Hellboy (2004)

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Hellboy
Original:Hellboy
Ano:2004•País:EUA
Direção:Guillermo del Toro
Roteiro:Guillermo del Toro, Peter Briggs, Mike Mignola
Produção:Lawrence Gordon, Lloyd Levin, Mike Richardson
Elenco:Ron Perlman, Doug Jones, Selma Blair, John Hurt, Rupert Evans, Karel Roden, Jeffrey Tambor, Brian Steele, Ladislav Beran, Corey Johnson, Biddy Hodson

No longínquo 2004, quando o cinema ainda era refém de franquias grandiosas como Harry Potter (havia estreado o Prisioneiro de Azkaban) e Homem-Aranha (ano da estreia do segundo filme) e havia boas opções para conferir na tela grande (Madrugada dos Mortos, Todo Mundo Quase Morto, O Justiceiro, Os Incríveis, Jogos Mortais, A Vila…) e outras nem tanto (O Dia Depois de Amanhã, As Branquelas, Mulher-Gato, Alien vs Predador…), Guillermo del Toro apresentava sua produção mais ousada. O cineasta já havia feito coisas finas como Cronos, Mutação e A Espinha do Diabo, com recursos mais limitados, e planejava seu segundo trabalho de adaptação de uma graphic novel – o primeiro foi Blade II, com um orçamento um pouco mais modesto.

Considerado por muitos fãs como um projeto inadaptável pela complexidade do anti-herói e a exigência de efeitos especiais grandiosos, del Toro era o nome mais bem visto para a produção, devido ao seu talento evidente (e declarações constantes da paixão que tinha) na concepção de criaturas fantásticas. As imagens divulgadas na época eram empolgantes pela face já naturalmente construída do amigo de longa data Ron Perlman. Com um orçamento estimado em U$66 milhões de dólares, o filme só ultrapassou esses valores nos lançamentos pelo mundo, mas acumulou diversas críticas positivas. Além de divertido e bem feito, com muita atenção em cada detalhe (pelas outras criaturas presentes, pelo elenco escolhido e pela trama atraente), Hellboy chegou aos cinemas brasileiros em julho de 2004 e honrou um personagem dos gibis como poucas adaptações já haviam conseguido.

Inspirado numa criação de Mike Mignola, Hellboy veio com grandes expectativas pelo público, fã de cinema e do personagem, mas também estabeleceu comparações com outras criações infernais, seja o depressivo Constantine ou o diabólico Spawn. E, isentando-se de comparações diretas com as graphic novels, pode-se dizer que ele trouxe um pouco de cada um deles: rebeldia, sensação de exclusão da sociedade e um mau humor divertido. Mas também trazia uma identidade própria na paixão por uma garota (e altas doses de ciúmes colegial), a vida desorganizada, o carinho pelos felinos e uma curiosa humanidade. Tantas boas ideias só poderiam gerar três filmes – já contando com o desnecessário reboot -, duas animações e jogos de videogame, e uma sensação de que poderíamos ter visto mais dele nas mãos de del Toro, se não fosse a receptividade um pouco inferior da continuação.

O primeiro filme já começa com o nascimento do personagem. Em 1944, quando os nazistas já buscavam meios místicos de fortalecer os Aliados na Segunda Guerra Mundial, o poderoso russo Grigori Rasputin (Karel Roden) realiza um experimento com a abertura de um portal interdimensional para atrair a entidade Ogdru Jahad. Além de soldados, o evento conta com sua amante Ilsa Haupstein (Biddy Hodson), o terrível assassino imortal Karl Ruprecht Kroenen (Ladislav Beran) e está sendo testemunhado pelo cientista Trevor “Broom” Bruttenholm (John Hurt), que não vê com bons olhos o que está acontecendo. Durante o confronto, Broom joga próximo do portal uma granada e destrói a passagem, enquanto ela absorve Rasputin para seu interior. Após a bem sucedida missão, o cientista descobre que um pequeno demônio – parecendo um macaco vermelho – atravessou o portal e resolvê adotá-lo, nomeando-o de Hellboy.

