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Se você cresceu entre os anos 1960 e 1990, com certeza foi criado com uma dieta à base de desenhos animados dos estúdios Hanna-Barbera. Os Flintstones (The Flintstones, 1960 – 1966), Os Jetsons (The Jetsons, 1962 – 1963), Formiga Atômica (The Atom Ant Show, 1965 – 1968), Corrida Maluca (Wacky Races, 1968 – 1969) e Space Ghost (1966 – 1968) são apenas algumas das centenas de séries animadas produzidas pelos lendários William Hanna e Joseph Barbera. E, como o assunto aqui no Boca do Inferno é terror, talvez nenhum outro estúdio de animação focado no público infanto-juvenil tenha se aproximado tanto do nosso amado gênero quanto a H-B. Desenhos animados que apresentam turmas de adolescentes desvendando mistérios e enfrentando monstros e criaturas horripilantes, como Scooby-Doo (Scooby-Doo, Where Are You!, 1969 – 1978) e Tutubarão (Jabberjaw, 1976 – 1978), foram para muita gente a porta de entrada no terror. E não podemos nos esquecer das aventuras um tanto sombrias do garoto Jonny Quest (1964 – 1965).

Mesmo assim, não deixa de ser curioso que um dos roteiristas da Hanna-Barbera – e filho de Joseph Barbera – tenha escrito os roteiros do célebre e violento slasher Quem Matou Rosemary? (The Prowler, 1981) e de O Assassino do Sétimo Andar (Too Scared to Scream, 1984), que mistura elementos de Psicose (Psycho, 1960) com uma trama policial. Ao mesmo tempo que Neal Barbera criava episódios de séries amadas pelas crianças do mundo todo, como A Turma do Zé Colmeia (Yogi’s Gang, 1973 – 1975) e Capitão Caverna e as Panterinhas (Captain Caveman and the Teen Angels, 1977 – 1980), ele também imaginava maneiras criativas de matar pessoas nas telas do cinema.

Celebrando essa versátil e surpreendente carreira, o Boca do Inferno apresenta uma entrevista exclusiva com Neal diretamente de Los Angeles (esta entrevista só foi possível graças ao auxílio de Katia Moraes, a quem agradecemos imensamente).

Boca do Inferno: Neal, muito obrigado por conceder esta entrevista. Como alguém que cresceu assistindo aos desenhos animados da Hanna-Barbera e a filmes de terror, este é um grande momento para mim. Então, vamos lá! O quão fundo no terror os artistas da Hanna-Barbera podiam ir em programas infantis de investigação de mistérios como Scooby-Doo?

Neal: Nada fundo. Um desenho animado é sobre piadas e humor. Terror é sobre sangue e tripas, e não podíamos fazer isso em desenhos animados.

Boca do Inferno: E qual era sua relação com o terror antes de começar a trabalhar com o gênero?

Neal: Nenhuma, na verdade.

Boca do Inferno: Como surgiu a ideia para Quem Matou Rosemary??

Neal: Um colega escritor e eu pensamos sobre os diferentes gêneros e decidimos que o mais fácil de vender seria um filme de terror, então escolhemos um tema, “noite de formatura”, e começamos a matar pessoas.

Boca do Inferno: Por que escolheu um slasher como sua primeira incursão pelo terror? Era fã desse subgênero ou foi uma questão mercadológica?

Neal:  Eu não era fã, mas, ao discutirmos os diferentes gêneros (ação, comédia, romance, drama), descobrimos que o mais fácil de vender era um bom e velho filme de terror.

Boca do Inferno: Falando nisso, os tipos de personagem presentes nos slashers – o atleta, a patricinha, o palhaço, a nerd – são parecidos com os tipos de personagem da turma do Scooby-Doo (Velma daria uma ótima Garota Final!). E nos dois casos os vilões costumam usar máscaras. O que você acha dessa curiosa semelhança?

Neal: Eu acho engraçada.

Boca do Inferno: Você escreveu os roteiros de Quem Matou Rosemary? e O Assassino do Sétimo Andar com Glenn Leopold, que também era roteirista da Hanna-Barbera. Como surgiu essa parceria?

Neal: Acho que eu poderia ter esfaqueado o Glenn mil vezes porque ele falava demais. Mas essa não era uma solução plausível, então, em vez disso, escrevíamos. E, a propósito, ainda somos amigos.

Boca do Inferno: Como você e Glenn trabalhavam? Um de vocês vinha com uma ideia e o outro ajudava a desenvolver?

Neal: Discutíamos dezenas de conceitos e então escolhíamos aquele que achávamos que seria fácil de vender.

Boca do Inferno: No início de Quem Matou Rosemary? há uma sequência que se passa em 1945, e cenas de época costumam encarecer um filme. Considerando que se tratava de uma produção de baixo orçamento, foi uma decisão arriscada incluir essa sequência?

