Força Sinistra (1985)

4.5
(19)

Força Sinistra (1985)

Força Sinistra
Original:Lifeforce
Ano:1985•País:EUA, UK
Direção:Tobe Hooper
Roteiro:Colin Wilson, Dan O'Bannon, Don Jakoby, Michael Armstrong, Olaf Pooley
Produção:Yoram Globus, Menahem Golan
Elenco:Steve Railsback, Mathilda May, Peter Firth, Frank Finlay, Patrick Stewart, Michael Gothard, Nicholas Ball, Aubrey Morris, Nancy Paul, Jerome Willis, Derek Benfield

O cometa Halley traz o apocalipse neste cult movie de Tobe Hooper

ATO 1: A CONCEPÇÃO
Em 1705, o astrônomo Edmund Halley descobriu que um cometa avistado na órbita terrestre com uma regularidade matemática nos últimos séculos iria voltar a ser avistado novamente em 1758. Descobria, assim, que o cometa tinha um ciclo: a cada 76 anos ele passava próximo à órbita terrestre, podendo ser avistado pelos astrônomos e pelas pessoas a olho nu. Isso havia acontecido, com registros, nos anos de 1531, 1607, 1682 e 1758 – infelizmente, esta última passagem foi anos após a morte de seu descobridor. Entretanto, em homenagem à memória do astrônomo, o corpo celeste foi batizado de Cometa Halley. A partir de então, o cometa tem passado religiosamente pela órbita terrestre dentro deste número médio de anos. Mas foi somente mais recentemente é que os pesquisadores puderam usar a tecnologia para saber mais sobre o Halley, como o fato de ter um núcleo de aproximadamente 16x8x8 quilômetros.

A última oportunidade em que ele passou pela órbita da Terra foi o ano de 1986. Na véspera desta data, o mundo entrou em alvoroço. Afinal, ainda existiam os supersticiosos que acreditavam que o cometa era um símbolo de mau agouro. Por outro lado, empresas de todos os gêneros aproveitaram a data única (que só se repetiria em outros 76 anos) para faturar. Quem viveu neste período certamente se lembra da overdose de produtos com a grife “Halley“. Criaram até a Família Halley, uns exploradores espaciais que viviam no cometa, e que viraram desenho animado, revista em quadrinhos e álbum de figurinhas. Havia todo tipo de produto: camisetas, discos, pôsteres, lunetas especiais e outras porcarias, porque qualquer tralha com a grife Halley vendia.

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Quando chegou o momento de ver o cometa, entretanto, foi aquela decepção: ele passou muito distante, talvez assustado (ou envergonhado) com tanta atenção, e mal pôde ser visto. Transformou-se, assim, num dos fiascos dos anos 80. Lembro, inclusive, que foi uma das decepções da minha infância, pois meus pais falavam tanto no Cometa Halley que eu criei uma expectativa enorme – como a maior parte da humanidade -, sem, entretanto, ver nada ao chegar a hora H. E agora ele só volta a passar perto da Terra no longínquo ano de 2061, quando o Boca do Inferno certamente ainda estará por aqui, mas o Felipe e muitos de nós, talvez, não… (toc, toc, toc – batidas na madeira).

Além de toda a tralha que eu escrevi acima, teve um outro “produto” que pegou carona no fenômeno Halley para tentar faturar. Este produto foi o filme Lifeforce (“Força Vital”), batizado no Brasil como Força Sinistra (o que há de sinistro na força da vida???), e que foi realizado em 1985, um ano antes da passagem do cometa, numa sensacionalista jogada de marketing. Acontece que a trama do filme mostra vampiros espaciais cuja nave está “escondida” no Halley. O roteiro foi baseado em um livro chamado Vampiros do Espaço (Space Vampires), de Colin Wilson, lançado em 1976.