Nos dias atuais, a agência Bureau of Paranormal Research and Defense (BPRD) acaba de receber a transferência do agente do FBI John Myers (Rupert Evans), que, como o espectador, é apresentado a uma versão adulta do Hellboy (Ron Perlman) e ao psíquico “homem-peixeAbe Sapien (Doug Jones). Em um ambiente bagunçado, com gatos por todos os lados, além de latas de cerveja e pratos imensos de salames, há televisores com a imagem de uma garota, Liz Sherman, a paixão do herói e que está internada num hospital psiquiátrico para cuidar de seus poderes de pirocinese. Hellboy é visto malhando, com uma carranca mal humorada e um constante charuto na boca, numa belíssima mescla de maquiagem e construção de personagem!

No mesmo momento, Ilsa e Kroenen realizam um ritual nas montanhas de Moldava para trazer de volta Rasputin – só não há explicações que justifiquem a demora para tal feito. O vilão desperta o demônio Sammael, uma criatura voraz que é conhecida pela capacidade de ressurreição e se transformar em dois cada vez que um morre, e planeja utilizar Hellboy para continuar em sua missão de trazer o inferno à Terra. Com uma caracterização animalesca, destacando uma bocarra voraz – muitas das criaturas foram inspiradas no universo de H.P.Lovecraft -, o primeiro confronto com o herói traz cenas bem legais de perseguição, com a ótima fotografia de Guillermo Navarro no posicionamento das câmeras e a coragem de não desviá-las dos monstros, além de convincentes efeitos visuais, que atravessam um museu, as ruas da cidade até chegar ao populoso metrô. Aos poucos, Hellboy é flagrado por câmeras amadoras em imagens fora de foco, o que obriga o diretor do FBI Tom Manning (Jeffrey Tambor) a tentar camuflar as ações da agência governamental de caça aos monstros para incômodo do herói, que precisa sempre se esconder até mesmo em caminhões de lixo para chegar aos lugares que necessitam de sua investigação.

Também torna-se uma pedra no sapato de “Red” (como ele é chamado por Liz) as tentativas de Myers de se aproximar do amor de sua vida, depois que ela incendeia o hospital psiquiátrico devido a uma visita de Rasputin. Hellboy deixa de lado sua missão de encontrar as criaturas, pelas pistas deixadas pelo vilão, para seguir o jovem agente num encontro com Liz nas ruas da cidade, deixando Broom, que sofre de câncer terminal, à mercê dos inimigos. As aventuras continuam em Moscou, local ideal para reabrir o portal a partir de uma pedra encontrada no início do século passado. Cabe a Hellboy e sua gangue de combate ao crime sobrenatural encontrar meios de impedir Rasputin de finalizar seus planos malignos e salvar a Terra de um provável apocalipse.

Como filme de herói, Hellboy se sai muito bem, seja nas cenas de ação e nos combates com inimigos poderosos, seja nas frases de efeito e no humor ácido. Com personagens riquíssimos e profundos, até mesmo os passíveis de serem chatos no enredo de del Toro e Peter Briggs, como Manning e Myers, tornam-se agradáveis e provocam a torcida do espectador pela sobrevivência nos perigos que correm – uma vez que sabemos que o protagonista não será vencido. Dentre eles está o carismático Abe, numa das inúmeras construções fantásticas de Doug Jones, que faz o público suspirar na sequência em que ele é perseguido por Sammael debaixo d´água.

Vale também elogiar a composição do elenco. Ron Perlman parece ter nascido para interpretar o personagem, e estabelece uma química bem curiosa com a doçura agressiva de Selma Blair, ainda com um rosto de menina. John Hurt apresenta um cientista bastante carismático, e faz o público lamentar sua saúde já fragilizada. Os demais dividem a atenção satisfatoriamente com a gesticulação de Doug Jones na composição de uma criatura simpática e agradável. Até mesmo a pequena participação de Corey Johnson como o agente Clay, e a frieza de Karel Roden podem ser enaltecidas pelas belas imposições em cena.

Divertido e bem feito, Hellboy está entre as melhores adaptações de uma graphic novel e pode ser considerado um dos destaques da filmografia de del Toro. Um filme com um anti-herói monstruosamente humano e que fez a diferença na carreira de todos os envolvidos, principalmente na de Ron Perlman.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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