O cinema italiano de gênero, especialmente nos anos ’70 e ’80, apresentou dúzias de atores cujo principal talento não era a capacidade dramática, e sim sua aparência física. Era uma época e lugar em que pessoas que possuíssem feições incomuns poderiam ganhar diversos papéis em filmes de terror e aventura, sendo muitas vezes dublados por profissionais.
Salvatore Baccaro nasceu em 6 de maio de 1932 em Roccamandolfi, cidade de menos de mil habitantes na província de Molise. Sua aparência atarracada e cabeça grande, semelhante a um homem de Neanderthal, era causada pela acromegalia, doença genética que faz com que mãos, pés e rosto cresçam desproporcionalmente. Ainda assim, Baccaro era conhecido por ser uma figura extremamente simpática – seu irmão Armando o descrevia como “amigo de todos“.
Ainda jovem, Baccaro se mudou para Roma em busca de oportunidades, e conseguiu emprego de vendedor em uma barraca de flores. Se não fosse pelo fato de tal barraca estar localizada no estúdio de cinema De Paolis, essa história pararia por aqui. Mas estando à vista de cineastas o dia inteiro, as feições de Baccaro acabaram chamando a atenção do diretor Carmelo Bene, que o convidou para trabalhar como extra no seu épico bíblico-psicodélico Salomé.
Entre 1970 e 1984, Baccaro estrelou em sessenta e seis filmes. Seus primeiros papéis não creditados foram como figurante em westerns spaghetti e produções eróticas que vinham na cola do Decameron de Pasolini. Ele também chegou a interpretar o Diabo em Le notti peccaminose di Pietro l’Aretino, e King Kong em I Due Figli di Trinitá, comédia western que tentava faturar em cima dos filmes da série Trinity.
Baccaro era capaz de interpretar homens das cavernas, ogros, golems e monstros sem precisar de nenhuma maquiagem. Entre os filmes que estreou, encontramos nomes exóticos como Decameron proibitissimo – Boccaccio mio statte zitto (Decamerão Proibidíssimo – Boccacio, Meu filho, você está louco), Li chiamavano i tre moschettieri… invece erano quattro (Os Chamavam Os Três Mosqueteiros, Mas Eram Quatro) e Il gatto di Brooklyn aspirante detective (O Gato do Brooklyn que Queria ser Detetive) Eram papéis sem uma gota de glamour, mas que causava orgulho aos seus familiares e antigos vizinhos em Roccamandolfi.
Em 1975, Baccaro teve uma ponta rápida, mas memorável, em Prelúdio para Matar, de Dario Argento, onde interpretou um vendedor de barraca de frutas. A cena é curta, mas serve como homenagem à forma como o ator começou sua carreira.
Em 1976, Baccaro encarou nudez completa em Sallon Kitty, de Tinto Brass. Na cena, um grupo de mulheres estão sendo testadas para servirem como prostitutas do maior bordel da Alemanha nazista, o que envolve ir para a cama com uma série de pessoas deformadas, inclusive o Neanderthal interpretado por Baccaro. O filme acabou gerando uma profusão de plágios, e no ano seguinte Bruno Mattei lançou SS Girls, que possui um roteiro quase idêntico ao filme de Brass – inclusive a cena do teste. A cara de pau de Mattei foi tamanha que ela convidou Baccaro para repetir seu papel, com nudez e tudo.
Mas o papel mais marcante do ator foi em outro nazi-exploitation de 1977, The Beast in Heat, onde faz um mutante criado pelos nazistas para violentar prisioneiras. O mal gosto extremo do filme não pareceu incomodar Baccaro, que se entrega ao papel de corpo e alma. O tipo de bizarrice que só era possível no cinema italiano exploitation, e que inclui o momento em que o mutante come os pelos púbicos de uma vítima.
Baccaro trabalhou novamente com Mattei em Calígula e Messalina, com co-direção de Jean-Jacques Renon, mais uma vez um plágio de um filme de Tinto Brass, no caso Calígula de 1979. Papeis pequenos se seguiram, até que em 1984 ele foi oferecido um papel no filme O Nome da Rosa. Enquanto ainda estudava o roteiro do que poderia ser seu primeiro grande papel num filme mainstream, Baccaro teve de ser internado para uma cirurgia de tireoide, durante a qual sofreu um infarto fulminante que tirou sua vida.
A morte de Baccaro foi mantida em segredo ao grande público, e muitos se perguntaram por onde ele andava desde o lançamento de Tutti Dentro, seu último filme. Apenas em 2004 seu irmão Armando revelou em uma entrevista que o ator havia morrido em 1984, aos cinquenta e dois anos. Uma placa foi erigida na cidade em sua homenagem em Roccamandolfi, celebrando a curiosa vida do cidadão mais famoso da cidade, e um dos pilares do cinema de gênero da Itália.