Drácula, o Vampiro do Sexo (1963)

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Drácula, o Vampiro do Sexo (1963)

Drácula, o Vampiro do Sexo
Original:La frusta e il corpo
Ano:1963•País:Itália
Direção:Mario Bava
Roteiro:Ernesto Gastaldi, Ugo Guerra, Luciano Martino
Produção:Federico Magnaghi
Elenco:Daliah Lavi, Christopher Lee, Tony Kendall, Ida Galli, Harriet Medin, Gustavo De Nardo, Luciano Pigozzi, Jacques Herlin

Em 1963, Mario Bava atinge graus elevados de estilização estética e de exercício de estilo em uma produção polêmica que teve problemas mais uma vez com a censura. A construção de um mundo labiríntico de corredores sombrios, passagens secretas e luzes de várias tensões cromáticas são os elementos imagéticos utilizados por Bava para construir sua mórbida história de amor com fortes tonalidades góticas que ultrapassam as onipresentes formas ogivais, mergulhando nas profundezas de um amor interdito por vários motivos e que rompe a barreira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos.

Embora remeta a várias narrativas conhecidas da literatura gótica, La Frusta E Il Corpo, que pode ser traduzido como O Chicote E O Corpo, é um roteiro original feito por Ernesto Gastaldi, Ugo Guerra e Luciano Martino. Como os produtores do filme queriam que a obra fosse lançada como um filme americano, os nomes de vários membros da equipe foram “americanizados”. Os roteiristas são creditados na abertura com os respectivos nomes de Julian Berry, Robert Hugo e Martin Hardy. Os produtores italianos Ferdinando Baldi e Elio Scardamaglia aparecem nos créditos com os pseudônimos: Free Baldwin e John Oscar. O resto da equipe não foi poupado dessa estratégia de marketing dos produtores e também ganharam pseudônimos. O assistente de fotografia e colaborador de Bava, Ubaldo Terzano, é creditado como David Hamilton. O editor Renato Cinquini aparece nos créditos com o nome de Rob King e o autor da trilha sonora Carlo Rustichelli como Jim Murphy. Mario Bava não ficou de fora e ganhou seu mais famoso pseudônimo: John M Old. Muitos anos depois o filho de Mario Bava, Lamberto dirigiu alguns filmes utilizando o pseudônimo de John M Old Jr. Com esse pseudônimo Bava dirigiu outros filmes importantes como I Coltelli Dei Vendicatore de 1966. Esse hábito de colocar nomes estrangeiros, de preferência ingleses, nos atores, diretores e técnicos italianos era uma estratégia comum não só de produtores italianos que buscavam uma distribuição melhor para seus filmes que, além disso, eram dublados em inglês. Produtores norte-americanos também optavam por essa troca de nomes temendo a fuga de público que poderia achar que se tratavam de filmes europeus com legendas. Esse hábito persistiu dentro do cinema de horror italiano que ainda se submetia a muitos cortes das rígidas censuras norte-americana e britânica. Somente as produções italianas inseridas no que pode ser denominado de cinema de arte como os filmes de Fellini, Antonioni e Pasolini tinham um maior respeito dos distribuidores e produtores, embora se observe a presença de algumas versões menores e dubladas de muitos filmes de Fellini e Visconti, por exemplo, e até de Pasolini no caso de uma versão dublada em inglês de Saló. A questão da titulação dos filmes também se faz presente nesse contexto de produção/distribuição de filmes. La Frusta E Il Corpo no Canadá recebeu o nome de The Whip And The Flesh, ao contrário de outros países onde a palavra Flesh foi substituída por Body. Nos EUA chegou a ser lançado com vários cortes com o estranho título de What! Escrito com letras vermelhas. No Reino Unido o filme foi lançado com o título de The Night of The Phantom com um total de dez minutos de cortes.

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O elenco de La Frusta E Il Corpo é encabeçado por um casal de atores muito populares na época: Christopher Lee e Daliah Lavi. Lee faz nesse filme sua segunda participação como ator numa produção de Mario Bava. A primeira foi em Ercoli Nel Centro Della Terra aka Hércules no Centro da Terra, 1961, uma aventura com heróis mitológicos e musculosos em que a personagem de Lee é um feiticeiro com poder de controle sobre a mente das pessoas e que domina a magia de ressuscitar os mortos. É muito curiosa uma cena nesse filme de aventuras de Bava em que Lee atuou. No momento em que ele mata uma criada do templo seu rosto aparece refletido em uma poça de sangue. Essa imagem aparece com ênfase na cena final de Profondo Rosso aka Prelúdio Para Matar de Dario Argento feito 14 anos depois. Voltando ao filme La Frusta E Il Corpo, dessa vez vemos Lee no papel do sombrio, porém, sedutor Kurt, que como um filho pródigo retorna para o castelo da família liderada pelo pai, o Conde Menliff. O encontro com a cunhada Nevenka interpretada por Daliah Lavi deixa clara a tensão sexual que existe entre eles e a construção de uma atmosfera de culpa por parte da mulher que vive a dicotomia atração/repulsa pelo irmão de seu marido. É nessa tensão dos corpos que se insere toda a essência do filme criando as perturbadoras imagens que tanto incomodaram os censores da época.

