Pulgasari (1985)

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Pulgasari (1985)

Pulgasari
Original:Pulgasari
Ano:1985•País:Coreia do Noite, Japão
Direção:Chong Gon Jo, Sang-ok Shin
Roteiro:Se Ryun Kim
Produção:Jong-il Kim
Elenco:Chang Son Hui, Ham Gi Sop, Jong-uk Ri, Gwon Ri, Gyong-ae Yu, Hye-chol Ro, Sang-hun Tae

Pulgasari é o único kaiju (filme de monstros) produzido na Coreia do Norte – só isso já bastaria como curiosidade, mas as coisas aqui vão além.

A trama, que é uma variação de Godzilla com ecos da lenda judaica do Golem, na verdade inspirado numa antiga lenda coreana – aqui metamorfoseado em parábola comunista -, só não é mais peculiar que a tenebrosa história por trás dos bastidores da filmagem, que poderia render outro filme, mas disso falarei mais adiante.

Na Coréia feudal, um cruel governador (Pong-ilk Pak) é constantemente incomodado por rebeldes que tentam derrubá-lo do poder. Numa medida para endurecer a repressão o nobre politico resolve recolher todas as ferramentas dos camponeses, enxadas, ancinhos, até panelas, enfim, tudo que seja de metal para fundir, transformando em novas armas, para reforçar o exército.

Depois de recolhidos, os metais são entregues a um velho ferreiro (Gwon Ri), que se recusa a fazer o trabalho. O que as autoridades não sabiam era que o ancião não só ajudava os rebeldes por baixo dos panos, como tinha o próprio sobrinho, chamado Inde (Ham Gi Sop), entre as fileiras de insurgentes.

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Após uma tortura básica, o ferreiro é jogado numa cela e deixado para morrer de fome. Sua filha, a bela Ami (Chang Son Hui), após ser impedida pelos guardas de levar comida para o pai, joga um monte de arroz pelas grades para que o pai se alimente – aí o filme começa a pirar – e o velho faz um bolo com as mãos. Na beira da morte ele declara uma oração, e o bolo se transforma num bonequinho, um genérico de Godzilla.

Depois da morte do pai, um dia Ami está em casa costurando, quando se fere e um pouco de sangue cai no boneco criado pelos poderes de seu pai, dando-lhe vida, assim no melhor estilo Drácula.

A criatura que surge se chama Pulgasari, e se alimenta apenas de metal, e na medida em que vai se alimentando, o bicho vai crescendo e se tornando gigantesco. Assim como na lenda do Golem, cujo monstro de barro fica subordinado ao rabino que o criou, aqui Pulgasari fica sobre as ordens da filha do ferreiro. Com ajuda do monstro indestrutível, os guerreiros derrubam o governador e partem para destruir o império do terrível rei (Yong-hok Pak).

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A esta altura o governador já foi derrubado, então Pulgasari e o exército revolucionário partem para derrubar o imperador. Claro que no meio do caminho o monstro irá derrubar muralhas e pagodes (aquelas construções orientais de vários andares com telhados estilosos – não confundir com o estilo musical brasileiro).

Até aqui o espectador mais perspicaz poderá notar que há uma falha interna nessa parábola comunista: a vitória do povo contra seus opressores só se dá através da força de um ser mitológico. Essa falha dura até os momentos finais do filme, onde se dá uma reviravolta interessante, com o então governo derrubado e o povo no poder: Pulgasari, que não para de comer metal, se torna o novo inimigo do povo, pois poderá deixa-los sem armas e até sem panelas. Dessa forma agora é ele que terá que ser destruído. A jovem Ami que se encarregara dessa tarefa, num dos finais mais esquisitos que já se viu.

Segundo o diretor Sang-ok Shin: “Pulgasari é um conto de advertência sobre o que acontece quando as pessoas deixam o seu destino nas mãos de um monstro, um capitalista à força de seu consumo insaciável de ferro.” O irônico é que o filme também permite uma leitura oposta, a de que o monstro representaria o poder ditatorial coreano, que se apropriou da “Revolução do povo” para seus próprios benefícios.

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Agora uma pequena historinha: meados dos anos 70, Kim Jong-il, então filho do ditador da Coreia do Norte Kim Il-Sung, era um apaixonado por cinema, e tinha planos megalomaníacos para se criar uma grandiosa cinematografia de índole comunista em seu país e que atingisse globalmente (o próprio Kim Jong-il seria futuro ditador de 1994 a 2011, onde ganharia o título de “chefe de estado mais totalitário do mundo”! Hoje quem dá as rédeas na Coreia do Norte é seu filho Kim Jong-um).

