Os Fantasmas Contra Atacam (1988)

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Os Fantasmas Contra Atacam
Original:Scrooged
Ano:1988•País:EUA
Direção:Richard Donner
Roteiro:Mitch Glazer, Michael O'Donoghue
Produção:Richard Donner, Art Linson
Elenco:Bill Murray, Karen Allen, John Forsythe, John Glover, Bobcat Goldthwait, David Johansen, Carol Kane, Robert Mitchum, Michael J. Pollard

Um Conto de Natal (A Christmas Carol), de Charles Dickens, obra originalmente publicada em 19 de dezembro de 1893, é uma das melhores representações do espírito natalino. Escrita com o propósito de pagar dívidas, em menos de um mês, o livro teve mais de seis mil cópias vendidas em uma semana e inúmeras versões e adaptações. Peças teatrais, musicais, livro infantil, HQ e filmes, Um Conto de Natal influenciou a literatura e o cinema, sendo uma das indicações essenciais para qualquer estudo de evolução da escrita em inglês. Em 1988, foi levada ao cinema uma versão bastante diferente.

Richard Donner estava vindo de sucessos imediatos. A Profecia (76), Superman: O Filme (78), Superman II – A Aventura Continua (80), O Feitiço de Áquila (85), Os Goonies (85) e Máquina Mortífera (87) deixavam a entender que o diretor era um Midas da cinematografia e que o roteiro de Mitch Glazer e Michael O’Donoghue, com pouca bagagem na função, tinha tudo para encantar o público e torná-lo ainda mais conceituado. Não foi como se esperava. Com um orçamento estimado em U$32 milhões de dólares, arrecadou menos que o dobro e algumas críticas divididas entre os que acharam divertido e os que viram como um trabalho abaixo da média do diretor. Muito se explica por algumas confusões nos bastidores como a relação conturbada entre Donner e o explosivo Bill Murray, com suas improvisações que condenavam o elenco e exigiram mudanças o tempo todo no roteiro.

De certa forma, Os Fantasmas Contra Atacam – título exploitation no lançamento nacional, como se fosse uma continuação de Os Caça-Fantasmas (84) – representa bem o espírito da Sessão da Tarde: uma diversão descompromissada, que permite alguns risos discretos, para ser vista com a família logo após A Rena do Nariz Vermelho e O Milagre da Rua 34. Perde pontos pela extravagante atuação de Murray, que não sabe conduzir muito bem as cenas mais emotivas, optando por um mau humor pastelão, de expressões e gritos.

No enredo, o Presidente do canal de televisão IBC, Frank Cross (Murray), está se preparando mais um especial de Natal ao vivo com a apresentação anual de Um Conto de Natal. Sem ânimo pelos trailers apresentados – ele preferia algo mais explosivo e sangrento -, no momento de estresse, ele demite o executivo Eliot Loudermil (Bobcat Goldthwait, o Zed, de Loucademia de Polícia) e faz uma lista de presentes de Natal com a ajuda da secretária Grace (Alfre Woodard, de 12 Anos de Escravidão, 2013), indicando toalhas para todos os funcionários até mesmo para seu irmão James (John Murray, irmão mesmo do protagonista). Frank sente-se ameaçado no cargo quando seu chefe, Preston Rhinelander (Robert Mitchum, de O Céu é Testemunha, 57), resolve colocar alguém para trabalhar com ele como assistente de produção, o jovem Brice Cummings (John Glover, de À Beira da Loucura, 94).

No mesmo dia, na correria da produção do espetáculo, o agitado Frank ainda recebe o contato de uma ex-namorada, Claire (Karen Allen, de Os Caçadores da Arca Perdida, 81), mas a decepciona pelo tratamento dado a funcionários ou na sugestão de grampear os chifres artificiais nos ratinhos que aparecerão no programa. Assim, Frank se isola em seu escritório para beber na véspera de Natal, no momento em que é visitado pelo ex-chefe morto Lew Hayward (John Forsythe, a voz de Charlie em todas as versões de As Panteras), que anuncia a vinda de três fantasmas para ensiná-lo sobre a vida e assim evitar que ele tenha um destino trágico.

O primeiro a aparecer é, tal qual a versão literária, o Fantasma dos Natais Passados (David Johansen, de Contos da Escuridão, 90), na pele de um taxista alucinado. Ele mostra a infância de Frank, um garoto que não teve boas recordações de festas natalinas, tendo que ficar apenas vendo TV sem a atenção dos pais. Também justifica o fim da relação dele com Claire, quando, em início de carreira, acabou optando pelo emprego na TV ao invés de dar atenção a ela. Mesmo entendendo muitas de suas atitudes no presente, Frank até tenta uma aproximação com a ex-namorada, mas deixa transparecer seu lado egoísta ao sugerir que as voluntárias de uma ong fossem demitidas.

Vem, então, o Fantasma dos Natais Presentes, na pele de uma fada, interpretada por Carol Kane, de Mensageiro da Morte (79). Entre agressões, ela mostra a vida complicada de Grace e seu filho mudo Calvin (Nicholas Phillips) e a morte do sem-teto Herman (Michael J. Pollard, o também Herman de Acampamento Sinistro 2, 89), por influência de uma sugestão que ele deu ao visitar Claire no trabalho de alimentação dos mais pobres. Assim como Scrooge da obra original, Frank percebe seus exageros mas não imagina as consequências de suas ações frias até a chegada da Morte, o Fantasma dos Natais Futuros, numa caracterização bem interessante da produção ao usar como rosto uma televisão que reflete os estados de espírito do protagonista. Saber que não terá uma vida muito saudável e nem será muito lembrado em seu velório faz com que ele finalmente entenda seu egoísmo e prepotência, no exato momento em que poderia ter seu destino traçado por um vingativo Eliot.

Não chega a ser spoiler contar esses detalhes porque a própria obra clássica já é bem conhecida. Há, claro, algumas diferenças na relação entre os personagens e na influência de Frank, mas a vinda de assombrações que permitirão um auto-conhecimento do presidente da IBC é similar ao texto de Dickens. Donner brinca com os bastidores da TV e traz muitas referências ao livro e à personalidades como o comediante Richard Pryor e o Presidente Calvin Coolidge (também de poucas palavras) e à cultura pop na conexão com O Magico de OZ, A Ilha dos Birutas, A Pequena Loja dos Horrores e até Predador.

No tratamento inicial, o filme não seria uma comédia. Donner não conseguiu evitar o humor quando viu que todos os envolvidos tinham uma veia cômica em projetos anteriores. Ainda que não seja tão engraçado como pretendia ser, ele não incomoda como boa parte do cinema de humor atual e não deixa transparecer uma sensação de perda de tempo. Os efeitos especiais são datados, como na aparição da gigantesca mão da Morte e até no voo artificial da fada, mas dão uma sensação boa de retorno à epoca, quando o cinema tinha mais liberdade de brincar com as falhas da sociedade.

Os Fantasmas Contra Atacam está disponível na Netflix, permitindo uma sessão nostálgica e a visita a um Natal passado como comparação com o que tem sido feito atualmente no período. Vale a pena recordar o período e aprender com o ingênuo Scrooge e o polêmico Frank como agir com mais consciência e emoção, sem egoísmo e ingratidão. Esse é o espírito!

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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