O encontro dos amantes na praia ao lado do castelo nos recorda uma série de temas do romantismo clássico onde as presenças do cavaleiro, do cavalo, da jovem Dama e da paisagem com um castelo ao fundo próximo do mar ajudam a recriar o encontro de muitos amantes que acabam construindo um arquétipo Gótico/Romântico recorrente. O castelo em questão nessa cena aparece graças a um truque na montagem: a imagem do tal castelo foi retirada dos arquivos de imagens da National Geographic e com os recursos da edição ajudou a construir o painel de fundo perfeito para a sequência de paixão sadomasoquista que virá a ser encenada em seguida. Kurt impõe sua força e ao roubar o chicote de Nevenka traz para si a posição de Dominador fazendo com que ela se entregue na posição de Dominada/Escrava. A consumação do prazer, do gozo fica apenas sugerida fora de quadro, pois o que os une é o prazer da dor extraído dentro do modelo Dominador/Escrava, que serve como preliminar do ato sexual. De fortes tintas eróticas a sequência das chibatadas sobre as costas nuas de Nevenka acabou se tornando o maior motivo de discussões entre os censores dos diferentes países em que o filme foi exibido. Afinal se trata de uma produção de 1963.

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Para marcar o início da relação mórbida entre os amantes que trafegam entre os mundos dos vivos e dos mortos, característica importante das narrativas góticas, o roteiro encena de maneira densa e com criação de uma intensa atmosfera, o misterioso assassinato de Kurt em uma noite de tempestade. A inspiração de Bava nessa sequência passada para a recriação dos roteiristas foi do filme de Fritz Lang, The House By The River, 1949. Com maestria Bava consegue compor a cena do homicídio com atmosfera e sutileza muito bem organizadas na engrenagem fílmica onde o som, a fotografia, os enquadramentos estão em plena harmonia para a composição de uma sequência importante para a narrativa do filme. A faca utilizada para efetuar o homicídio aparece na abertura do filme como símbolo da vingança e redenção da personagem de Geórgia, interpretada pela veterana atriz Harriet Medin, que nos créditos aparece com o nome de Harriet White. Ela atuou em importantes produções italianas como: Paisà e La Dolce Vita, embora tenha nascido nos EUA. Geórgia acredita, sob sua ótica obscurantista, que Kurt foi punido por seus pecados por alguma força sobrenatural. A exemplo dos filmes gialli, o roteiro vai insinuar a culpa de vários personagens até o final. Como exemplo desse truque narrativo temos uma cena que mostra o pai de Kurt entrando por uma passagem secreta na lareira, momentos antes de Kurt ser assassinado. Essa imagem da lareira e das passagens secretas remetem ao clássico absoluto de Mario Bava feito em 1960, Black Sunday – A Máscara de Satã.

A encenação do funeral é muito interessante pela sua falta de uma iconografia religiosa específica. As mulheres estão com os rostos cobertos por véus enquanto homens de capuz de veludo vermelho carregam o caixão até a cripta do castelo. Os muitos enquadramentos do rosto de Kurt lembram os da Bruxa Asa de A Máscara de Satã, com sua morbidez estilizada como um retrato de forte poder imagético. Mais uma vez as experiências como retratista exercidas por Bava na juventude servem como um auxiliar na composição do enquadramento de uma face humana. O expressivo rosto de Christopher Lee aliado a maquiagem que realça sua palidez Pós-Morten acaba construindo uma máscara mortuária natural que reforça toda a força do famoso ator britânico que se tornou no início da década de 60 um dos maiores Mitos do Horror Cinematográfico.

Observa-se uma ruptura na trama onde o Belo como categoria estética surge na imagem extremamente estilizada de Nevenka tocando piano. A força desse enquadramento aproxima muito o filme da interface pictórica da pintura com uma sofisticada estilização de luzes, cores e tensões cromáticas onde as tonalidades azuladas se destacam. Esse momento onírico onde o Gênero Feminino é representado sem nenhum traço de abjeção grotesca é quebrado com a primeira aparição do fantasma de Kurt na janela. Também em uma janela surge uma composição imagética singular de um galho de árvore que bate nos vidros como se fosse um chicote sendo movido pelo vento quase onipresente. Essa composição parece evidenciar as forças da natureza relembrando a culpa e o desejo aparentemente ausente de Nevenka.

