A Freira (2018)

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A Freira
Original:The Nun
Ano:2018•País:EUA
Direção:Corin Hardy
Roteiro:Gary Dauberman, James Wan
Produção:Peter Safran, James Wan
Elenco:Demián Bichir, Taissa Farmiga, Jonas Bloquet, Bonnie Aarons, Ingrid Bisu, Charlotte Hope, Sandra Teles, August Maturo, Jack Falk, Lynnette Gaza

Dentre todos os elementos de horror apresentados na franquia Invocação do MalAnnabelle, Homem Torto, Espantalho… -, a freira foi o que talvez tenha provocado mais arrepios. Mesmo com o uso exagerado de efeitos digitais na sequência final de Invocação do Mal 2, Valak surpreendeu como um inimigo inesperado e ainda promoveu uma das cenas mais intensas de todos os trabalhos de James Wan no passeio da sombra que culminou no movimento do quadro. E o mais interessante foi perceber que o demônio esteve presente em toda a projeção, observado em pequenos sinais liberados ao longo do filme, e ainda teve papel fundamental na premonição de Lorraine Warren (Vera Farmiga). A freira demoníaca foi também insinuada discretamente em Annabelle 2, na imagem de uma figura envolta em sombras, o que evidencia a grande aposta dos realizadores na confecção de seu filme solo. Assim, todo o mistério em torno dessa entidade conduziu uma multidão curiosa à pré-estreia do longa-metragem, no dia 3 de setembro, em mais um evento de sucesso da Warner Bros.. Mas, será que essa torturante espera e toda a campanha desenvolvida nesses anos valeu a pena quando a sala do cinema finalmente se escureceu?

Antes de responder à pergunta, é preciso pensar no quão assustador pode ser um Mal escondido sob as vestes de um símbolo religioso. Não é a primeira produção a apresentar freiras malditas dentro do gênero, bastando lembrar de uma das cenas mais emblemáticas de A Sentinela dos Malditos (1977), nos olhos esbugalhados de Demonia (1990), de Lucio Fulci, na freira cega de Veronica (2017), de Paco Plaza, na insana do clássico expressionista Haxan (1922), nas freiras-lobisomem de Grito de Horror 3 (1987) e até mesmo naquelas demoníacas que apareceram em um dos primeiros filmes apresentados no Boca do Inferno, The Convent (2000). Isso se deixar de lado tudo o que o cinema nunxploitation desenvolveu em sua trajetória polêmica! Para muitos, sua presença configurada como um ser maligno e fora das convenções religiosas já é algo difícil de lidar, independente de seu contexto. Deste modo, A Freira, de Corin Hardy (A Maldição da Floresta, 2015) já desponta de maneira absolutamente perturbadora na imaginação do público antes mesmo dos créditos iniciais. Sabendo que o longa tem a marca de James Wan, então…

Se todas as expectativas eram favoráveis, havia uma grande possibilidade de termos mais um bom produto de horror nos cinemas, talvez até um dos destaques de 2018. Infelizmente, o resultado não foi como se imaginava, e A Freira se apresentou apenas como um filme de terror mediano, com algumas boas cenas entre clichês que já saturaram o gênero. E pior: deixou evidente alguns furos bobos e copiou descaradamente o final de outro filme de terror, enfraquecendo sua força narrativa e criatividade. Não deve ser considerado ruim, mas como parte da franquia Invocação do Mal está no nível do primeiro Annabelle ao preparar o espectador para algo excepcional e apenas seguir a cartilha do estilo.

Aproximadamente vinte anos antes de Ed Warren (Patrick Wilson) e a esposa enfrentarem Valak numa morada de um subúrbio inglês, uma abadia na Romênia teve os primeiros contatos com um Mal absoluto. Em 1952, freiras sucumbiram a uma entidade poderosa, levando uma delas à única atitude que poderia impedir que o demônio fosse além de suas paredes, enforcando-se do alto de uma janela. Na manhã seguinte, o corpo pendurado seria encontrado pelo entregador Frenchie (Jonas Bloquet), fazendo com que a notícia do suicídio chegasse ao Vaticano, e o Bispo (Michael Smiley) sugerisse que o investigador da Igreja, padre Burke (Demián Bichir), fosse ao local para entender as razões que levaram ao ato fatal.

