O Último Tubarão (1981)

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É a partir de então que O Último Tubarão finalmente mostra a que veio: muita ação, violência e cenas tão absurdas que ficam no limite do trash. Castellari costuma usar miniaturas para criar cenas de ação mais baratas (a exemplo do compatriota Antonio Margheritti), mas aqui ele força a barra numa ridícula cena em que o tubarão puxa um helicóptero para dentro do mar (copiada de Tubarão 2), pois percebe-se claramente que a aeronave é um brinquedinho de plástico dos mais toscos!

O Último Tubarão (1981) (5)

E se Spielberg, em Tubarão, preferiu investir no clima, mostrando o animal em todo o seu esplendor apenas na conclusão (até porque o bicho mecânico que tinham construído para o filme só dava problemas), Castellari foi na contramão: mostra o bichão toda hora, seja através de cenas retiradas de documentários (algumas tão granuladas que parecem ter 100 anos de idade), seja através de um monstrão mecânico bem parecido com seu primo norte-americano, sem expressão, que não faz muita coisa além de emergir do oceano com a bocarra aberta (e, estranhamente, nunca fecha a boca, nem para mastigar!).

O tubarão italiano foi projetado por Antonio Corridori (o mesmo que fez as piranhas voadoras de Piranha 2!!!), e é tão falso que parece que mais cedo ou mais tarde vai aparecer um made in Italy escrito na cabeça do bicho.

Para piorar, as cenas reais de documentários usadas na edição mostram tubarões de todos os tamanhos e cores, alguns deles bem diferentes do tubarão mecânico usado nas cenas em close. Realismo zero, diversão 10!

Mas Castellari não está nem ligando. Ele parece mais interessado nos ataques do tubarão, no sangue, na violência, na ação, no sensacionalismo tão característico do cinema italiano da época. Tanto Spielberg em Tubarão quanto Szwarc em Tubarão 2 fizeram questão de mostrar o quão devastador é um ataque de tubarão. Nunca me esqueço de um momento da Parte 2 em que o tubarão abocanha e puxa um garoto que estava inutilmente tentando se segurar ao casco de um barco, e a violência do ataque é tamanha que a vítima é levada para o fundo do mar ainda segurando nas mãos um pedaço de madeira arrancado do casco.

Castellari tentou fazer coisa semelhante nas cenas de “ataques explosivos” do seu tubarão, quando as vítimas saem voando em câmera lenta, um efeito exagerado (que lembra mais uma explosão no mar do que um ataque de tubarão), mas que é visualmente instigante e bem realizado. O homem sabe o que faz, e, pelo visto, não dá muita bola para a lógica!

Como ponto criativo da produção italiana, há um toque Cannibal Holocaust no enredo, graças à presença do ambicioso repórter Bob Martin (Timothy Brent, ou Giancarlo Prete, outro que trabalha seguido com Castellari). Ele parece obcecado em levar a fúria do tubarão para o noticiário das oito, e continua com a câmera ligada mesmo quando, entre as vítimas, está o seu cameraman Jimmy (Massimo Vanni, também da turma de atores confirmados do diretor).

Martin chega a contratar um caçador dos bons, Briley (Romano Puppo), para destruir o predador em rede nacional. E, quando a coisa dá errado, ele prefere ficar filmando o ataque do monstro a buscar ajuda. Não lembra o nosso amigo Allan Yates de Cannibal Holocaust?

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O Último Tubarão também tem um senso moralista de justiça que você não vê nos filmes norte-americanos do Spielberg e do Szwarc. Nos originais, nada acontecia ao prefeito de Amity que não acreditava na ameaça do tubarão, enquanto aqui o prefeito Wells é o protagonista de uma das cenas mais sangrentas do longa: tentando agarrar-se ao trem de pouso de um helicóptero após cair no mar, o político tem as duas pernas decepadas pela mordida do tubarão. Mas o mais legal é que, 10 minutos antes, Castellari transformou o mesquinho e vilanesco Wells num personagem simpático, ao mostrá-lo consumido pela culpa das mortes provocadas pelo tubarão, a ponto de resolver acabar ele mesmo com a ameaça que está aterrorizando a “sua” cidade.

