Zombie Holocaust (1980)

3.8
(9)

Zombie Holocaust
Original:Zombi Holocaust
Ano:1980•País:Itália
Direção:Marino Girolami
Roteiro:Fabrizio De Angelis, Walter Patriarca, Romano Scandariato
Produção:Gianfranco Couyoumdjian, Fabrizio De Angelis, Terry Levene
Elenco:Ian McCulloch, Alexandra Delli Colli, Sherry Buchanan, Peter O'Neal, Donald O'Brien, Dakkar, Walter Patriarca, Linda Fumis, Roberto Resra, Franco Ukmar, Giovanni Ukmar, Angelo Ragusa

O encontro dos canibais italianos com a Ilha do Dr. Moreau, de H.G.Wells. Pelo menos essa poderia ser uma forma de se referir ao horror Zombie Holocaust, de Marino Girolami, lançado na época em que o ciclo das canibais italianos e os zumbis consumistas de George A. Romero eram assuntos nos estúdios de cinema. Foi feito na mesma época em que Lucio Fulci lançava o seu Zumbi 2 – A Volta dos Mortos. em 79, e também com pequena diferença em relação a Cannibal Holocaust, de Ruggero Deodato. Basicamente, as duas temáticas torturavam os roteiristas, que tinham buscar justificativas para colocar em cena tribos canibais ou mortos-vivos, mesmo que a proposta possa não dialogar bem com sua realização.

Assim não é difícil entender suas falhas. Sem um cuidado técnico adequado, nem um trato melhor no roteiro, desenvolvido por Romano Scandariato (de Emanuelle e os Últimos Canibais) a partir de um argumento de Fabrizio De Angelis, mais conhecido pela função de produtor de obras como Noites Pornôs no Mundo (1977), Zombie – A Volta dos Mortos (1979), Terror nas Trevas (1981), A Casa do Cemitério (1981), entre outras, nota-se quase que uma produção feita às pressas para aproveitar os embalos do período. Não teve o reconhecimento que se esperava – e “reconhecimento“, na época, poderia ser traduzido como “fazer parte dos videos nasties“, com cópias censuradas e proibição de lançamento em diversos países.

Pode-se dizer que Zombie Holocaust herdou as picaretices italianas, com diversos títulos pretensiosos, escolhidos para atrair curiosos. Chegou a ser lançado como Island of the Last Zombies (provavelmente pela associação aos últimos canibais de outros títulos), Queen of the Cannibals (nesse caso, um título que funciona mais como spoiler do que qualquer outra coisa) e até Zombie 3 (como se fosse continuação do filme de Lucio Fulci, que teve o título de Zumbi 2 para fingir uma conexão com Despertar dos Mortos, lançado também como Zombie). Mas também teve outros absurdos: Zombie Death Cult (Alemanha), Anthropophage Holocaust (França), Dr. Butcher (Finlândia, EUA), Cementerio de los zombies (Mèxico), Zombie Inferno (Suíça) e até Zombies Cannibal Ferox (na Alemanha ocidental).

No Brasil, o filme teve uma passagem pelos cinemas em 3 de agosto de 1981 com o título Zumbi Holocausto, dividindo a atenção do público com filmes como Fúria de Titãs e Cães de Guerra, de John Irvin. O mais interessante é sinopse brasileira: “Horror sobre as ameaças de zumbis contra pessoas desprevenidas.“. Não sei o que as pessoas poderiam pensar na época: “querido, vamos ver aquele filme de zumbis que estreou? Parece que eles convivem na sociedade, atacando pessoas que não estão preparadas.“. E o marido imaginando um morto-vivo dizendo para as pessoas na rua: “Eu vou te matar. Fiquem em suas casas. Se sair, será devorado vivo.

Com aspecto amador, o longa começa no anoitecer de um hospital, e a caminhada solitária de um aparente médico pelos corredores – pela aparência deserta, imagino que seja o mesmo hospital de Halloween 2. Ele chega ao necrotério, abre uma valise de acessórios cirúrgicos e serra a mão de um cadáver, colocando-a gentilmente em um saco plástico, antes de ir embora. No dia seguinte, durante a aula prática de anatomia com o Dr. Drydock (Walter Patriarca), é escolhido exatamente o cadáver sem uma das mãos, chamando a atenção dos presentes, que até ignoram os estudos de apresentação de um estômago. A médica assistente Lori (Alexandra Delli Colli) comenta que é a segunda vez em que isso acontece, o que faz o professor dizer: “Hoje em dia, em Nova York? Se fosse na Idade Média…“, tendo como resposta uma pergunta retórica: “Somos mais civilizados que antigamente?“, já esboçando uma crítica que acompanharia produções do período principalmente Cannibal Holocaust.

Um novo corpo tem uma parte desaparecida, desta vez o coração. O professor então pede sigilo à enfermeira que se ausentou por dez minutos, dizendo que pode ter sido alvo de estudos. Apesar do sigilo, mais tarde, enquanto se despia em casa, Lori recebe a visita importuna da jornalista Susan Kelly (Sherry Buchanan), do New York Express, com perguntas sobre as partes desaparecidas. A presença dela ali mostra que Lori tem doutorado em antropologia, e que possui em sua casa itens de estudo como máscaras e um punhal, com um estranho símbolo. Mais tarde, o ladrão de corpos é pego em flagrante se alimentando do coração de um outro cadáver – se era só para se alimentar, por que antes ele levava em saquinho? Comer mais tarde, enquanto assiste futebol? -, revelando ser o enfermeiro Turan (Turam Quibo).

