelo bem da humanidade, arrebente o pianinho de Daniel White para que nem no além-túmulo ele possa compor novamente! A trilha sonora não consegue ser apenas horrível, tem que ser irritante aos ouvidos. White coloca um tom agudo nos ataques dos zumbis que chega a dar dor de cabeça. O mais irônico é que esta trilha foi composta exclusivamente para a versão francesa. A edição original, espanhola, tinha uma elogiada trilha composta pelo mesmo Daniel White com a participação de Jess Franco, considerada mais climática e sinistra por quem viu.

Entre outras mudanças nas duas edições, a versão espanhola (que é o corte original de Franco, conhecido internacionalmente pelo título La Tumba de Los Muertos Vivientes e inexistente em DVD fora da Espanha) é mais curta, com três minutos a menos. O roteiro é o mesmo, mas Kurt e sua esposa, na versão de Franco, foram interpretados por outros atores: ao invés de Henri Lambert, temos o espanhol Eduardo Fajardo (o vilão do clássico Django, de Sergio Corbucci), e como sua esposa, no lugar da inexpressiva e feia Myriam Landson, aparece a musa do cineasta, Lina Romay. A cena original do ataque a Kurt e sua mulher foi refilmada pelo produtor Lesoeur, utilizando o operador de câmera preferido de Jean Rollin, Max Monteillet, e com resultado inferior ao trabalho de Franco. Todo o restante é praticamente igual nas duas versões, tirando os créditos iniciais e finais, o ataque final a Robert e seus amigos (melhor editado na versão original, sem aqueles intermináveis supercloses na fuça dos zumbis inseridos na edição francesa) e a morte do pai de Robert (com um tiro na versão espanhola, e não com veneno). Só é de se lamentar que as cenas com Lina Romay de topless e besuntada de ketchup ao morrer nas mãos dos mortos-vivos não tenham sido aproveitadas na edição francesa…

Apesar de tanta esculhambação, afinal, por que gostamos de Oasis of the Zombies a ponto de dois colaboradores da Boca do Inferno terem disposto seu tempo e paciência para desenvolverem um interminável artigo conjunto sobre ele? Bem, talvez precisemos de um analista… Entretanto, o mais provável é que estas limitações e a absoluta falta de vergonha na cara de fazer uma coisa tão bagaceira tenha certo charme, como quase todos os muitos trabalhos de Jess Franco. E, apesar dos pesares, não é o pior filme de mortos-vivos já feito, e está aí Uwe Boll e a turma do Dia dos Mortos 2 que não nos deixam mentir.

Oasis of the Zombies seguramente não é para todos os gostos. Poderão surgir manifestações de amor e ódio que são perfeitamente plausíveis, porém só tem um jeito de você saber. Portanto, assista.

PS 1: Para reunir as informações sobre as diferenças entre as duas versões de Oasis of the Zombies (a espanhola e a francesa), o Felipe encheu o saco de vários experts na vida de Franco, por e-mail. Logo, cabe aqui uma homenagem a eles: Carlos Thomaz Albornoz, gaúcho e especialista em tudo que é referente ao cinema; Tim Lucas, americano que edita a revista “Video Watchdog” e co-escreveu o livro “Obsession – The Films of Jess Franco“; Robert Monell, americano que é especialista na carreira do cineasta e edita o fantástico blog “I’m in a Jess Franco State of Mind“; e Craig Ledbetter, americano e editor da revista e do site “European Trash Cinema“. Gracias ao Thomazzo e thanks para os gringos!!!

PS 2: No auge do mercado de VHS no país, os brasileiros puderam ver umas cenas de Oasis of the Zombies editadas em Zombiethon – A Hora dos Zumbis, uma compilação picareta dos “melhores momentos” de várias produções com mortos-vivos (incluindo também Zombie, A Virgin Among the Living Dead e Zombie Lake, entre outras). A montagem foi feita pelo americano Ken Dixon. Difícil é achar tal coisa nas locadoras hoje em dia…

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Autor Convidado

Um infernauta com talentos sobrenaturais convidado a ter seu texto publicado no Boca do Inferno!

4 thoughts on “Oásis dos Zumbis, os mortos-vivos nazistas de Jess Franco

  • 08/12/2014 em 22:01
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    Imbecilidade e horror com sangue e burrice!

    Resposta
  • 02/05/2014 em 20:22
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    Difícil é achar uma locadora de filmes dando lucro hoje em dia.

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  • 01/05/2014 em 20:29
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    Vi esse filme nas Lojas Americanas e comprei , mais eu não sabia que iria ser mais ruim do que eu imaginava , só não joguei o dvd fora porque é original .

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    • 04/05/2014 em 22:10
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      desanimei agora,vejo não.

      Resposta

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