Além dos “ataques explosivos”, um outro exagero da italianada é apresentar um tubarão absurdamente inteligente, que parece raciocinar ao ponto de rebocar um pedaço do cais, repleto de possíveis vítimas, para o meio do mar.

Mas o momento mais absurdo (e portanto engraçado) é aquele em que a fera empurra enormes pedras com a cabeça (!!!) para trancar a entrada de uma gruta submarina onde estão presos dois mergulhadores. Aí é inteligência demais para um ser que deveria ser irracional! Se o roteiro tivesse inventado alguma mutação radioativa ou experiência genética para explicar a esperteza do bicho (como Renny Harlin fez anos depois no divertido Do Fundo do Mar), vá lá…

Por essas e por outras, pode-se dizer que O Último Tubarão é uma boa diversão. As cenas ridículas e imbecis apenas tornam o programa mais engraçado, ao invés de enfurecer o espectador. Já o roteiro não tem grandes enrolações: quem acha o Tubarão de Spielberg muito longo na sua criação de clima, não vai poder se queixar da quantidade de ataques de tubarão mostrados por Castellari.

Tudo bem que os roteiristas Princi e Mannini mostram toda a sua incompetência ao utilizar TRÊS VEZES o mesmo artifício de alguém tentando “pescar” o tubarão com um pedação de carne preso a um gancho. Tudo bem que o filme tenha vários pontos fracos. Tudo bem que às vezes apele para soluções forçadas – como um cadáver cheio de explosivos que aparece de repente bem na hora em que o herói está encurralado pelo tubarão!

Mas é justamente por isso, e pela cara-de-pau de copiar a fórmula de sucesso do cinema norte-americano, que o filme de Castellari é divertido.

Quer outro exemplo simplesmente hilariante de “forçada de barra”? Na conclusão, o personagem de James Franciscus só precisa apertar o botão de um detonador para explodir o grande vilão da história em pedacinhos.

Porém, mantendo o clima exageradamente engraçado da película, ele grita um dramático “Maldito seja!” em câmera lenta e inexplicavelmente, também em slow-motion, salta para dentro do mar, apertando o tal botão enquanto está no ar!!!

Uma cena que não tem qualquer razão de existir além de criar mais um efeito “climático” em câmera lenta – até porque seria anti-heroico mostrar o galã do filme confortavelmente sentado de pernas cruzadas e apertando aquele botão sem qualquer emoção.

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É esse clima de absurdo e de fanfarronice que permeia o filme todo, fazendo-o um programa divertido para quem curte as bobagens do gênero, e com ótimas cenas aquáticas, ao contrário de outras tranqueiras italianas da época.

Algumas curiosidades: a trilha sonora de Guido e Maurizio de Angelis tenta (sem sucesso) copiar o famoso tema de suspense de John Williams em Tubarão. A família do diretor participa em peso: além da filha Stefania, aparecem seu outro filho, Andrea, e seu irmão Ennio Girolami (com o tradicional pseudônimo americanizado Thomas Moore). O roteiro lembra muito uma outra cópia italiana de Tubarão: o trash Tentáculos, de Ovídio G. Assonitis, que também tem uma regata onde o monstro faz a festa.

E até o pôster original italiano é uma cópia da franquia norte-americana, neste caso de Tubarão 2: enquanto no cartaz do filme norte-americano o tubarão aparece prestes a abocanhar uma garota que pratica esqui aquático, no pôster do filme de Castellari o bichão abre a bocarra para engolir um praticante de windsurf (ou seja, só muda o esporte!).

