Lucio Fulci, o Padrinho do Gore

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Lucio Fulci

“Eu não sou um criminoso porque faço filmes de horror. Muitos diretores italianos do gênero amam os animais. Mario Bava amava gatos, Riccardo Freda, cavalos, e Dario Argento ama a ele mesmo.”

Não é para qualquer um a alcunha de “Padrinho do Gore“. Se Herschell Gordon Lewis o adquiriu por sangrar o gênero, Fulci enrubesceu seus trabalhos buscando o limite do extremo, tocando a alma dos seus adoradores ao rasgar a janela de acesso com uma lasca de madeira. E como ele gostava de olhos! Vazados ou na mais pura expressão de horror na testemunha de uma horda de zumbis cambaleantes em busca de alimento, eles transmitiam a ousadia de um cineasta apaixonado por filmes dos mais variados estilos, muitos sem lógica ou questionáveis – todos eficientes e divertidos!

Nascido em Roma, em 17 de junho de 1927, Lucio Fulci cresceu com a inspiração da Segunda Guerra Mundial. Estudou medicina antes de iniciar sua carreira cinematográfica como crítico até ingressar na carreira de diretor no comando de comédias mais leves, chegando a comandar 18 exemplares na década de 60, muitos estrelados por Franco Franchi e Ciccio Ingrassia, mas sem reconhecimento por não terem sido traduzidos para o inglês. Em 69, invadiu os gialli ao dirigir A Lizard in a Woman’s Skin e o expressivo Premonição, assim como os spaghetti westerns Massacre Time e, o primeiro filme que vi da carreira do cineasta, Os Quatro do Apocalipse – produções que fizeram sucesso comercial, mesmo com o excesso de violência e crítica à religião. No caso de A Lizard…, Fulci teve problemas ao exibir cães mutilados num ambiente de vivissecção tão realísticos que o levou ao júri para mostrar os bonecos dos animais usados, realizados com os impressionantes efeitos especiais de Carlo Rambaldi.

Lucio Fulci (2)

Mais confusões vieram com o lançamento de seu primeiro filme de sucesso na Itália, O Segredo do Bosque dos Sonhos, onde a violência gráfica combinaria com uma série de assassinatos de crianças e uma crítica voraz à Igreja Católica, embora Fulci evidenciasse em entrevistas sua fidelidade à religião. Se um padre assassino de crianças já não fosse um exemplo de ousadia, o cineasta o colocaria como suicida num cemitério e estabeleceria uma maldição em Pavor na Cidade dos Zumbis (80).

O segredo talvez não estivesse no bosque dos sonhos, mas na América. Fulci sabia que o sucesso lá fora é o que traria as rendas necessárias para a continuação de seu trabalho. Assim, inspirado em Despertar dos Mortos (78), de George Romero, lançado na Itália como Zombi, Fulci faria rapidamente uma “continuação bastarda“, o clássico Zombie (ou Zombi 2), com roteiro de Elisa Briganti e sem os créditos de Dardano Sacchetti, numa parceria que viria em outros exemplares do gênero. Uma ilha de zumbis, na primeira concepção putrefata das criaturas, com cenas antológicas como o confronto com um tubarão, a aparição numa praia e a mais conhecida, quando Olga Karlatos tem o belo olho rasgado por uma lasca de madeira.

Zombie (1979) (6)

Atingido pelo sobrenatural, com Dardano Sacchetti, que havia trabalhado com Dario Argento em O Gato de Nove Caudas e Mario Bava em A Mansão da Morte – ambos de 1971 – ele faria Premonição (77), Pavor na Cidade dos Zumbis (80), Terror nas Trevas, O Gato Negro e A Casa do Cemitério (todos de 81), o giallo violento New York Ripper e o confuso Manhattan Baby (ambos de 82). A partir daí, o cineasta começaria a cair em produção em roteiros convencionais e ruins como Murder Rock (84), Enigma do Pesadelo (87), Zombi 3 (88) e Ghosts of Sodom (88), só voltando ao bom estilo em 1990 estrelando A Cat in the Brain, num resgate aos filmes sangrentos do passado.

Aliás, foi esse exagero no tom vermelho que o fez ser mutilado na América, alcançando censura R (Terror nas Trevas) ou até X, típica dos filmes pornôs, com Zombie e A Casa do Cemitério, exibidos apenas no estilo grindhouse, em drive-ins e cinemas independentes. Já na Europa, três de seus trabalhos, os mencionados neste parágrafo, entraram para a lista dos 72 video nasties, enquanto New York Ripper nem recebeu certificado na classificação dos filmes ingleses como também foi mandado de volta para a Itália, só conseguindo um lançamento em VHS em 2002 e DVD em 2007.

