Viagem Maldita (2006)

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Viagem Maldita (2006)

Viagem Maldita
Original:The Hills Have Eyes
Ano:2006•País:EUA, França
Direção:Alexandre Aja
Roteiro:Alexandre Aja, Grégory Levasseur, Wes Craven
Produção:Wes Craven, Peter Locke, Marianne Maddalena
Elenco:Ted Levine, Kathleen Quinlan, Dan Byrd, Aaron Stanford, Vinessa Shaw, Emilie de Ravin, Tom Bower, Billy Drago, Robert Joy, Desmond Askew, Ezra Buzzington, Michael Bailey Smith, Greg Nicotero, Laura Ortiz

O cinema de horror contemporâneo do Ocidente estava com uma carência de autores com o brilho transgressor de mestres do passado como os europeus: Dario Argento, Lucio Fulci, Armando de Ossorio, Jesus Franco, Jean Rollin, Joe D´Amato, Sergio Martino entre muitos outros. Tirando Michele Soavi poucos nomes se destacaram no Velho Continente, principalmente nos anos 90 e no início do Séc XXI. Uma enxurrada de slashers envernizados chegou a dar uma sobrevida comercial ao horror cinematográfico em produções como as da série Pânico. Quando ninguém esperava que fosse surgir um autor na Europa, e que o horror oriental era a única fonte de criatividade capaz de gerar novos talentos, eis que surge um moleque francês de vinte e poucos anos chamado Alexandre Aja, e um filme: Haute Tension aka Alta Tensão.

A importância da chegada em cena de Aja é vital para recolocar a Europa no mapa do cinema de horror. Alta Tensão tem grandes qualidades cinematográficas, uma direção impecável, atmosferas torturantes de suspense e horror e muitas referências aos clássicos dos anos 70 onde psicopatas á solta barbarizavam em filmes que se preocupavam muito mais com a história, a trama, do que com o body count. Outros filmes vieram nessa corrente nostálgica como Rejeitados pelo Diabo e Wolf Creek, mas o filme de Aja supera todos e revela ao mundo o melhor e mais criativo autor do cinema de horror atual. As referências aos filmes de Lucio Fulci estão presentes principalmente na escolha do diretor de Efeitos Especiais de Maquiagem do filme que é o Sr Giannetto de Rossi, colaborador de Fulci e D’Amato entre outros. O sucesso de Alta Tensão em Festivais chamou muito a atenção da crítica e logo surgiu o inevitável convite de um estúdio norte-americano, no caso a Fox-Searchlight, para que o jovem Aja dirigisse uma produção em inglês, no caso o remake de um clássico absoluto dos anos 70: The Hills Have Eyes, 1977, de Wes Craven.

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A notícia desse remake se espalhou como fogo na pólvora entre fãs e internautas mundo afora e muitas especulações rolaram sobre as dificuldades do diretor em impor sua visão do roteiro para os executivos da Fox. Entre tretas e discussões o filme conseguiu ser realizado, com um elenco de semi-desconhecidos, com locações numa região desértica do Marrocos onde a equipe foi exposta a temperaturas altas num ritmo árduo de trabalho com pessoas de diversas nacionalidades presentes no set de filmagem. Em termos comparativos os dois filmes tem grandes diferenças ficando somente a estrutura central do roteiro original de Craven sobre uma família de classe-média norte-americana em viagem pelo deserto que é brutalmente atacada por uma tribo de mutantes, descendentes dos sobreviventes de antigos testes nucleares praticados pelo Exército dos EUA durante o auge da Guerra Fria. Aja inseriu no roteiro um forte conteúdo crítico com relação ao imperialismo bélico dos EUA que para sua surpresa não foi vetado pelos produtores do filme.

A abertura do filme consegue criar uma forte atmosfera de antigos filmes de ficção-científica mostrando uma paisagem desértica de areia e pedras onde um grupo de homens trajando uniformes anti-radiação medem a presença de lixo radioativo com aqueles aparelhos característicos que emitem um som que parece o de interferências de rádio. Surge então o primeiro dos muitos sustos de causar taquicardia que permeiam todo o filme. Os créditos iniciais mostram imagens de bombas atômicas explodindo mescladas a inserção de imagens reais de pessoas com deformidades físicas. Ao contrário do que o roteiro pode sugerir essas deformidades apresentadas são o efeito de mutações genéticas causadas pelo Agente Laranja, arma química usada pelo Exército Norte-Americano durante a Guerra do Vietnã.