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O tema gótico por excelência da necrofilia passa a fazer parte da história nas visitas noturnas de Kurt, vindo do mundo dos mortos, ao quarto de Nevenka onde a repetição do modelo sadomasoquista Dominador/Escrava se repete e a representação grotesca desse encontro surge na cena em que um truque ótico faz a mão de Kurt parecer uma gigantesca e esverdeada aranha que simboliza o domínio dele sobre ela, além de uma visão repelente do ato sexual necrófilo. As cores que envolvem o casal em cena, principalmente Kurt, são de grande força de contraste como o azul, o vermelho e o verde. No momento em que o rosto de Kurt se aproxima de Nevenka, Bava utiliza um de seus mais recorrentes maneirismos cromáticos de direção de fotografia, onde o rosto do ator na medida que se move para frente ganha várias tonalidades de cores e sombras numa espécie de movimento que simboliza sua chegada do mundo dos mortos até o mundo dos vivos para consumar sua paixão por Nevenka.

O delírio final de Nevenka em seu derradeiro diálogo com o fantasma de Kurt ocorre após toda uma série de revelações e sequências que enfatizam o horror encenado em corredores e nos mórbidos cenários da cripta do castelo. Essa sequência será repetida em outro contexto no desfecho do giallo Sei Donne Per L’Assassino, dirigido por Mario Bava em 1964 e surge como uma espécie de redenção das personagens. Na galeria de personagens femininas de Mario Bava ela surge como um arquétipo da assassina frígida, que nega sua natureza de escrava dentro de uma relação sadomasoquista que lhe proporciona um prazer que ela nega e reprime. Dentro do contexto de ambientação histórica de uma trama de época, o exercício pleno de sua sexualidade era um direito proibido para o gênero feminino e todo o rompimento dessa estrutura moral era motivo de punição. No caso de Nevenka ela busca sua auto-punição sem envolver os outros membros da família como o marido ausente e o sogro. O grande horror da protagonista é que seu desejo persiste no retorno de Kurt do mundo dos mortos e a interrupção da própria vida, mesmo sendo também um pecado grave, aparece como sua única saída.

La Frusta E Il Corpo foi filmado em sete semanas. A locação na praia próxima de Roma aparece em ouros filmes de Bava como o giallo: Cinque Bambolle Per La Luna D”Agosto, 1970, I Coltelli Dei Vendicatori e Gli Invasori, 1961. Os diálogos entre A Máscara de Satã e La Frusta E Il Corpo são muitos: as passagens secretas entre vários cômodos da casa incluindo a cripta da família originadas na lareira aparecem em ambos os filmes assim como a imagem do patriarca morto sob seu leito. Os filmes de ambientação gótica de época se repetirão apenas em mais uma produção posterior: Operazione Paura aka Kill Baby, Kill. Os filmes seguintes serão variações do horror como gênero em ambientações urbanas, mesmo quando se utilizam locações como as do antigo castelo austríaco de Gli Orrori Dei Castelo di Norimbergo aka Baron Blood, 1972. A marca autoral enfatizada pelo apuro visual e pela construção da atmosfera dos filmes de Mario Bava já era muito reconhecida na época do lançamento de La Frusta E Il Corpo e esse aspecto era tão evidente que alguns críticos, na maioria franceses, descobriram rapidamente que por trás daquela produção com nomes ingleses nos créditos estava um filme de Mario Bava e não de John M Old. Isso que oficialmente o filme só foi lançado na França em 1966 com o título de Le Corps Et Le Fouet. Além da apurada estilização estética de Bava estava onipresente uma crescente representação muito singular do gênero feminino desde seu longa-metragem oficial de estreia A Máscara de Satã. Nevenka surge como a sombria noiva do fantasma. A mulher com o poder de transitar por diferentes mundos e consumar seu desejo interdito.

As imagens dos ossos na abertura da cripta nos remetem a um tema recorrente das naturezas-mortas pintadas por mestres do Barroco como Rembrabdt. Esse aspecto estético de um diálogo entre interfaces se intensifica nas nuances de luz e sombra que circulam os ossos em questão. O fogo redentor aparece mais uma vez como tema-recorrente dentro do horror cinematográfico além de se referir ao fogo inquisitório imposto pela Igreja como punição dos acusados de bruxaria. A atriz Daliah Lavi participou de produções importantes em filmes de gênero na Itália, entre eles: Il Demonio aka The Demon, 1963, de Brunello Rondi e Old Shatterhand, 1964, de Hugo Fregonese.

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Marcelo Carrard

Marcelo Carrard é Jornalista, Pesquisador e Crítico de Cinema e Editor do Blog: Nudo e Selvaggio.

One thought on “Drácula, o Vampiro do Sexo (1963)

  • 21/10/2023 em 22:33
    Permalink

    O filme foi rebatizado para O Chicote e o Corpo quando relançado aqui no Brasil. Graças a Deus, misericórdia que esdrúxulo essa tradução inicial…

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