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O resultado é esquisito: claro que visto hoje, 20 anos depois, Força Sinistra parece um tanto datado, não em seus efeitos, mas na temática (até porque o Halley não passou tãooo perto da Terra quanto o filme representa). E desde a sua estreia a obra divide opiniões, colecionando críticos e fãs. Eu mesmo tenho sentimentos antagônicos pelo filme: já amei e já odiei, achando uma porcaria quando revi em algumas oportunidades e adorando em outras. No fim, é uma espécie de “guilty pleasure“, até porque eu o vi na infância e ele sempre me traz boas recordações. Não, eu não tive a chance de vê-lo nos cinemas, em 85, mas sim por volta de 1988, no auge das fitas piratas, quando circularam algumas cópias nas locadoras brasileiras com o título Vampiros do Espaço. Ironicamente, o filme jamais foi lançado em vídeo “oficial” no Brasil, saindo apenas em DVD há alguns anos.

Entre os detratores da obra está o autor do livro que inspirou o roteiro, Colin Wilson. Perguntado em certa ocasião sobre o filme, Wilson não perdoou: “Para mim, é o pior filme de todos os tempos“. Outros que não gostaram muito do resultado foram os produtores Yoram Globus e Menahem Golan, os cabeças por trás da produtora classe B Cannon Pictures. Força Sinistra foi o filme mais caro que eles produziram, e o resultado foi um fracasso de bilheteria que ajudou a quebrar de vez a produtora, fazendo-a desaparecer do mapa alguns anos depois, certamente ainda com muitas contas para pagar. Imagine que eles estavam acostumados a produzir aventuras de Chuck Norris e Charles Bronson a uma mixaria e, de repente, enlouqueceram e resolveram torrar 25 milhões de dólares em Força Sinistra – uma fortuna para os seus padrões, e mesmo para os padrões das aventuras da época. Para o leitor ter uma ideia do orçamento-padrão de Golan & Globus, American Ninja, aventura de Michael Dudikoff produzida no mesmo ano (1985), também pela Cannon, custou “apenas” um milhão de dólares!

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Acontece que a Cannon tinha os direitos de filmagem do livro Vampiros do Espaço há anos. No começo da década de 80, chegaram a contratar o cineasta italiano Luigi Cozzi (diretor de Star Crash e Alien Contamination) para fazer uma versão barata do livro. Cozzi até escreveu um primeiro tratamento do roteiro, mas os produtores preferiram contratá-lo para dirigir uma outra aventura, o épico Hércules, que quase foi esculhambado por Bruno Mattei e Claudio Fragasso. Isso deixou a adaptação do livro de Colin Wilson no limbo. Alguns anos depois, Golan & Globus perceberam que o Halley estava se aproximando e resolveram mudar “um pouco” a história do livro para incluir o Cometa Halley na trama. Acontece que a história de Colin Wilson se passa no ano de 2080 e não tem NADA a ver com o Halley. O dito cujo só entrou na história para não perder o embalo e a oportunidade de assustar o público com a proximidade da passagem do cometa pela órbita terrestre.

Golan & Globus também resolveram contratar o maior time de especialistas do cinema fantástico daquela época, ao invés de trabalhar com sua equipezinha barata e costumeira. O que eles queriam era um novo clássico do gênero, como foi Alien, o Oitavo Passageiro, de Ridley Scott, em 1979. Chegaram a anunciar que o filme seria estrelado por John Gielgud, Klaus Kinski e Olivia Hussey, mas o trio pulou fora. A primeira escolha para a direção era Michael Winner (Desejo de Matar), mas ele também tinha seus compromissos. Os produtores então contrataram o diretor Tobe Hooper para fazer não este, mas outros dois filmes – uma cláusula no contrato obrigava o cineasta a fazer também a sequência de seu clássico O Massacre da Serra Elétrica. Hooper, àquela altura, era um nome “quente” em Hollywood, apadrinhado por Steven Spielberg, com quem trabalhou em Poltergeist, o Fenômeno.