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A personagem do dono do posto de gasolina é melhor trabalhada nesse remake de Aja do que no original de Craven. A típica família norte-americana em férias é liderada pelo republicano Big Bob que tem na figura de Doug, seu genro, o contraponto dramático dentro dessa estrutura familiar. Doug é democrata, pacifista e não acredita em armas. Além da matriarca da família surgem em cena as duas filhas de Big Bob, uma delas casada com Doug e a outra, Brenda, interpretada por Emilie de Ravin, do seriado Lost. O filho de Big Bob parece uma versão jovem do pai, adorador de armas e que se refere ao cunhado Doug de maneira pejorativa por sua orientação Democrata. Aja estrutura já no início do filme sua crítica com relação ao pensamento de classe-média norte americano, conservadora, arrogante e que se julga auto-suficiente e incapaz de falhar. Um bebê também faz parte da família como arma maniqueísta de Aja para manipular o espectador até o final do filme. A primeira figura da tribo dos mutantes, Ruby, que aparece em cena vestindo um agasalho vermelho com capuz é uma clara referência a menina fantasmagórica de Inverno de Sangue em Veneza de Nicolas Roeg. As locações do filme foram muito bem escolhidas e criam um clima de crescente tensão onde os mutantes podem estar em qualquer lugar e atacar a qualquer momento. A sequência noturna no posto de gasolina mostra o quanto Aja está amadurecido nesse filme criando momentos intensos de horror em meio às sombras com o auxílio da ótima trilha sonora.

Passado um tempo razoável, o único rosto mutante revelado para o espectador é o da menina de capuz vermelho. O mistério na revelação dos rostos dos outros membros da “Quadrilha de Sádicos”, (numa alusão ao título brasileiro do filme original de Craven) é guardada para o momento certo: a longa sequência do ataque ao trailer da família. Encenada durante a noite essa sequência perturbadora coloca em cena as três mulheres da família junto com o bebê dentro do trailer. Um truque do apagar e desligar de luzes revela para Brenda o rosto terrivelmente deformado de Pluto, um dos mais populares personagens do filme original. Aja optou por uma deformidade facial mais aterradora, quase surreal brilhantemente revelada pelo ponto de vista da personagem. O novo Pluto é interpretado por Michael Barley Smith, o protagonista de Monster Man. Um jogo sádico e perverso se inicia com o abuso da mulher de Doug por outro freak mutante que aponta a espingarda para o berço onde dorme o bebê. Wes Craven se confessou muito impressionado com o resultado dessa sequência longa e com desdobramentos dramáticos e ainda mais aterradores.

Um dos pontos altos do roteiro é a conversão de Doug de um pacifista convicto em uma criatura vingativa que consegue extrair de si mesmo uma força descomunal que ele próprio desconhecia. Uma excelente sacada da equipe de Direção de Arte foi construir uma espécie de “Cidade Fantasma”, que na verdade é uma reconstituição das ruínas de cidades cenográficas construídas pelo Exército dos EUA para avaliar os danos das explosões atômicas em cidades reais, inclusive utilizando muitos bonecos que no filme aparecem como figuras decrépitas, corroídas que são uma espécie de antevisão dos mutantes que começam a surgir aos poucos em cena. Os duelos sangrentos de Doug nesse cenário desolado são muito bem realizados e carregados de críticas contra os EUA como no momento em que um dos mutantes canta o Hino Nacional norte-americano. Aja cria um diálogo macabro entre a América do artificial Sonho Americano com a América do avesso, do Pesadelo Americano que eles próprios construíram e que agora se volta contra eles, os destruindo, os consumindo. Aja ainda guarda algumas surpresas até os últimos segundos do filme em referências aos velhos faroestes Italianos.

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Com bons e sádicos momentos gore, sustos em profusão e muita adrenalina o diretor conseguiu superar o mestre Craven. Ao contrário dos remakes recentes de Dawn of the Dead e O Massacre da Serra Elétrica, Viagem Maldita é uma recriação superior e infinitamente mais transgressora do original. Não podemos esquecer da presença muito importante do cachorro, presente em ambas as versões. Os projetos seguintes de Aja trouxeram um conteúdo ligado a temas sobrenaturais (Espelhos do Medo), para depois retornar aos remakes com Piranha 3D.

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Marcelo Carrard

Marcelo Carrard é Jornalista, Pesquisador e Crítico de Cinema e Editor do Blog: Nudo e Selvaggio.

7 thoughts on “Viagem Maldita (2006)

  • 25/12/2019 em 22:28
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    Ao Ilustre Marcelo Carrard
    Um Filme sempre real em todos os tempos. Apresenta o dualismo dos apologistas: o ativo e o passivo, que contra os opressivos terão que unir-se; embora, e (infelizmente) seja uma ação temporária.

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  • 30/08/2016 em 12:14
    Permalink

    Eu particularmente detesto filmes sangrentos e com mortes excessivas e totalmente trash, prefiro filmes mais sobrenaturais, terror psicológicos e etc. James wan atualmente é o melhor do genero.

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  • 28/07/2016 em 11:26
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    Um dos poucos remakes que superam o original. Ótimas atuações e ótimos efeitos. Um dos melhores filmes dos últimos tempos.

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  • 19/03/2014 em 15:13
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    É o melhor filme de Aja depois de alta tensão. Por que na minha opinião espelhos do medo e (principalmente) piranha 3D são uma porcaria.

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  • 08/03/2014 em 20:11
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    tem esse filme aqui em casa,adoro demais.

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