Almas Reencarnadas (2005)

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Almas Reencarnadas (2005)

Almas Reencarnadas
Original:Rinne
Ano:2005•País:Japão
Direção:Takashi Shimizu
Roteiro:Takashi Shimizu, Masaki Adachi
Produção:Takashige Ichise
Elenco:Yûka, Karina, Kippei Shîna, Tetta Sugimoto, Shun Oguri, Marika Matsumoto, Mantarô Koichi, Atsushi Haruta, Takako Fuji

Felizmente a tsunami do Cinema de Horror Asiático parece não ter um fim, muito pelo contrário. Com a vasta produção e um grande numero de jovens e talentosos diretores surgindo a cada ano essa visão bastante particular sobre as narrativas do medo tem como qualidade a grande diversidade estética e a forte espiritualidade inserida na cultura oriental que é muito bem aproveitada pelos criativos roteiristas.

Almas Reencarnadas é mais um exemplo desse “oceano” de filmes. Vindo do Japão e dirigido pelo talentoso Takashi Shimizu, o criador da série Ju-On, que se desdobrou em O Grito, na sua refilmagem norte-americana, o filme se destaca por trabalhar com um roteiro metalinguístico já visto em diversas produções como A Noite Americana e Cat in the Brain: a do “Filme dentro do Filme”. Na trama um diretor deseja filmar a história de um sangrento assassinato em massa onde 11 pessoas foram trucidadas por um homem em um pacato hotel numa região campestre do Japão. Surgem na introdução, antes dos créditos, algumas personagens do filme que irão se ligar diretamente na produção que será realizada sobre os tais assassinatos do hotel.

A presença sobrenatural é percebida por algumas personagens, de uma aspirante a atriz até o próprio diretor. Um brilhante plano-sequência mostra em um corredor uma bolinha vermelha quicando no chão de um corredor. A câmera acompanha a tal bolinha até nos vermos em um cenário escuro onde aparece uma macabra boneca de louça com um de seus olhos afundando e fazendo saltar o globo ocular de vidro, além de uma voz sinistra dizendo “Juntos para sempre”, em seguida entram os créditos iniciais de Almas Reencarnadas. Essa composição da bolinha quicando no chão como elemento de ligação ao mundo sobrenatural pode ser observada no episódio de Federico Felline no longa Histórias Extraordinárias, inspirado na obra de Edgar Alan Poe. No filme de Shimizu assim como nesse episódio de Fellini existe a presença infantil na forma da menina fantasmagórica. A origem, porém, é anterior e vem de Mario Bava no filme Kill, Baby, Kill aka Operazione Paura.

Elaboradas reuniões de elenco e uma profunda explicação do diretor para os atores de suas funções no filme e seu desejo de fazer com que as 11 almas dos mortos do hotel finalmente descansem são mostradas de forma quase documental por Shimizu imprimindo um realismo que caminha lado a lado com a construção da trama onde peças de um macabro quebra-cabeça começam a se juntar explicando o que realmente aconteceu no hotel no dia dos assassinatos e de quem é a Alma Reencarnada do assassino. Uma cena interessante mostra uma garota que diz não gostar de filmes de horror mas que deseja interpretar uma das vítimas no filme pois diz ter sido estrangulada em uma vida passada. Esse jogo entre o que é o filme, o que será filmado e a terceira narrativa composta pelos delírios de uma outra jovem atriz, Nagisa acaba por sobrepor uma série de camadas narrativas que vão levando o espectador para dentro de um pesadelo que parece não ter fim.

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O anuncio do diretor dizendo quem irá interpretar as vítimas é feito de maneira inteligente, criando um crescente clima de suspense e tensão. Nagisa acaba descobrindo que irá interpretar uma menininha que foi a ultima a ser assassinada pelo misterioso matador do hotel. O desejo do diretor de vê-la nesse papel é tamanho que ele aumentou a idade da personagem para que ela possa interpreta-lo. Só que Nagisa está com sérios problemas pois tem visões da tal menininha, dona da tal boneca macabra de louça. Em uma das visões dentro de um trem do Metrô me remeteu diretamente a Suicide Club. Outra referência direta de Shimizu em Almas Reencarnadas é O Iluminado de Stanley Kubrick, não só pelos crimes violentos no hotel e pela figura de crianças fantasmagóricas vistas nos seus corredores, mas por ter um quarto, o 227, como símbolo de proibição, medo e morte. A visão do assassino cometendo os crimes com uma câmera Super 8 na mão e uma faca afiada na outra remete ao clássico de Michael Powell Peeping Tom, de 1960. As cenas de assassinato, principalmente a das crianças, são muito perturbadoras. Shimizu cita O Grito em uma inusitada sequência na biblioteca onde a tal aspirante à atriz citada anteriormente tem um macabro encontro em meio às prateleiras enquanto fala no telefone celular. As sequências finais são longas e de puro horror num transe onde texturas de imagens em 35 e 8 mm mostram vários pontos de vista sobre o que está sendo filmado dentro do hotel, o que teria acontecido de verdade anos atrás no dia do massacre e alucinados delírios da pobre Nagisa, que acaba vendo seus pesadelos de infância, onde via os corredores e a frente do hotel se tornando realidade…

O fato do filme dentro do filme ser encenado no próprio hotel onde ocorreram as mortes mostra o perfeccionismo do diretor, que pode ser considerado um alter ego de Shimizu, em fazer com que os atores fiquem o tempo todo sentindo a atmosfera mórbida do local e transferindo isso para o filme que será rodado. Isso é muito interessante e lembra o método usado por Dario Argento em Suspiria, onde ele tocava a trilha-sonora no volume máximo dentro do set de filmagens para afetar os sentidos dos atores e criar uma sufocante atmosfera de medo. Voltando a tal boneca de louça, ela tem um grande momento no final do filme que se encerra de maneira cruel, aterradora e surpreendente. Mais um belo exercício de estilo de Shimizu nessa produção que é fruto do Projeto J-Horror Theater, que é composto por 10 filmes, entre eles Infecção e O Terror da Premonição, lançados diretamente em DVD no Brasil.

Parece que Shimizu está preferindo ficar na ponte aérea Tóquio/Hollywood, desenvolvendo projetos em ambos lugares. Depois ele lançaria Marebito, que está se tornando cult e tem no elenco Shinya Tsukamoto, ator e também diretor responsável pelo clássico Tetsuo – The Iron Man.

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Marcelo Carrard

Marcelo Carrard é Jornalista, Pesquisador e Crítico de Cinema e Editor do Blog: Nudo e Selvaggio.

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