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A Cannon também caprichou nos bastidores: chamaram Dan O’Bannon, o bem-sucedido roteirista de Alien, para reescrever o roteiro de Luigi Cozzi, contrataram Henry Mancini para orquestrar a trilha sonora e o especialista John Dykstra para fazer milagrosos efeitos especiais (sempre é bom lembrar que Dykstra ganhou o Oscar pelos efeitos de Star Wars, em 77). Ou seja, a Cannon contava, simplesmente, com o filé mignon da época! Tanto que durante muitos anos os efeitos especiais de Força Sinistra figuraram entre o que de melhor e mais moderno já havia sido feito na história do cinema, isso antes da computação gráfica tomar conta. Como co-autor do roteiro entrou ainda Don Jakoby, camarada de O’Bannon, que, entre seus créditos mais famosos, está o roteiro de Desejo de Matar 3 – envergonhado, Jackoby assinou com o pseudônimo Michael Edmonds.

Todas as peças estavam no lugar e era só começar o jogo, ou melhor, a filmagem. Com uma equipe tão talentosa, certamente um sucesso do cinema estava para nascer, um novo clássico do gênero iria surgir… Ou não???

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ATO 2: O FRACASSO
Agora imagine a ducha de água fria que os pobres produtores levaram quando o tão badalado Força Sinistra finalmente estreou nos Estados Unidos, em junho de 1985, em mais de 1.500 salas, e… NINGUÉM foi aos cinemas assistir! Pois se o cometa Halley era um símbolo de mau agouro, certamente se mostrou um investimento azarado, pelo menos para Golan & Globus, que acabaram sendo os que menos lucraram com a grife Halley. No fim, quando o filme foi retirado de cartaz, nem ao menos tinha se pagado: a bilheteria total foi de míseros US$ 11.701.000! Um dos maiores fiascos da época!!!

Logo, Força Sinistra ganhou fama de maldito. Alguns não foram afetados (Dykstra, por exemplo, foi elogiado pelos seus excelentes efeitos visuais, e o roteirista O’Bannon foi dirigir A Volta dos Mortos-Vivos). Mas a maioria sentiu o baque do fracasso. A Cannon faliu depois de tentar correr atrás do tempo perdido, liberando pouquíssimo dinheiro para os outros dois filmes que tinham combinado com Hooper – e que foram, na ordem, Invasores de Marte (fracassado remake de um filme B dos anos 50) e O Massacre da Serra Elétrica 2. Ambos também foram mal na bilheteria. A produtora quebrou algum tempo depois. Tobe Hooper também viu sua influência em Hollywood simplesmente desaparecer da noite para o dia. Tanto que Força Sinistra foi sua última superprodução: ele nunca mais trabalhou com um orçamento tão grande e nem com uma produção tão caprichada, perdendo-se em filmes baratos direto para o mercado de vídeo.

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No meio do pega-pra-capar, Hooper tentou tirar o dele da estaca. Disse que a culpa toda foi da Cannon, que interferiu na edição do filme, renegando a versão de 101 minutos exibida nos cinemas, na TV e lançada em vídeo nos Estados Unidos. Acontece que os produtores fizeram algumas mudanças ao seu bel prazer, inclusive substituindo totalmente a trilha sonora e os créditos de abertura. A versão européia, com 116 minutos, estaria mais próxima do trabalho original do diretor, mas ele não cansou e chegou a lançar, posteriormente, uma “director’s cut” em laser disc, com 125 minutos de duração, porém sem melhores resultados. No Brasil, a versão lançada em DVD é a de 116 minutos, enquanto a TV (aberta e por assinatura) continua exibindo a versão altamente cortada de 101 minutos.

Força Sinistra se passa no ano de 1986. A Churchill é uma espaçonave que conduz uma equipe de cientistas americanos e ingleses para uma missão nas proximidades do Cometa Halley. Ali, eles fazem uma incrível descoberta: existe uma enorme estrutura escondida no núcleo do cometa. Um dos americanos da expedição, o coronel Tom Carlsen (Steve Railsback, presença habitual em filmes classe B), resolve levar alguns dos seus homens para explorar a espaçonave, acreditando que não terá outra chance – pois o cometa só volta 76 anos depois, quando todos eles estarão mortos.