Para auxiliá-lo na visita, é sugerido que ele busque o apoio da noviça Irene (Taissa Farmiga), que dizem conhecer o local, mesmo sem nunca ter ido. O apoio de alguém inexperiente, sem maiores justificativas para tal, já traz o primeiro conflito na imaginação do público, e pode remeter discretamente ao longa Morte Negra (2010), com Eddie Redmayne exercendo o mesmo papel. Mesmo com uma leve relutância, Irene parte na jornada, despertando o olhar paquerador de Frenchie, o alívio cômico da produção. “Para chegar à abadia, é preciso volta à Idade das Trevas”, sugere o rapaz ao mostrar que boa parte do percurso terá que ser feita de carroça e a pé. Até esse ponto, é preciso ressaltar a belíssima fotografia externa (Maxime Alexandre) e a excepcional direção de arte (Adrian Curelea e Vraciu Eduard Daniel), que realmente remetem ao período da Inquisição e apresentam um cenário gótico digno de um tenebroso conto de horror.

Ao conhecer o local sinistro, circundado por um cemitério antigo e seus túmulos com sinos, e toda a escuridão do ambiente, o trio conhece a sombria Madre Superiora (Lynnette Gaza), com o rosto sob um véu negro, que os aconselha a se hospedarem na abadia para ter acesso às freiras e saber mais sobre o ocorrido. Lembrando o que acontecera no início, já é possível imaginar quem seriam essas freiras e até mesmo aquela que toma conta do lugar, ampliando os primeiros calafrios do infernauta. Pesadelos acordados contribuem para que os visitantes se sintam ameaçados a todo momento em cenas que realmente despertam os tradicionais sustos da série. Em um deles, já mostrado no trailer, há uma referência direta à freira branca que aparece em O Exorcista 3, ao cruzar a tela em direção à protagonista.

Os episódios que acontecem no cemitério são os que provocam mais saltos no assento do cinema, seja o do caixão seja o da enforcada em sua caracterização demoníaca. O uso dos sinos já antecipa alguns momentos arrepiantes e ainda estabelece uma relação com a “senhora do sino” de Annabelle 2. Não explica a razão que permite o demônio assombrar o cemitério, se as cruzes servem para evitar que ele saia da abadia; assim, como também não há justificativa para Valak ter esperado tanto tempo para tentar uma fuga do local, se o próprio entregador já estivera ali antes para deixar um corpo. Pode entrar para a conta dos buracos no enredo as informações sobre as visões de Irene: são realmente benéficas, se uma vez no local indicado poderia permitir a Valak encontrar o veículo que procura?

AVISO DE SPOILER! AVISO DE SPOILER! PULE O PRÓXIMO PARÁGRAFO SE NÃO TIVER VISTO O FILME!!!

Se as referências podem ser positivas para o enredo ao remeter o espectador a obras conhecidas – vide a citada cena de O Exorcista 3 -, por outro lado também permitem que o público perceba a total falta de criatividade do enredo, quando elas envolvem produções um pouco mais obscuras. No caso do argumento desenvolvido por James Wan e Gary Dauberman, não há justificativa para tal “inspiração”. Para impedir que Valak seja libertado, as freiras utilizam um recipiente que contém o sangue de Cristo. Ele serve para lacrar a saída, e é mantido guardado com segurança na abadia! O leitor mais experiente com o gênero já deve se lembrar de outro filme que traz o santo sangue como bloqueio para a passagem de demônios, Os Demônios da Noite. E se isso já não fosse uma “homenagem” suficiente, a sequência final em que a personagem engole o sangue para no momento oportuno cuspir na vilã é uma chupação completa da última cena do longa mencionado.

FIM DOS SPOILERS! FIM DOS SPOILERS! PODE CONTINUAR LENDO!