O problema é que Kim Jong-il não gostava do material humano que dispunha na Coreia do Norte (leiam-se diretores), e era fã do sul-coreano Sang-ok Shin, nome de grande expressão na Coreia da época. Shin tinha feito mais de sessenta filmes na parte sul da Coreia, em vinte anos de carreira, muitos deles sucessos por lá.

Resultado: o filhinho de ditador manda agentes para a Coreia do Sul sequestrar Sang-ok Shin e sua esposa Choi Eun- hee, uma atriz famosa em seu país. Segundo relatos do próprio Shin (falecido em 2006) para o jornalista inglês John Gorenfeld, do jornal The Guardian, ele e sua esposa assim que chegaram em Pyongyang, capital da Coreia do Norte, em 1978, tentaram escapar.

Shin tentou fugir várias vezes, e foi punido com quatro anos de prisão, onde segundo suas palavras: “vivi em uma dieta de capim , sal, arroz e doutrinação do Partido. Vomitando a bile o tempo todo. Eu experimentei os limites do ser humano.

O casal acabou sendo solto em 1983. Recebidos finalmente com uma grande festa patrocinada por Kim Jong-il. O então filho do ditador culpou funcionários seus pela estadia do casal no cárcere. Ele também pediu desculpas por ter demorado tanto para falar com o casal pessoalmente, dizendo que andou esse tempo todo ocupado no escritório (!).

Depois de três filmes como diretor e alguns como produtor, Shin acaba indo realizar finalmente Pulgasari, a pedido do próprio Kim Jong-il.

Para realizar essa fábula “vermelha”, o diretor ganhou carta branca, incluindo a importação de técnicos japoneses (depois de assegurar a segurança deles), chegaram até a contratar para colocar a fantasia de Pulgusari o ator Kenpachiro Satsuma, que vestia a carcaça do Godzilla naquela época. Sem contar a participação de soldados do exército norte-coreano como extras nas cenas de multidão.

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Kim Jong-il estava satisfeito com o ritmo da produção, e já tinha articulado com Shin planos para o próximo filme, que seria sobre o mongol Ghengi Khan. O filho do ditador estava tão confiante que permitiu que Shin e sua esposa fossem para a Áustria negociar a distribuição internacional do filme. O casal embarcou num avião para Viena e nunca mais retornaram. Indo depois direto para a Coreia do Sul, e finalmente conseguindo asilo nos EUA. Com a fuga de Shin, Pulgasari teve que ser finalizado por outro diretor: Chong Gon Jo.

Como puderam notar, a história dos bastidores de Pulgasari é mais empolgante que o filme em si. Tanto que poderia render um outro filme.

Depois de tudo isso, a obra foi finalmente lançada, e foi um fiasco na Coreia do Norte e massacrado pelos críticos locais. O filme não conseguiu distribuição internacional. Muito menos uma inscrição num festival na Coreia do Sul, pois na última hora acabou sendo proibido pelo governo deste país, alegando não exibir nada que possa trazer algum benefício para a Coreia do Norte.

Sendo assim Pulgasari ficou inédito fora da Coreia do Norte e entrou num limbo, até 1998, quando foi lançado em vídeo no Japão, e conquistou alguns fãs, adquirindo o status de cult.

Mesmo com seus efeitos risíveis e situações constrangedoras, Pulgasari não cansa o espectador e ainda tem um certo charme que poderá agradar tanto fãs dos kaijus mais podreiras, quanto fanáticos por bizarrices cinematográficas.

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Paulo Blob

Nascido em Cachoeirinha, editou o zine punk: Foco de Revolta e criou o Blog do Blob. É colunista do site O Café e do portal Gore Boulevard!

4 thoughts on “Pulgasari (1985)

  • 30/08/2014 em 23:06
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    Nos indefectíveis anos mil novecentos de oitenta, apesar do cerco cada vez mais impiedoso do cinema pipoqueiro ianque, aquele POLTERGEIST inconsequente, aquele descaramento da exploração-a-torto-e-a-direito ainda assombrava lépido os cinemas ao redor do globo. Para o bem, e para o mal, era legal. E quem diria que o infame Jong-il Kim pudesse rivalizar com Dênis Carvalho e Daniel Filho em matéria de infâmia, breguice e auto-paródia. Entretanto, os voluntários da “Anestesia Internacional” que não me levem a mal: prefiro mil vezes resgatar o EGOSAURO norte-coreano do limbo lá no Youtube do que me deparar com algo da Globolha Filmerdas empesteando os cinemas de shopping centers.

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