Dentro da imensa nave, os astronautas encontram não só enormes criaturas semelhantes a morcegos (que estão mortas e ressecadas), mas também misteriosos sarcófagos de cristal contendo os corpos inertes de três seres humanos: uma bela mulher e dois rapazes. Fascinados com a descoberta, os pesquisadores levam os três sarcófagos a bordo da nave, assim como um dos cadáveres ressecados das criaturas-morcego. Algum tempo depois, a Churchill corta o contato com a Terra.

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Preocupada com a falta de comunicação, as agências espaciais americana e inglesa enviam uma segunda missão, a nave Columbia, para descobrir o que aconteceu a bordo da Churchill. Quando os astronautas entram na nave-fantasma, descobrem que ela foi destruída por um incêndio e todos os seus tripulantes morreram. Somente os três sarcófagos estão intactos no compartimento de carga, sendo finalmente levados até a Terra.

Na sede do Centro de Pesquisas Espaciais em Londres, especialistas discutem o que fazer, numa cena existente apenas na versão mais longa, de 116 minutos. Esta cena apresenta alguns dos personagens que só voltam a dar as caras depois, porém sem a devida apresentação. É o caso do dr. Bukovsky (Michael Gothard, que se enforcou alguns anos depois) e do cientista dr. Hans Fallada (Frank Finlay, que depois trabalhou na tralha espanhola Mansão Macabra,  de J.P. Símon, antes de voltar aos bons filmes como O Pianista, de Roman Polanski). Da mesma reunião participa o primeiro-ministro inglês (James Forbes-Robertson), que na versão de 101 minutos só dá as caras no final. Todos comentam a maravilha da descoberta e a necessidade de fazer uma necropsia nos cadáveres para determinar se são, ou não, humanos.

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Mas algo assustador está para acontecer no laboratório onde os corpos estão aguardando pelas pesquisas. Um dos guardas de segurança é atraído até o corpo rígido da garota, que é interpretada pela bela atriz francesa Mathilda May. Quando ele se aproxima e está prestes a tocar no corpo nu, a moça abre os olhos e se levanta na mesa de cirurgia, apavorando o guarda. Porém, é tarde demais: ele já está fascinado/hipnotizado pela garota alienígena, que faz com que ele se aproxime e a abrace. Então, no que inicialmente parece um beijo apaixonado, a moça revela sua verdadeira natureza: ela é uma vampira, mas não de sangue, e sim da força vital, ou seja, a energia que compõe a vida humana – a alma, por assim dizer. Após sugar toda a força vital do guarda, o corpo da vítima fica seco, como se fosse uma múmia, enquanto a vampira, fortalecida, sai caminhando, completamente pelada, pelos corredores do instituto.

Bukovsky acompanha tudo pelas câmeras de segurança e tenta intervir, mas também acaba sendo “atacado” pela vampira, tendo parte de sua energia vital sugada – neste caso, a alienígena não precisou matá-lo porque já tinha se saciado com a energia roubada do guarda anteriormente. Ela então abandona o instituto, desacordando mais alguns vigias que encontra pelo caminho. Com o desaparecimento da criatura e a possibilidade de ela matar novamente, entra em cena o coronel Colin Caine, do serviço secreto inglês (interpretado pelo inglês Peter Firth, que em 1977 foi considerado um dos atores mais promissores da Inglaterra, mas desde Força Sinistra não fez nada de muito destaque). Caine surge com a missão de encontrar e destruir a vampira, sem imaginar que ela está atacando e gerando novos vampiros. Enquanto isso, voltam à vida também os dois rapazes-vampiros resgatados pela Churchill da nave alienígena, que são explodidos por soldados com granadas.

