O Chamado do Anticristo (2000)

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O Chamado do Anticristo
Original:The Calling
Ano:2000•País:EUA, Alemanha
Direção:Richard Caesar
Roteiro:John Rice, Rudy Gaines
Produção:Bernd Eichinger, Martin Moszkowicz, Norbert Preuss
Elenco:Laura Harris, Richard Lintern, Francis Magee, Alex Roe, Alice Krige, John Standing, Peter Waddington, Nick Brimble, Rachel Shelley, Camilla Power, Deborah Baxter, Jack McKenzie

A virada do milênio atiçou os autores no desenvolvimento de histórias apocalípticas. Muitas produções se inspiravam em um possível fim dos tempos, levando todo tipo de destruição para o planeta, desde a vinda de um gigantesco cometa (Impacto Profundo, 1998) ou asteroides (Armageddon, 1998) até a perspectiva do retorno do Anticristo (Fim dos Dias, 1999; Omega Code, 1999; Stigmata, 1999; A Filha da Luz, 2000…). Nesta mesma época, chegavam às locadoras filmes menores, tímidos em suas pretensões, mas com bastante relevância à época. O Chamado do Anticristo é um deles, e faz parte do saudoso período das locações da sexta-feira à noite, pensando em devolvê-los na segunda… rebobinados, claro.

Lançado pela Imagem Filmes, a capinha, com uma cruz invertida sobre um berço, remetia, obviamente, aos clássicos A Profecia (1976) e O Bebê de Rosemary (1968), com respeito às suas limitações. Com a imagem, as taglines completavam o serviço: “Nesta casa está o começo do fim da humanidade.“, “Envolvente. Misterioso. Aterrorizante.“. Se você tinha a sorte de encontrá-lo na versão legendada, abria até um sorriso para o balconista; mas, dependendo da região, muitas das locadoras traziam apenas as cópias dubladas, a pedido dos próprios clientes. Foi uma assim que lembro de tê-lo visto pela primeira vez. A correção foi feita agora, com o áudio original, dentre as opções da Amazon Prime Video.

O longa se inicia com frases bíblicas, e a queda de uma mulher, alvejada por estranhos. Ela, Kristie St. Clair (Laura Harris, de Prova Final, 1998), pede ajuda ao padre Mullin (Peter Waddington), a quem relata sua triste jornada. Apaixonada, ela se envolveu com o jornalista Marc (Richard Lintern) e aceitou morar na Ilha do Homem, onde se casaram numa festa bastante badalada para a região. Na mesma noite do casamento, durante uma intensa Lua Cheia, ele a convidou para um local de pictogramas misteriosos, com a perspectiva de uma antecipada noite de núpcias. Como no clássico de 68, com a jovem hipnotizada, imagens distorcidas durante o sexo mostram o peito de seu amante, com símbolos similares aos vistos nas rochas.

Kris está grávida. Enquanto passeia na praia com uma amiga, ela sente que a bolsa estourou e que seu filho está prestes a chegar, sendo levada às pressas ao hospital para o parto, no mesmo momento em que uma criança de seis anos é conduzida para um local ermo para ser sacrificada. Numa boa edição de vídeo, com a apresentação de gravações caseiras de uma família feliz, Dylan (Alex Roe, de O Chamado 3, 2017) cresce como uma aparente criança normal, fazendo uma ou outra maldade como a de quase assassinar uma garotinha no balanço – ridiculamente perigoso, pois ele dá acesso a uma grade com uma lança -, mas dando um fim ao seu hamster no mesmo local. Apegado ao pai, o pequeno começa a evidenciar mais sinais estranhos como o de reagir mal a um crucifixo colocado em seu peito, ou participar de um ensaio de crucificação invertida, tendo a presença da chefe do canal de televisão – e amante do marido -, Elizabeth (a excelente Alice Krige, que merece um parágrafo à parte).

Aos poucos Kris começa a se convencer de que algo muito sinistro está acontecendo. A capacidade do filho de falar frases invertidas – e que é a chave para a convocação do título -, além de sua frieza diante da morte, faz com que ela procurasse o auxílio de um taxista, Carmac (Francis Magee, de Rogue One: Uma História Star Wars, 2016), que parece saber muito a respeito do que acontece, como a única ajuda possível. Seu pequeno demônio passa a ser admirado na ilha pela simpatia, beleza e capacidades apresentadas, e isso inclui os seguidores e convocados, o que a leva a uma decisão necessária para salvá-lo: um batismo. Será que ainda é possível salvar a alma dessa criança, concebida por Satã, ou a solução necessitaria de um sacrifício?

Embora não tenha sido feito para a TV, o diretor Richard Caesar, em seu único trabalho na função, evidencia limitações e enfraquece o resultado final, ao enchê-lo de imagens oníricas, repetições de cenas e o terrível slow motion, bastante comum nas décadas anteriores. E ele também não é ajudado pelo enredo de John Rice e Rudy Gaines – que também não foram além deste filme -, que bebe de todas as fórmulas do subgênero crianças demoníacas, pecando ainda mais pela falta de ousadia. Há muito pouco sangue (só a cena do hamster) e todas as mortes são offscreen, bastando apenas o personagem se encontrar numa situação solitária, diante do perigo, para desaparecer em cena, sem que seu corpo seja visto. E há furos graves no enredo, principalmente no que se refere às ações da protagonista e dos intentos dos inimigos, tendo o ápice no baile de máscara para promover o aniversário de seis anos do garoto.

Se há méritos, pode-se dizer que envolvem a atmosfera pessimista e a proposta final, imaginando uma possível continuação. E é preciso enaltecer a presença da carismática Alice Krige, que rouba todas as cenas em que aparece. No mesmo ano em que fez o clássico Carruagens de Fogo, a atriz despontava para o gênero com o ótimo Histórias de Fantasmas (1981), em um papel duplo. Depois, o infernauta deve lembrar dela do terror Sonâmbulos (1992), inspirado em Stephen King, com sua sempre poderosa imposição em cena. Fez muitos trabalhos para a TV e cinema como o thriller A Sombra do Medo (2004), o terrível Stay Alive: Jogo Mortal (2006), a adaptação Terror em Silent Hill (2006) e até Thor: O Mundo Sombrio (2013). É sempre interessante vê-la em cena, o que eleva a avaliação da produção, como é o caso deste aqui.

Próximo de ser completamente descartável, O Chamado do Anticristo tem entre seus poucos méritos o reencontro com a época das fitas de vídeo. Alguns acertos e ousadias já seriam suficientes para torná-lo um pouco melhor, e levar o público a imaginar um Dylan adulto, disposto a levar o mundo ao inevitável fim dos tempos. Tentaram algo em A Profecia 3, se você quiser realmente imaginar como poderia ser.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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