Para evitar a prisão, Turan se joga da janela do hospital, com seu corpo sendo mostrado caindo até o solo. Como se trata de um evidente boneco, tente não rir ao perceber que no contato com o solo, o braço se desprende do manequim. Ao mostrá-lo de perto na cena seguinte, o braço está novamente no local, com o boneco sendo substituído pelo ator. Com destaque para a marca que possui no corpo ser a mesma do punhal de Lori, antes de morrer Turan diz: “Kito ordenou.” Em conversa com o Dr. Peter Chandler (Ian McCulloch), Lori revela que “Kito” é oriundo do sudeste asiático e significa “ilha divina“, e que tem raízes principalmente no arquipélago Moluques, onde ainda habitam canibais.

Após ver slides com imagens de cadáveres comidos pelos canibais e notar o mesmo símbolo em um dos corpos, eles buscam informação com o “melhor antropólogo dos Estados Unidos” o Professor Stafford (Romano Scandariato), que diz que essas ilhas faziam adorações ao Deus Kito e que o ritual envolvia o tal símbolo. Intrigado pelo mistério, Chandler convida Lori para se juntar a uma expedição, ainda mais pelo fato dela estar assustada por seu apartamento ter sido invadido. Apesar do punhal estar ali exposto com fácil visualização, por alguma razão quem invadiu o local revirou todos os móveis em busca do artefato (!!!). Antes de partir Lori revela que residiu em Moluques quando criança em uma “fase mais divertida da vida” – a atuação de Alexandra Delli Colli, que depois faria ainda O Estripador de Nova York, é extremamente horrível, sem que ela consiga demonstrar qualquer sintonia com o que está dizendo.

 

Partem para Kito, na Indonésia, Chandler, Lori, o assistente George Harper (Peter O’Neal) e a jornalista atrevida Susan. Na ilha, encontram o Dr. Obrero (Donald O’Brien), residente no local, e ele dispõem para a viagem o guia Molotto (Dakar, antigo lutador de luta-livre na Argentina) e alguns nativos. Cansada da viagem, Lori exibe seu corpo mais uma vez, antes de perceber que deixaram em sua cama uma cabeça, como um aviso para desistir das buscas. Contudo, a expedição para a ilha continua, apesar do barco apresentar problemas e eles terem que parar num local vizinho ao pretendido. A falha técnica faz com que o barco os conduza para a ilha certa, já que não era a intenção de Obrero e nem Molotto. Eles adentram pela mata, seguindo produções do período, sendo incomodados o tempo todo por canibais, que passam a eliminar parte do elenco de apoio com suas armadilhas e ataques agressivos, com direito a órgãos expostos e olhos arrancados com a mão.

E os zumbis do título? Imagine que você está vendo Cannibal Holocaust com os jovens cineastas fazendo a reportagem sobre os canibais da região, quando são mortalmente atacados. Antes de virarem sopa, os nativos fogem quando aparecem zumbis por todos os lados. É bem isso. Quando o espectador já tinha até esquecido que eles estão no título, eles aparecem em maquiagens tosquícimas, envoltas em próteses e aspectos cadavéricos apenas no rosto. Parece que os zumbis da ilha não sofrem decomposição do pescoço para baixo!

Na verdade, se é que você se importa com spoilers sobre uma produção de quarenta anos atrás, a desculpa para os mortos-vivos serem canibais se deve ao fato de fazerem parte de uma experiência de um cientista louco que, pelo bem da humanidade, resolveu usar o cérebro de pessoas vivas em cadáveres, justificando assim a sobrevida. Como a experiência é feita com canibais, os mortos voltam à vida e continuam se saciando de carne humana. Só não explica por que o médico não é incomodado o tempo todo por canibais e a razão deles temerem os zumbis. Como se nota, uma ilha com experiências envolvendo corpos tem similaridade com a obra de H.G.Wells, sem se esquivar dos canibais que comandavam o período.

E há também uma surpresa envolvendo a relação de Lori com a ilha, revelada naquele título inglês Queen of the Cannibals. Como a atriz era bastante limitada, não permitiu que o espectador pudesse perceber suas ações dúbias, tanto que na sequência em que ela se entrega à pintura de seu corpo, ela parece estar em transe. O problema é que ela não está. Durante um confronto com o cientista louco, ela foge para buscar abrigo com os canibais, aqueles mesmos que uns vinte minutos antes tentaram devorá-la. Vai entender…

Embora haja um esforço pela mudança narrativa, a combinação mortos-vivos e canibais não funcionou muito bem. Zombie Holocaust se mostra uma das produções mais fracas do período, sem empolgar, com efeitos risíveis, produção paupérrima e atuações desastrosas. O único destaque fica por conta de Ian McCulloch, que havia interpretado um Peter em Zombie – A Volta dos Mortos, e também esteve em outros filmes importantes como O Carrasco de Pedra (1967), O Soro Maldito (1971), O Carniçal (1975), além de Alien – O Monstro Assassino (1980) e episódios de séries. Trabalhou pouco, principalmente depois dos anos 90, mas está na ativa e poderá ser visto no terror independente The Witches of the Sands, de Tony Mardon, que será lançado este ano.

Não se engane pelo título e pela possibilidade animadora de ver um Zumbis Vs Canibais. Zombie Holocaust vale pela curiosidade em conhecer mais uma obra que abrange um período de voracidade e aventuras em matas, propondo a discussão sobre a verdadeira natureza do homem selvagem.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Zombie Holocaust (1980)

  • 23/09/2022 em 19:57
    Permalink

    Assisti no saudoso cine Plaza em Curitiba, gaze ando aula da faculdade. A cena que Peter enfrenta o zumbi com o motor de popa e antológica … AMO este filme incrível !

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