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A grande surpresa de Força Sinistra quando se vê o filme pela primeira vez (numa reviravolta que NÃO existe no livro, e talvez tenha ajudado a enfurecer o autor Colin Wilson) é o momento seguinte, quando o corpo ressecado do vigia atacado pela vampira vai para a mesa passar para ser dissecado. É encostar o bisturi no cadáver para ele voltar à vida, numa cena com ótimos efeitos especiais, pré-computação gráfica. Como a vampira havia feito antes, o vigia “morto” atrai o legista e lhe suga toda a energia vital. Neste processo, seu corpo ressecado se recompõe, enquanto o legista “seca“, exatamente como havia acontecido antes. Este é o momento emblemático do filme, e uma “amostra” do poder dos efeitos especiais, que eram o carro-chefe da produção naquela época. Levou uma semana para filmar esta única cena.

O dr. Fallada então surge com a teoria de que as pessoas atacadas pela vampira se transformam em novos vampiros de energia vital, precisando sugá-la num período de duas horas – caso contrário, morrem definitivamente. E a garota continua desaparecida, provavelmente fazendo novas vítimas – e novos vampiros. Então entra em cena o coronel Tom Carlsen, aquele que supostamente morreu no incêndio na Churchill. Ele conta a Fallada, Caine e Bukovsky que conseguiu ejetar-se numa cápsula de emergência, quando toda a tripulação começou a ser morta. Porém, desde as mortes de seus companheiros, ficou ligado, telepaticamente, à vampira, que o visita toda noite em seus pesadelos, sugando uma parte da sua energia vital (algo que parece esquisito, mas também está no livro que originou o filme).

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Graças a esse elo mental, Fallada e Caine conseguem descobrir onde a vampira está. Eles hipnotizam Carlsen, que passa a ver através dos olhos da garota espacial. Ela abandonou seu corpo e possuiu uma enfermeira, em uma vila distante de Londres. O trio então parte para procurá-la e impedi-la de fazer novas vítimas, com a ajuda de Sir Percy Heseltine, da Scotland Yard (interpretado por Aubrey Morris, visto em Bordel de Sangue). O filme ainda reserva uma surpresa: Patrick Stewart, o capitão Pickard de Star Trek: A Nova Geração, num de seus primeiros papéis no cinema, como o dr. Armstrong, o dono do manicômio onde trabalha a enfermeira possuída pela vampira. Stewart protagoniza uma cena polêmica, quando é beijado na boca por Railsback. A cena do “selinho” foi cortada na versão de 101 minutos (onde fica apenas implícita), mas está intacta na de 116 minutos.

O mais curioso de Força Sinistra é a total mistura de gêneros, mostrando que Dan O’Bannon e seu colega Jakoby estavam em seus dias mais amalucados quando escreveram o roteiro. O filme começa como uma trama de ficção científica, com a descoberta da nave alienígena e o resgate dos alienígenas; depois, se transforma numa variação das clássicas histórias de vampiros, com os ditos cujos sugando força vital ao invés de sangue; vai se complicando e se transforma numa espécie de “Invasores de Corpos“, com os vampiros possuindo os humanos para se esconder de seus perseguidores, e termina de maneira apocalíptica, lembrando os filmes de zumbis de George A. Romero, quando Londres é sitiada depois que os zumbis-vampiros (as vítimas dos alienígenas, que ficam ressecados após o roubo da força vital) tomam conta da cidade, fazendo milhares de vítimas. Neste momento, a energia vital sugada dos humanos percorre a cidade em raios, sendo canalizada até a enorme espaçonave alienígena, que atua como uma gigantesca antena… de almas humanas!