Claro que O Último Tubarão não pode e nem deve ser comparado com Tubarão, como fizeram os enfurecidos executivos da Universal. Enquanto o filme de Spielberg era um hambúrguer com sabor de caviar (em outras palavras, um filme-pipoca muito bem realizado que o tempo transformou num clássico do gênero), a versão de Castellari não tem a mesma pretensão, é apenas um saboroso prato de espaguete à bolonhesa, daquele tipo servido em qualquer restaurante de quinta categoria, que enche a barriga e mata a fome, mas não passa disso (e nem pretende passar).

Não há as grandiloquências do clássico dirigido por Spielberg, como aquele longo diálogo em que Quint explicava seu primeiro encontro com tubarões durante a guerra, e nem a mesma dedicação à construção dos personagens. Enquanto aqui Hammer aparece como uma versão italiana mais sarcástica e menos séria de Quint, um homem de ação sem monólogos como sua contraparte norte-americana, o protagonista Peter é a soma de dois personagens de Tubarão, o xerife interpretado por Roy Scheider e o oceanógrafo vivido por Richard Dreyfuss, mas sem um pingo do carisma de ambos. Isso porque Castellari parece desinteressado em criar personagens críveis ou filosoficamente complexos, como os de Spielberg; seu negócio é colocar no filme heróis durões e vítimas anônimas para serem devoradas pelo tubarão.

Em suma: o que parece é que Castellari não quis fazer um novo Tubarão, e estava plenamente consciente de que o material que tinha em mãos nunca seria um clássico. Seu objetivo é apenas o de divertir o público, e isso ele consegue fazer perfeitamente bem – mais até do que algumas continuações “oficiais” de Tubarão. Também é bem melhor do que outras imitações do filme de Spielberg feitas na Itália, como Tubarão Vermelho, dirigido por Lamberto Bava em 1984, e Sangue Negli Abissi, dirigido por Joe D’Amato em 1989, e inédito no Brasil.

Por último, mas não menos importante, O Último Tubarão é um reflexo da produção barata italiana do seu período – produção esta que, infelizmente, não existe mais. Era um cinema calcado, sim, nas fórmulas de sucesso de Hollywood, mas atire a primeira pedra quem nunca pecou (o cinema brasileiro não está, hoje, fazendo a mesma coisa com um pouquinho mais de recursos?).

E filmes como este de Castellari eram, acima de tudo, o reflexo de um cinema despretensioso, que buscava apenas o lucro. Em outras palavras: precisava entreter, divertir o público, para dar lucro rápido e fácil, pois os produtores não podiam se dar ao luxo de mandar um filme “autoral” aos cinemas e não conseguir pagá-lo.

Assim, O Último Tubarão permanece hoje como um dos muitos exemplos deste cinema realizado com poucos meios, poucos recursos e principalmente pouco dinheiro, mas riquíssimo em ideias, em criatividade e em improviso.

Infelizmente, hoje tem muito diretorzinho pretensioso e metido a gênio, inclusive aqui no Brasil, sem a mesma preocupação de divertir as massas que tinham aqueles pobres italianos duas décadas atrás… Pior: torrando milhões de dólares, reais, liras, ienes, muitas vezes às custas do governo!

Ah, e como “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, o saudoso Bruno Mattei roubou quase todas as cenas de O Último Tubarão e editou-as no seu terrível Tubarão Cruel (lançado como Tubarão 5 em alguns países!!!!), de 1995. Até o tubarão detonando o helicóptero está lá: tudo que o velho picareta fez foi editar as cenas gravadas por Castellari com closes dos atores do “seu” filme. E Mattei, milagrosamente, não sofreu nenhum processo judicial!

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Felipe M. Guerra

Jornalista por profissão e Cineasta por paixão. Diretor da saga "Entrei em Pânico...", entre muitos outros. Escreve para o Blog Filmes para Doidos!

18 thoughts on “O Último Tubarão (1981)

  • 26/04/2022 em 14:14
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    Esse é um daqueles “tão ruim que chega a ser bom”

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  • 29/10/2020 em 21:26
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    Eu me lembro que esse filme era um daqueles clássicos que eram exibidos no extinto “Sessão das Dez”, no SBT, isso lá no começo dos anos 90.

