Laranja Mecânica (1971)

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Laranja Mecânica (1971) (1)

Laranja Mecânica
Original:A Clockwork Orange
Ano:1971•País:UK, EUA
Direção:Stanley Kubrick
Roteiro:Stanley Kubrick, Anthony Burgess
Produção:Stanley Kubrick
Elenco:Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates, Warren Clarke, John Clive, Adrienne Corri, Carl Duering, Paul Farrell, Clive Francis, Aubrey Morris

Grupos de jovens delinquentes que roubam, brigam, estupram… e, depois de apanhados e reabilitados, sofrem violência da mesma sociedade que os reabilitou! Estamos falando da década de 50? Da geração Punk? Da geração do Rap ou do Funk carioca? Do ano de 2050? De todas as gerações? Estamos falando do filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), clássico do polêmico diretor Stanley Kubrick.

O escritor britânico Anthony Burgess escreveu o livro Laranja Mecânica no começo da década de 60 como uma referência a um hipotético futuro cheio de violência, tanto por parte dos criminosos (representados pelas gangues juvenis) quanto da sociedade. O personagem principal é o jovem Alex, líder de um bando de delinquentes que agride um pobre mendigo, briga com outro grupo, invade uma casa afastada e, além de roubá-la, agride violentamente seu dono, um escritor, e estupra sua esposa – uma costumeira noite de ação deste bando. O detalhe interessante é que Alex gosta de ser um delinquente – ele não precisa do crime para viver, morando num lar confortável junto de seus pais. Ele, inclusive, gosta apaixonadamente de música, em particular a do compositor Ludwig van Beethoven.

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Quando seu bando resolve mudar de caminhos (procurando uma maior organização para vender os produtos dos roubos e furtos), Alex sente que sua liderança está ameaçada (ele quer que tudo continue como está, ou seja, diversão sem responsabilidade), reconquistando-a através da violência – ele ataca seu bando e retoma sua liderança, ou acredita nisto. Seguindo o plano do grupo antes de seu ataque ao mesmo, Alex invade uma casa para assaltá-la, mata a moradora e é traído pelo bando (uma garrafa é quebrada na sua cabeça na saída da casa). Alex é preso, agredido na delegacia e, depois, condenado a 14 anos de prisão por homicídio. A organização rigorosa da cadeia (seu número de identificação é 6655321 e ele tem de decorá-lo) não muda o jovem Alex, que continua desejando violência intimamente, apesar de ajudar o trabalho religioso da penitenciária.

Alex consegue entrar num tratamento médico revolucionário para combater a criminalidade e conquistar rapidamente sua liberdade. O tratamento consiste em injetar uma droga no paciente para que ele sinta-se mal perante situações de violência e sexo – imagens violentas e sexuais são mostradas a Alex, que tem seu corpo preso, além de ser colocado garras nos seus olhos, para que estes mantenham-se abertos e ele tenha de assistir aos filmes. O tratamento dá resultado: Alex começa a se sentir mal perante as cenas de violência e sexo, inclusive quando escuta sua música predileta, a Nona Sinfonia de Beethoven. “Curado”, Alex é libertado, dando início a uma nova fase de horror na sua vida.

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Seus pais o rejeitam, preferindo ficar com o rapaz que alugou seu quarto. O mendigo agredido o reconhece e, junto com outros mendigos, o agridem violentamente. Dois guardas interrompem o espancamento e, para desespero de Alex, estes eram de seu ex-bando, que o levam para uma área deserta e o espancam. Todas as suas tentativas de reação foram anuladas pelo tratamento que sofreu, pois ele fica indefeso perante situações de violência.

Machucado, perdido e na chuva, Alex vai até uma casa pedir ajuda, a mesma casa do escritor que ele espancou (tendo ficado aleijado por causa da agressão) e da mulher que estuprou – descobrindo que, por causa do estupro, a mesma morreu de desgosto. Logo reconhecido pelo escritor, ele é dopado e trancado num quarto ao som da Nona Sinfonia de Beethoven. Alex, sentindo-se muito mal, tenta o suicídio pulando da janela. Mas ele sobrevive.

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O “fracasso” da sua “cura” ameaça o governo eleitoralmente. Assim, Alex recebe um tratamento de primeira no hospital, sendo retirado do seu cérebro aquilo que restringia seus atos – e ele volta a ter prazer com violência e sexo. Alex receberia um emprego com ótimo salário, desde que colaborasse com o governo – o que ele faz com prazer. O livro termina com Alex em dúvida sobre seus desejos de violência e liberdade, após encontrar seu ex-colega de bando casado e responsável. A idade chegou para Alex, assim como a necessidade de responsabilidade.

O polêmico livro de Burgess já tinha recebido várias propostas para tornar-se filme, inclusive do empresário dos Rolling Stones, Andrew Loog Oldham – mas a censura inglesa nem cogitou a ideia de que fosse possível fazer este filme com os “filhos mais sujos da Inglaterra” dos anos 60. Mas a ideia de bando de delinquentes foi adotada pelos Stones – e por Oldham, como podemos perceber num texto da jaqueta do álbum The Rolling Stones, Now!:

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“É uma noite de verão e toda Londres dorme, a não ser doze olhos arregalados de seis esfarrapados que vagueiam pela rua…
Aqui está o novo disco dos Stones. Revire os bolsos para comprar este disco atraente e de mensagens interessantes. Se você não tem grana, procure um homem cego – dê um soco na cabeça dele, roube a maleta dele, abaixe-se e guarde o dinheiro na bota. Muito bem. Outro disco vendido!”