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Eu gosto muito desta parte final de Força Sinistra, a parte apocalíptica, que NÃO está no livro de Colin Wilson – por isso este é um dos raros casos em que prefiro o filme ao livro. As cenas em que Carlsen e Caine são perseguidos pelos zumbis-vampiros nas ruas destruídas de Londres já valem uma olhada no filme. Infelizmente, se ganha em ação e horror, o filme fica completamente confuso a partir da metade, com toda a parte da “possessão de corpos“, e termina de uma maneira um tanto inexplicável, sem que o espectador saiba o que aconteceu. Ou seja, o filme simplesmente termina, sem qualquer tentativa de elucidar as coisas. Esta última cena se passa numa catedral arruinada, repleta de corpos espalhados pela escadaria e no seu interior, enquanto zumbis correm alucinados pelas ruas em chamas da metrópole, numa cena que poderia muito bem estar num filme de George Romero.

ATO FINAL: “O QUE DEU ERRADO?”
Força Sinistra tem, sim, vários problemas, e o principal é que as mudanças feitas por O’Bannon e Jakoby na trama original de Colin Wilson não casam completamente com a história original. Por exemplo: no livro, os vampiros não chegam a matar suas vítimas, sugando apenas o pouco de energia vital que eles precisam – a ideia é não destruir o “doador” da força vital, para que a polícia não os persiga. No filme, a vampira faz a mesma coisa quando está possuindo o corpo da enfermeira, atacando um homem para sugar apenas uma parte da sua energia. Mesmo assim, no final, aparecem centenas de vampiros com o corpo já seco desfilando por Londres, mas o filme jamais explica como a disseminação da praga iniciou, se todos os corpos ressecados atacados pela vampira haviam sido encontrados. Talvez tenha sido obra dos dois outros vampiros, mas isso fica implícito.

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Outro detalhe que jamais fica claro é a relação de Carlsen com a vampira. O roteiro não esclarece, por exemplo, porque a moça está tão ligada ao astronauta, e não a qualquer outro humano. E nem explica porque Carlsen ganha o poder de “ler a mente” das pessoas que foram atacadas pela vampira, podendo saber se alguém está possuído por ela apenas tocando em seu corpo. Para complicar ainda mais a cabeça do espectador, em algumas cenas o próprio Carlsen aparece drenando energia da vampira – isso não é explicado no filme, mas no livro sim, pois descobrimos que Carlsen aprende a sugar a força vital das pessoas como se fosse, ele mesmo, um vampiro.

Por fim, soa um tanto forçado o fato de Londres ser devastada e conquistada pelos zumbis-vampiros em algumas poucas horas, enquanto Caine, Carlsen e Sir Percy viajam até o interior da Inglaterra para investigar o paradeiro da vampira no manicômio. Imaginar que uma metrópole como Londres possa se transformar numa terra-de-ninguém em cerca de seis horas e forçar demais a imaginação, até porque jamais é mostrada a intervenção do Exército, mas no momento em que os heróis retornam para a cidade, ela já está sitiada e cercada por tropas armadas, em quarentena. No livro, não existe esta parte apocalíptica no final, mas os heróis ficam pelo menos três dias no sanatório, detalhe que os roteiristas do filme deveriam ter observado para que os vampiros espaciais tivessem tempo de conquistar Londres.

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Mas o maior problema do filme é o elenco fraco. Apesar de contar com ótimos atores, o que se vê na tela são interpretações burocráticas e exageradas. O pobre Railsback é o mais cômico: passa o filme inteiro com os olhos arregalados, gritando ou agarrando e sacudindo os outros. Peter Firth, como o herói, até é um cara simpático, mas sua interpretação é simplesmente pavorosa – o coitado não muda de expressão facial durante todo o tempo de projeção, ostentando a mesma cara quando está contente e quando encara os vampiros espaciais. Já Frank Finlay, como o dr. Fallada, está desperdiçado, pois no livro o personagem tem um papel crucial, enquanto no filme aparece muito pouco, mas sempre com um riso irônico no rosto, praticamente roubando a cena. Patrick Stewart também aparece pouco e não faz nada de muito importante; sua participação seria esquecível, não fosse o beijo que leva de Railsback. Por sinal, Stewart costuma brincar muito com este “momento-ternura“, dizendo em entrevistas que aquele foi seu primeiro beijo no cinema! Analisando prós e contras, a melhor em cena ainda é Mathilda May, que passa uma surpreendente imagem de naturalidade enquanto desfila pelada pelos cenários. E a atriz tem um corpo tão perfeito que parece alienígena mesmo!