Neal: Foi uma decisão do diretor, Joe Zitto, e foi uma escolha dele. Tínhamos um ótimo artista de efeitos especiais, Tom Savini, e ele criava muitas maneiras diferentes de cortar pessoas e fazia isso de forma barata.

Boca do Inferno: Você chegou a acompanhar as filmagens de Quem Matou Rosemary? ou O Assassino do Sétimo Andar?

Neal: Sim, estive presente no set de Quem Matou Rosemary? por um curto período. Foi filmado em Cape May, Nova Jersey, e tinha uma atmosfera meio assustadora por ser uma antiga cidade vitoriana. Quanto a O Assassino do Sétimo Andar, fui banido do set porque o produtor e eu tivemos um desentendimento.

Boca do Inferno: E como você se sentiu ao ver pela primeira vez as cenas de gore que escreveu ganhando vida pelas mãos do mestre dos efeitos especiais de maquiagem Tom Savini (que aparentemente considera Quem Matou Rosemary? seu melhor trabalho)?

Neal: Bem, quando vi a cena em que a garota (Sherry, interpretada por Lisa Dunsheath) está no chuveiro e o namorado (Carl, interpretado por David Sederholm) está sentado na cama esperando por ela, e de repente uma faca atravessa o topo da cabeça dele e sai na ponta do queixo, fiquei atordoado. Não estava no roteiro, foi uma criação muito inteligente de Savini.

Boca do Inferno: Quem Matou Rosemary? termina com uma cena em que a protagonista Pam MacDonald (Vicky Dawson) é agarrada pelo cadáver de Carl, algo um tanto inusitado em um filme que não possui elementos sobrenaturais em nenhum outro momento. Esse desfecho foi pensado para providenciar aquele “susto final” que havia se tornado tendência após Carrie, a Estranha (Carrie, 1976)?

Neal: Não, isso foi ideia do diretor.

Boca do Inferno: Quem Matou Rosemary? passou por problemas de distribuição, o que diminuiu suas chances de alcançar um grande público. Como você lidou com isso na época do lançamento? E como foi acompanhar o filme se tornando cult ao longo do tempo?

Neal: Assim que assinamos o contrato, o filme passou a ser propriedade do comprador. O chefe do estúdio era maluco. Ele tomava todas as decisões pós-filmagem. Eu não sabia que seria tão popular. Deve haver muita gente desequilibrada por aí.

Boca do Inferno:  O Assassino do Sétimo Andar é um filme que possui elementos de slasher, mas investe bastante na ação policial, algo como um slasher para espectadores mais velhos. Era mesmo esse público que vocês estavam mirando?

Neal: Não. Esses filmes são sempre direcionados ao público mais jovem.

Boca do Inferno: Existia internamente na Hanna-Barbera algum receio pelo fato de um de seus roteiristas, especialmente sendo filho de Joseph Barbera, estar trabalhando com filmes tão sangrentos e contendo cenas de nudez?

Neal: Eles não sabiam que eu estava trabalhando em projetos fora do estúdio.

Boca do Inferno:  Era difícil conciliar o trabalho na Hanna-Barbera e a escrita de longas-metragens? Gostaria de ter trabalhado mais com filmes de terror?

Neal: Eram muitas horas extras. Mas, para ser sincero, eu preferia ter trabalhado com live action ou com comédias dramáticas para o cinema.

Boca do Inferno: Você possui algum roteiro de terror não produzido?

Neal: Sim, temos uma obra-prima intitulada Pumpkin Head. Costumávamos nos encontrar com o produtor, Sandy Howard, e a diretora Sherry Jackson, e não conseguíamos passar uma sessão sem rirmos muito.

Boca do Inferno: Qual seu trabalho preferido na animação e em live action e por quê?

Neal: Em animação, teria que ser o desenho animado de Tom & Jerry no qual Tom está tocando piano e Jerry, acordado de seu cochilo, pula para cima e para baixo nas teclas (Concerto para Gato e Piano (The Cat Concerto, 1947)). E em live action, meu filme favorito se chama Marcados para Morrer (End of Watch, 2012), um filme policial envolvente e assustador sobre dois caras (Jake Gyllenhaal e Michael Peña) que andam juntos e patrulham bairros de gangues em South Central Los Angeles. É um filme de terror. A cena de Tom & Jerry era genial. E Marcados para Morrer foi assustadoramente e incrivelmente realista. Não no sentido de terror, apenas uma história envolvente contada com realismo absoluto.

Boca do Inferno: Muito obrigado, Neal! E um grande abraço de todas as suas gerações de fãs no Brasil!

Neal: De nada – e, a propósito, Pumpkin Head ainda está no mercado. Boa sorte para você e obrigado pelo seu interesse.

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