Enraivecida na Fúria do Sexo (1977)

3.8
(9)

Enraivecida na Fúria do Sexo
Original:Rabid
Ano:1977•País:Canadá
Direção:David Cronenberg
Roteiro:David Cronenberg
Produção:John Dunning
Elenco:Marilyn Chambers, Frank Moore, Joe Silver, Howard Ryshpan, Patricia Gage, Susan Roman, Terry Schonblum, Gary McKeehan, Miguel Fernandes

Uma das trívias do filme de David Cronenberg, presente no site do IMDB, é a curiosa tradução do título brasileiro. É claro que se trata de uma conexão entre a “raiva” (rabid) e o reconhecimento dado a Marilyn Chambers, popular pornstar. Contudo, não deixa de ser mais bizarro do que a própria proposta: apresentar um vírus, oriundo de uma clínica de cirurgias plásticas, e que é transmitido pelo sangue, mas tem como ponto de origem a axila da protagonista, de onde provém uma espécie de ferrão. É o estilo “body horror” do cineasta, como ficou conhecida sua filmografia, antecipando a AIDS, algo também explorado em Calafrios, de 75. Depois o diretor se envolveria com outras produções que evidenciariam sua assinatura, como Filhos do Medo (79), Scanners (1981), Videodrome (83), A Mosca (86), Gêmeos – Mórbida Semelhança (88), Mistérios e Paixões (1991)…

Enraivecida na Fúria do Sexo (última vez em que usarei esse título, prometo) expressa a loucura do período, envolto pela destruição da família e pelo fanatismo religioso. Há também um contexto político, que toca em temas como pandemias, militarismo, a anarquia, a luta pela liberdade individual…e por aí vai. Toda essa base de informações estão contidas num enredo que traz influências de A Noite dos Mortos-Vivos (68) e Exército de Extermínio (73), ambos de Romero, e explora a paranoia, a loucura urbana e, claro, o terror. Como produção do gênero, funciona bem na narrativa dinâmica e no medo crescente, e tem bons elenco e efeitos de maquiagem.

Sem perder tempo para desenvolvimento de personagens, o longa começa com um acidente de moto envolvendo Rose (Chambers) e seu namorado Hart (Frank Moore). Enquanto o rapaz fratura a mão e o ombro com a queda, a garota fica presa embaixo do veículo em chamas – convencionalmente mais ou menos próximos da clínica de Cirurgias Plásticas Keloid. Percebendo que a natureza das feridas não permitiria a chegada a um hospital, Rose é tratada ali mesmo pelo próprio Doutor Dan Keloid (Howard Ryshpan), que resolve utilizar um método experimental de tratamento, com o que ele chama de enxerto morfogeneticamente neutro, retirados do corpo da paciente para reconstruir a pele e os órgãos atingidos. O procedimento é apresentado brevemente, sem exagero nas imagens cirúrgicas.

Após um mês de internação até então em coma, Rose desperta com um grito e é tranquilizada por outro paciente, Lloyd Walsh (Roger Periard). Sem roupas, ela pede um abraço, e algo fere o corpo no rapaz, ainda que não saibamos de onde teria vindo a “faca“, como ele supõe. Sem se lembrar do que o atacou, ele é transferido para um outro hospital em Montreal, enquanto Rose se recupera já demonstrando um estranho gosto por sangue. Ao tentar se alimentar do sangue de uma vaca, sentindo náuseas, ela ataca um bêbado, para finalmente perceber qual produto é vital para sua a sede. Logo, a doença vai começar a se espalhar, com cada vítima sentindo sintomas de uma raiva exposta em atos de violência e canibalismo.

Notando que se trata de uma variação da raiva, a OMS sugere que as pessoas sejam vacinadas, o que não resolve. A doença toma as ruas, ao passo que Hart está desesperadamente em busca de Rose, fugida da clínica, espalhando o vírus através de seu ataque “axilar“. Parece que a cirurgia desenvolveu na garota uma cavidade na axila, que possui uma espécie de agulha de carne, que perfura quem se aproxima dela com desejos carnais – a tal antecipação ao HIV. Contudo, apesar dos corpos deixados pelo caminho, Rose não acredita que seja a fonte de todo o mal, mesmo quando a loucura violenta bate à sua porta.

Nota-se pelo enredo que se trata de um filme cheio de possibilidades e que prepara o mundo para uma pandemia. Além de todo seu contexto e da violência presente, noticiários exploram a paranoia e ampliam a sensação de insegurança, quando especialistas passam a pedir que as vítimas sejam simplesmente mortas, enquanto a população é orientada a evitar as ruas. Cronenberg faz uso de uma câmera com “a lente suja” para apresentar cenas sangrentas, em que nacos de carne são retirados através das mordidas, como seriam comuns posteriormente nos filmes de zumbis, já preparando o espectador para Despertar dos Mortos, no ano seguinte.

Com um bom elenco – até Chambers atua razoavelmente bem -, Rabid tem cenas memoráveis e que são sempre lembradas pelos fãs de horror. Tenho como favorita a cena da morte gratuita do Papai Noel, quando a insanidade consome a segurança e pessoas são mortas de maneira acidental. Mas, muitos se lembram da emblemática cena final, quando Rose tenta provar que não é a responsável pela terrível doença, e também da transformação do próprio Keloid em uma criatura insana, sendo visto sob os domínios da polícia.

Necessário para os dias atuais e para quem é fãs de produções com características apocalípticas, Rabid ainda mantém sua força narrativa após mais de quarenta anos de seu lançamento. O longa foi lançado em DVD pela Versátil no box Zumbis no Cinema – Vol. 2, ao lado de A Volta dos Mortos-Vivos (85), Pavor na Cidade dos Zumbis e Noites de Terror, ambos de 81. Como extra contém uma entrevista de 21 minutos com o diretor David Cronenberg.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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