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  • 06/02/2016 em 10:43
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    A minha JAWS RIP-OFF favorita, e, de quebra, a melhor de todas.

    Uma correção, Felipe:
    As piranhas de PIRANHA 2 foram criadas pelo mestre Giannetto de Rossi.

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    • 03/04/2021 em 16:17
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      Esse filme até que é divertido, na década de 80 a galera tava mais interessada em assistir essas pérolas , sentados em seus sofás após o programa do Silvio. A diversão era garantida e ninguém estava nem aí para plágios, esses filmes de feras assassinas foram uma febre, garantindo aquela mistura de medo e curiosidade. Se o filme se levou a sério eu não sei, mas que fez muita gente dormir tarde num domingo de noite fez. Saudosos anos 80.

      Resposta
    • 03/04/2021 em 16:17
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      Esse filme até que é divertido, na década de 80 a galera tava mais interessada em assistir essas pérolas , sentados em seus sofás após o programa do Silvio. A diversão era garantida e ninguém estava nem aí para plágios, esses filmes de feras assassinas foram uma febre, garantindo aquela mistura de medo e curiosidade. Se o filme se levou a sério eu não sei, mas que fez muita gente dormir tarde num domingo de noite fez. Saudosos anos 80.

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  • 17/11/2014 em 05:36
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    Excelente Post , esse filme é um clássico da picaretagem kkkkk muito bom para assistir e se divertir rindo da malandragem italiano ao copiar filmes americanos de sucesso .

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  • 08/04/2014 em 13:33
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    OBS:
    Só falta ser lançado em DVD aqui no Brasil, em uma Edição Especial em Widescreen, imagem digital, extras bacanas… tudo que tem direito!!!!!!!!!!!!

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  • 08/04/2014 em 13:29
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    De todas as “Jaws-Rip-offs” que existem, esta é A MELHOR de todas!
    Tem tudo que uma Rip-off de verdade merece, e tudo que o cinema italiano oferece: atuações exageradas, diálogos absurdos, efeitos especiais duvidosos… Tudo para nos divertir toda vez que assistimos!!!!!
    Um filme extremamente divertido, tenso e assustador, do jeito que era o cinema italiano daquela época.
    Se procura diversão e um ótimo filme, eu recomendo “O Ultimo Tubarão”.
    E como eu adoro filmes italianos de horror e adoro filmes B, é uma combinação perfeita!!!!!!!!!
    Excelente!!!!!!!!!!!!!

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  • 19/07/2013 em 18:15
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    O Ultimo Tubarão é um classicos por si so,passou varias vezes na decada de 80 entre Sessão das Dez na TVS como tambem na Sessões de filmes da TV RECORD .,como Poltrona 7.Especial do Mes ,etc ,sua ultima exibição na tv aberta foi na CNT em 1998 na Sessão das Oito , nesta sessão de filme passou filmes com :A Batalha de Anzio ,Zorro dentre outros que não lembro agora ,valeu pelo o post ,Felipe !

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  • 18/07/2013 em 16:59
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    O velho e bom Castellari certamente não vai ser lembrado por filmes como esse e, sim, pelo western Keoma, com Franco Nero.

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  • 12/07/2013 em 16:25
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    Filme d tubarão é massa , mas não da pra negar q algumas cenas desse filme são ”quase copias ” da obra prima do spielberg tubarão (1975)

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  • 11/07/2013 em 16:20
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    Q tri q vc voltou p BOCA felipe … Adoro suas criticas longas …. espero q n suma dessa vz ok ! Abração !

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    • 18/12/2023 em 19:02
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      É não há como negar o plágio de roteiro, história, personagens e cenas do grande clássico e melhor filme de tubarao de todos os tempos de Steven Spielberg. Um bom genérico italiano que acabou marcando presença também.

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