Já o trabalho de Tobe Hooper na direção pode ser considerado simplesmente caótico – uma espécie de treino para o alucinado e ainda mais caótico O Massacre da Serra Elétrica 2, que ele faria no ano seguinte. Nunca fica claro se Hooper quer fazer uma aventura de ficção científica (como sugere o trailer de Força Sinistra, que anuncia a produção como “a maior aventura dos últimos tempos“), ou um filme de horror sangrento. Em alguns momentos, Hooper parece querer lembrar dos seus bons tempos no cinema independente de horror, como na cena em que jorros de sangue saem dos olhos e da boca de duas das vítimas da vampira para formar uma réplica, em sangue, da criatura – a cena é gratuita e não serve para nada além de um susto rápido, mas é realmente bem feita. Entretanto, na maior parte do tempo, o diretor parece mesmo querer fazer uma aventura “censura livre“, especialmente nos momentos finais, com os zumbis atacando os londrinos, onde ele economiza totalmente na violência – e a única cena mais forte, de um zumbi tendo seu braço arrancado, ganha tons cômicos. Por falar em cômico, Força Sinistra ainda inclui alguns momentos bem irônicos, como quando Carlsen e Caine vão visitar o primeiro-ministro inglês para contar-lhe sobre a situação e descobrem que ele também virou vampiro, sugando a energia da sua secretária – uma reminiscência do livro, onde o primeiro-ministro é o grande vilão!

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O que não se pode é acusar o filme de ser chato. Não, senhor: Força Sinistra é uma verdadeira aula de ritmo cinematográfico. Já no início, uma sucessão de coisas importantes/assustadoras se sucedem praticamente uma após a outra: a Churchill encontra a nave alienígena, explora seu interior, recolhe os aliens, desaparece, uma nova nave é enviada para resgatá-la, encontra todos os tripulantes mortos, traz os aliens para a Terra, um deles acorda, mata um guarda sugando sua energia e abre caminho para a fuga do instituto enquanto sua vítima se transforma em um novo vampiro e ataca o legista. Ufa! Tudo isso nos primeiros 20 minutos!!! E ainda tem mais 1h30min pela frente!!!

É interessante conhecer as duas versões de Força Sinistra para detectar algumas situações interessantes. Na versão mais curta, lançada nos Estados Unidos, por exemplo, toda a sequência de abertura foi mudada. Uma narração explicando a missão da nave Churchill no Cometa Halley é substituída por impessoais letreiros na tela, e os créditos iniciais se desenrolam já sobre as cenas dos astronautas entrando na nave alienígena. Além disso, a trilha sonora original de Henry Mancini foi substituída, em cima da hora, pela música de Michael Kamen (os produtores não acharam a trilha original apropriada para o clima “aventuresco” que pretendiam dar ao filme). Na versão mais longa, além da música completa de Mancini, os créditos iniciais (com os nomes dos atores) se desenrolam sobre imagens estáticas do espaço.

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A versão americana também excluiu vários pequenos diálogos onde os personagens discutem a possibilidade dos alienígenas serem vampiros e terem visitado a Terra anteriormente, gerando as lendas sobre vampirismo. Acontece que o título do filme, originalmente, seria Vampiros do Espaço, como o livro. Mas o autor não gostou de tantas mudanças na sua história e pediu que os produtores mudassem o nome. Rebatizado Força Sinistra, o filme teve limadas as citações ao vampirismo, para não confundir a cabeça do espectador. E há também um interessante diálogo limado do final: na versão americana, quando Caine encontra um dos vampiros espaciais, ele simplesmente enfia uma espada no seu coração, matando-o; na versão extendida, o vampiro olha para Caine e diz, com uma voz espectral: “Será muito mais fácil se você simplesmente se entregar a mim.” E Caine responde: “É isso que eu farei“, dando então a espadada no vilão. Mas muitas outras cenas curtas acabaram sendo cortadas. O ator Nicholas Ball, que interpreta o astronauta inglês Derebridge, chegou a queixar-se em entrevistas, na época, que a maior parte das cenas que filmou acabaram no chão da sala de edição. Ainda na versão americana, diversos atores ingleses foram dublados por americanos, porque o público ianque é muito chato e acha incompreensível o sotaque inglês!