New York Ripper (1982) (3)

Se Fulci conseguiu notoriedade com a parceria com Dardano, ele não conseguiu mantê-la em Conquest (uma aventura ao estilo Conan), devido a problemas no contrato, o que trouxe o rompimento da amizade, incluindo até uma troca de acusações, e consequentemente a queda de produção do diretor. O roteirista continuaria em alta na década de 80 com Demons e Demons 2 (ambos dirigidor por Lamberto Bava), A Catedral (de Michele Soavi) e outros menos conceituados, mas extremamente divertidos: Perdidos no Vale dos Dinossauros (85), de Michele Massimo Tarantini, Keruak, O Exterminador de Aço (86), de Sergio Martino, a franquia Killer Crocodile, de Fabrizio De Angelis, e até o trash O Rato Humano (88), de Giuliano Carnimeo.

Fulci foi considerado um portador de hepatite em 1984, enquanto dirigia Murder Rock, em Nova Iorque. Hospitalizado por vários meses (possivelmente tenha adquirido seus problemas de saúde no México), o diretor comandava seus trabalhos entre os momentos de recuperação. A hepatite se somou a cirrose e a diabetes, o que muitos consideram como fatores importantes para seu declínio na direção. Um exemplo é o filme Zombie 3, filmado na Filipinas em 1988, mas terminado por Bruno Mattei, o que fez com que o cineasta repudiasse o resultado, assim como seus fãs.

Lucio Fulci (3)

Em 1989, Lucio Fulci iniciaria uma parceria de produções para a TV – combinando com o declínio do cinema fantástico italiano -, o que trouxe críticas severas aos trabalhos do cineasta. Seu último filme, The Door to Silence (91), baseado em roteiro próprio, foi massacrado pela mídia, sendo apenas cultuado depois de seu falecimento. Em 1995, ele conheceu Dario Argento, que ficou impressionado com a aparência do Padrinho do Gore. Tentando elevar seu nome mais uma vez, Argento resolveu dirigir um remake do clássico Museu de Cera (53), de Vincent Price, colocando Fulci como responsável pelo argumento do chamado Museu dos Horrores, mas o diretor faleceu antes que as filmagens começassem.

Lucio Fulci morreu sozinho em sua casa em Roma no dia 13 de março de 1996, devido a complicações causadas pela diabete – embora ainda existam controvérsias sobre a real causa de sua morte pois o cineasta havia perdido sua casa, sendo obrigado a morar num pequeno apartamento, e possivelmente teria deixado de tomar seus medicamentos. Na verdade, o mestre italiano já estava bastante debilitado na época e era o momento de libertar o gato que possuía em seu cérebro criativo e ousado, já que o legado já havia sido estabelecido como produções memoráveis para todas as retinas, furadas ou assustadas!

FILMOGRAFIA SELECIONADA

1991: Door Into Silence
1991: Voices from Beyond
1990: Demonia
1990: A Cat in the Brain
1988: Ghosts of Sodom
1988: Zombie 3
1987: Enigma do Pesadelo
1984: Murder Rock
1982: Manhattan Baby
1982: New York Ripper
1981: A Casa do Cemitério
1981: Terror nas Trevas
1981: O Gato Negro
1980: Pavor na Cidade dos Zumbis
1979: Zombie
1977: Premonição
1972: O Segredo do Bosque dos Sonhos
1971: A Lizard in a Woman’s Skin

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Lucio Fulci, o Padrinho do Gore

  • 06/08/2014 em 02:21
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    Lucio Fulci ” Padrinho do Gore ” sempre foi e sempre será o Melhor do Horror Italiano ! Pois fazia seus filmes com amor , sem medo e do jeito que ele queria que fosse não se importando se seus filmes seriam banidos ou fortemente cortados pela censura ou até mesmo não distribuídos .
    Mais o que realmente sempre importava era o GORE , quanto mais melhor , não é a toa que foi intitulado o ” Padrinho do Gore ” pois fazia muito bem feito e de forma realista na intenção de chocar mesmo !
    É isso o que o torna diferente dos outros , um diretor de muita coragem e ousadia de sobra , e com essas características e com seus filmes extremo da Itália se torna o número 1 do país !
    Sou fã declarado de Lucio Fulci e eu ele temos algo incomum : a obsessão pelo ” Gore ” !

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