Doutor Sono (2014)

4.7
(3)
Doutor Sono
Original:Doctor Sleep
Ano:2014•País:EUA
Autor:Stephen King•Editora: Suma de Letras

O que aconteceu com a família sobrevivente de Cujo? Adotaram outro cão? Iniciaram uma campanha pela vacinação e extermínio de morcegos? Será que o escritor Paul Sheldon emplacou outra obra depois de Misery? Mudou seu contato com os fãs? E a cidade de Chamberlain? Continua realizando festas de formatura, mesmo depois do episódio envolvendo a jovem Carrie White? Essas dúvidas, típicas de fãs presentes em encontros com o autor e que provavelmente rondam os leitores, dificilmente são respondidas pelo mestre Stephen King. Nas Notas do Autor, ao final do livro Doutor Sono, ele revela que não tem muito o costume de retornar para núcleos já desenvolvidos, embora vivesse se auto-questionando sobre o jovem iluminado Dan Torrance, do livro O Iluminado.

Dentre todos aqueles que compõem sua galeria de personagens, Dan sempre deixou evidências de ser um dos mais fascinantes. Dotado de um poder de comunicação psíquica, e que era uma janela para presenças sobrenaturais, ele foi essencial para a sobrevivência dele e de sua mãe durante a longa estadia no Hotel Overlook, durante o período em que seu pai esteve alterado. Contudo, o que teria acontecido com ele, após os incidentes daquele rigoroso inverno? Será que a convivência com um pai alcoólatra traria traumas e heranças no futuro? Ele continuaria lidando com seu poder ou encontraria um meio de abafá-lo para ter uma vida normal? O livro Doutor Sono resume a vida do personagem até a fase adulta, apresentando os meios como ele conseguiu conter temporariamente os fantasmas do Hotel, o que consequentemente o conduziu ao vício da bebida e a capacidade de lidar com a morte. Traz velhos conhecidos, muitos novos e dois importantes elementos: a jovem e poderosa Abra e o temível Verdadeiro Nó

Mesmo com o incêndio do Hotel Overlook – ignore a versão de Kubrick, King praticamente implora por isso -, Danny não conseguiu afastar as lembranças de sua rápida passagem no local. Alguns fantasmas continuam seguindo-o em sua vida adulta, levando-o ao inevitável vício pela bebida. Depois de uma ação estúpida com uma garota, ele se muda para New Hampshire e decide buscar ajuda em um grupo de Alcoólicos Anônimos, além de um emprego em um hospital auxiliando os pacientes à “passagem“, tornando a morte menos traumática e mais tranquila como um sono profundo. Assim, adquire o apelido de Doutor Sono ao explorar seu dom de maneira benéfica, em momentos bem emocionantes de despedidas.

A narrativa também apresenta a pequena Abra, uma garota também “iluminada“, que, desde seu nascimento, teria previsto até mesmo a queda do World Trade Center em um atentado terrorista. Enquanto assombra seus pais e familiares com ações que vão além da comunicação e também envolvem a telecinesia, a pequena desperta a atenção de um grupo de “vampiros” que preserva a vida se alimentando da essência de jovens dotados de poderes psíquicos, apelidados por eles como “vapor dos camponeses“. Depois de iniciar com o recrutamento de uma jovem, o grupo, em seus nomes curiosos, atravessam o país em trailers, sem chamar a atenção. Logo, Dan passará a se comunicar com a jovem, e juntos montarão uma equipe para investigar e eliminar essas criaturas sobrenaturais, liderados por Rose Cartola.

Na aguardada continuação de O Iluminado, King acerta ao mudar a linha narrativa para algo além de fantasmas, hotel e iluminados. Desenvolve vilões numerosos, personagens carismáticos, ao passo que permite que o leitor continue admirando Danny mesmo depois de seus erros iniciais. Ainda distante do Hotel, o leitor ainda sente sua presença incômoda, revisitando episódios como o quarto 217 e velhos fantasmas. Aterrorizado por constantes e assustadores pesadelos, Dan se mostra consciente de seus poderes e os utiliza na comunicação e trocas com a pequena, preparando-se aos poucos para os desafios que virão no combate aos vilões.

Se a leitura mantém a fluidez de costume do autor, sem cansar o leitor, por outro lado, ela parece facilitar nos enfrentamentos e no “nó”. A impressão deixada é que os heróis nunca são verdadeiramente ameaçados pelos inimigos, que vão se destruindo em suas próprias atitudes. Parece que o autor se envolveu demais com suas criações e teme que ações ousadas possam machucá-las, torná-las mais frágeis. Assim Doutor Sono se torna uma das publicações menos agressivas do autor, ainda que provoque os arrepios de sempre, com suas descrições envoltas em calafrios.

Sem o mesmo impacto da obra original, bastante defendida também pelo autor ao ainda repudiar a versão cinematográfica de 1980, Doutor Sono é uma boa consequência aos eventos de O Iluminado. Vale a pena conhecer antes da adaptação que virá no final do ano para ter algumas das respostas que procurou desde que visitara o Hotel Overlook pela primeira vez.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Doutor Sono (2014)

  • 16/04/2023 em 07:24
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    Uma sequência digna de O Iluminado, tanto o livro quanto o filme (apesar de suas diferenças) ficaram ótimos.

    Resposta

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