As autoridades inglesas exigiram que este texto fosse retirado – muitos jovens estavam espancando cegos para roubar-lhes o dinheiro.

Assim, o livro de Burgess foi sendo deixado de lado para o cinema até cair nas mãos de Stanley Kubrick no começo dos anos 70. O diretor estava na sua melhor fase, tendo feito o clássico da ficção científica 2001: uma Odisséia no Espaço (2001: a Space Odissey, 1968), enorme sucesso de crítica e público. Com todo este sucesso, as portas para Kubrick transformar a obra de Burgess em filme foram abertas.

O filme caracteriza-se por apresentar imagens belíssimas, mesmo em cenas violentas (a montagem aproveitou-se magnificamente das músicas de Beethoven, Edward Elgar e Gioacchino Rossini, quase que transformando a violência em danças coreografadas – sem contar com o uso criativo do sintetizador pelo músico Walter Carlos, que, com o sucesso da trilha sonora do filme, pagaria sua operação de mudança de sexo e, depois, seria conhecido, aliás, conhecida como Wendy Carlos), além de uma interpretação magistral de Malcolm McDowell como o jovem Alex – papel, aliás, que marcaria McDowell para sempre.

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O filme discute, essencialmente, a liberdade de escolha do indivíduo e, logicamente, a repressão social. Não existem mocinhos e bandidos no filme: Alex é intencionalmente mal e a sociedade é estruturalmente mal. Nem a questão da idade, assunto que fecha o livro de Burgess, como vimos, é tratada no filme (nota: o termo clockwork orange foi extraído de uma gíria cockney, grupo de jovens perigosos e pobres de Londres, significando uma pessoa desajustada, agressiva e desequilibrada, que agride por prazer e sem razões ideológicas ou políticas – a gíria e o estilo de falar cockney seriam utilizados por vários grupos de rock que surgiram no período, como os Kinks e o Small Faces, e muitos críticos veriam o filme com antecipação do Glitter Rock (David Bowie usou elementos da imagem de Alex para compor o seu personagem Ziggy Stardust) e do Punk do final dos anos 70).

Assim, o filme não apresenta uma linha de argumentação: cada um pode tirar suas próprias conclusões. Mas a violência em excesso e o sexo do filme chocaram o público e a crítica, que dividiu-se em chamar o filme de Kubrick de obra-prima ou de oportunista.

Burgess, no final da sua vida, lamentaria ter escrito Laranja Mecânica, pois a obra teria estimulado a criação de bandos de delinquentes tão comum no final dos anos 70 em diante. O autor estava errado: as gangues existiram, com ou sem o livro. Mas a temática principal de seu livro e do filme, o livre-arbítrio, sempre será um tema relevante para a humanidade.

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Orivaldo Leme Biagi

É mestre e doutor em História pela UNICAMP e pós-doutor em Relações Públicas pela USP. Atualmente é professor e Coordenador do curso de Direito da FAAT.

7 thoughts on “Laranja Mecânica (1971)

  • 20/11/2015 em 23:54
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    Foi com esse texto que virei fã de Laranja Mecânica.

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    • 29/04/2023 em 02:09
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      Eu assisti o filme agora depois de ler ouvir elogios e coisas do tipo eu não achei nem de longe o filme genial como dizem pra ser sincero não gostei tem uma levada de humor negro que eu detestei esse livro deve ser uma porcaria já assisti o iluminado nascido para matar 2001 entre outros spartakus lolita do kubrik mas esse eu detestei se e no futuro não tem nem câmeras de segurança que filme idiota pelo amor de deus os ricos do filme atendem a porta na maior falta de cuidado para esse filme mexe com o senso de realidade pra levar a sério e preciso estar drogado me ajuda aí fica um monte de gente falando no filme e essa porcaria melhor ver um filme trash mas com coerência em que a o mínimo de preocupação em abrir uma porta pra alguém estranho me arrependo de ver esse filme espero nunca mais vê-lo deus me livre datado cafona ridículo

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  • 14/03/2015 em 23:08
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    Apenas uma palavra para definir o filme: genial!!! Uma frase sobre Malcolm McDowell nesse filme: injustiçado por não ter sido sequer indicado para o Oscar.

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    • 13/07/2015 em 14:39
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      Mas ele foi indicado ao Oscar, inclusive em seis categorias, porém não levou nenhuma estatueta, o que ao meu ver foi um tremendo absurdo.

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      • 22/08/2015 em 11:26
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        Realmente um absurdo. Mas acho que Malcom Mcdowell merecia, ao menos, ser lembrado para a nomeação ao Oscar. Abraço.

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  • 01/02/2015 em 04:59
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    Ótimo texto. Laranja Mecânica além de genial está no meu top 3 do kubrick e sem duvidas um dos melhores filmes auto reflexivos até hoje. E muitíssimo obrigado pelo significado de “Clockwork Orange” desde a primeira vez que vi o filme não entendia o título.

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