Se Maxine Alendre fez bem no ambiente externo, a fotografia interna, por outro lado, é muito escura. Não incomoda a visão sobre os personagens e até pode transmitir uma sensação gótica, porém ela é usada em demasia em cenas importantes como no último ato, confirmando o letreiro do trailer que apontou este como  o “darkest” capitulo da franquia. Auxiliados por uma boa trilha incidental e por boas atuações, tudo resulta em um curioso filme, que provavelmente se transformará numa franquia spinoff, como Annabelle. Valak ainda terá outras oportunidades no cinema, se o longa for bem nas bilheterias como se imagina! Ora, quem não se incomoda ao pensar em símbolos religiosos, que deveriam trazer segurança e conforto, como representantes dos principais calafrios?

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

12 thoughts on “A Freira (2018)

  • 04/09/2019 em 08:56
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    esse filme e muito bom para bem is to mara que fais oto filme desse

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  • 01/08/2019 em 20:01
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    Apesar de todo filme ter seus defeitos, o filme em questão (A Freira) foi um sucesso mundial de US$ 365 milhões e custou apenas US$ 22 milhões, além de ser a maior arredação do UCIM (Universo Compartilhado de Invocação do Mal) de James Wan e, ainda mais, me agradou em cheio!! Agora, é só espera a continuação prevista para, talvez 2021, pessoal!! Parabéns pelo excelente site, amigos!! Boa noite a todos aqui e até mais, meus amigos!! [^J^]

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  • 16/09/2018 em 10:06
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    Também me incomodou a super exposição do roteiro. O lance de cuspir, os sinos tocando… Nada estava na trama só por estar, mesmo que não tivesse relevância, tudo tem que ser explicado antes pra ser usado depois. A edição também é terrível. Tem momentos que os cortes são tão bruscos que parece que falas inteiras foram capadas da finalização. E as cenas em que a Freira aparece são incompreensíveis.

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  • 12/09/2018 em 01:53
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    Spoiler!!!
    Recem sai da sala do cinema e decepcionada. Não costumo esperar muito desse tipo de terror mas não esperava algo tão besta. Valak está meio demônio meio zumbi, atacando os personagens. Achei terrível. Apareceu demais. Me assusto e prefiro um terror subjetivo!!!

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  • 11/09/2018 em 11:52
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    Assisti o filme na estreia (06/09). Vi tambem “Invocação do Mal 1 e 2”, so não assiti “Annabelle 1 e 2”!! “O Inferno tambem é lugar pra padre”. Sua estreia era pra ser na ultima “Sexta-Feira 13”!!!!

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  • 11/09/2018 em 09:52
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    Bom filme se não levado muito a sério, ignorando o roteiro e alguns furos se torna um bom entretenimento com sustos clichês e uma história até que boa e aceitável, ambientação gótica e belíssima fotografia deixa o filme com ar sombrio, apesar do segundo ato um pouco arrastado o final compensa em ligar o filme com o primeiro Invocação do Mal.

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  • 07/09/2018 em 17:24
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    Decepcionante pra mim, daria duas caveirinhas. Muitos furos e os personagens muito rasos, inclusive o proprio Valak, que nos filmes anteriores tinha muito mais presença e passava mais medo.

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  • 06/09/2018 em 20:03
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    Eu gostei desse filme, é daqueles que que dá susto do começo até o fim. Tem coisas estranhas mesmo, como as cenas que acontecem do lado de fora da abadia (cruzes, sinos…) mas gostei muito de como trabalharam com todas as outras freiras, afinal SPOILERS … por um momento eu achei mesmo que elas estavam vivas.
    Ps. Marcelo Milici da próxima vez que eu estiver numa fila de cinema e ver você, juro que te dou um abraço. Parabéns pelo site e pelo projeto Boca do Inferno que já acompanho faz um bom tempo.

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  • 06/09/2018 em 11:16
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    Tenho a impressão que a caracterização da Valak neste filme está menos macabra de que esteve em Invocação do Mal 2, digo isso com base em todas as imagens, vídeos e trailers que eu vi até o momento, e nas postagens da própria atriz Bonnie Aarons no Instagram. Não assisti ao filme ainda.

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  • 05/09/2018 em 22:42
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    Que pena. Mas eu já esperava por isso.

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    • 12/09/2018 em 10:48
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      Eu tembém, mesmo sem assistir. Tá cada vez mais difícil fazer algo q surpreenda no gênero. Salvo algumas exceções como Corrente do Mal.

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