No mais, se Força Sinistra tem seus problemas, por outro lado é diversão garantida. Pode ser considerado um filme B com orçamento classe A, como Waterworld. Talvez o resultado fosse ainda mais eficiente se os produtores tivessem colocado pouca grana no desenvolvimento do projeto. É que mesmo com imagens como Londres em chamas e prédios sendo explodidos por raios azulados, o espectador não consegue tirar da cabeça aquela imagem de que está vendo um filme barato e bagaceiro, principalmente pelos toques sensacionalistas do roteiro (ataques de zumbis, vampira pelada, a exploração do Cometa Halley). Inclusive alguns malucos pela Internet elegeram o filme como “o Casablanca das produções com vampiras peladas e fim do mundo“!!! Talvez seja ainda mais difícil gostar do filme para quem o assiste hoje, mas com certeza Força Sinistra é o cult movie de toda uma geração.

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Pena que nem Tobe Hooper, nem Colin Wilson, estarão vivos em 2060, na véspera do retorno do Cometa Halley à órbita terrestre, quando possivelmente um remake de Força Sinistra estreará nos cinemas de todo o mundo. Será que vai ser melhor que o original, ou mais fiel ao livro de Wilson? E será que dessa vez vamos conseguir enxergar o Halley? Quem viver, verá…

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Felipe M. Guerra

Jornalista por profissão e Cineasta por paixão. Diretor da saga "Entrei em Pânico...", entre muitos outros. Escreve para o Blog Filmes para Doidos!

30 thoughts on “Força Sinistra (1985)

  • 03/03/2023 em 22:05
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    eu também vi e revejo varias vezes ..analisando agora é muito sem pé nem cabeça o final.
    como já comentaram realmente a atuação da atriz é a melhor..ainda mas pela coragem na época de filmar nua.lembrando que as cenas de nudes na época eu via como sensual e as cenas de beijo românticas …e não via como cenas de sexo até porque não tinha..mas pra falar a verdade gostei do filme .naquela época eles tentavam criar um roteiro bom.não é igual hoje em dia que esquecem da historia e só querem colocar excesso de computação gráfica..

    os filmes de hoje em dia são como uma casca de ovo bem bonita fora e por dentro não tem nada.

    Resposta
  • 29/12/2022 em 04:14
    Permalink

    Assisti ao filme mais de uma vez; é uma joia do cinema fantástico dos anos 80. Ainda não li o livro – que interessa há vários anos, mas depois de ler essa ótima resenha/comparação detalhada – a ‘reviravolta/revelação’ do final é digna dos piores roteiro de Spectromana e congêneres, cômica de tão ruim! – acho que o livro vai lá para o final da minha lista de leitura…

    Resposta
  • 29/12/2022 em 02:29
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    Obrigada pelo texto.
    Gosto do filme, mas ficava com receio de ler o livro. Com esse final de policial alien acho que economizei meu tempo.
    No caso do final do filme também queria entender essa do Calrsen ser um deles.

    Resposta
  • 22/09/2021 em 18:02
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    Não o revia desde 2009! Não é tão bom qto eu lembrava, mas ainda sim valeu a pena rever!

    Vi na Globo ou qdo estreou ou em alguma reprise (creio que no Domingo Maior, em 1990)

    Resposta
    • 10/11/2021 em 21:26
      Permalink

      Assisti em setembro de 1988, em sua primeira exibição, na Globo. Virei fã na hora, mas o final realmente é uma embrulhada sem tamanho.

      Resposta

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