4.5
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Garotos Mortos Não Podem Voar (1992) (6)

Garotos Mortos Não Podem Voar
Original:Dead Boyz Can't Fly
Ano:1992•País:EUA
Direção:Cecil Howard
Roteiro:Bert Goodman, Straw Weisman, Anne Wolff
Produção:Cecil Howard
Elenco:David John, Brad Friedman, Ruth Collins, Jason Stein, Dan J. Johnson, Sheila Kennedy, Judith Cummings, Daniel C. Mahar, Marc Macaulay, Kurt Sinclair, Delia Sheppard

Se você sai do trabalho para casa olhando para todos os lados e mal pode esperar até chegar ao seu apartamento supostamente seguro, com grades, alarmes e muitas chaves e trancas, Garotos Mortos Não Podem Voar (Dead Boyz Can´t Fly) não será visto como um filme, mas sim como uma dramática experiência do dia-a-dia. Até porque, guardadas as devidas proporções, histórias como esta que o filme retrata devem acontecer a todo momento nas grandes cidades em algum lugar do mundo.

A maior diferença é que as vítimas viram estatísticas na vida real, enquanto no cinema o espectador pode se compadecer com seu sofrimento e seu destino, mesmo que tudo não passe de uma obra de ficção.

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A melhor forma de definir este filme visivelmente classe B e com um título esquisito é a seguinte: imagine se filmes brutais como Quadrilha de Sádicos, O Massacre da Serra Elétrica e Fim de Semana Mortal se passassem não no meio do deserto, não no meio da selva, não em lugares isolados, mas bem no coração de uma grande cidade! Imagine psicopatas raivosos atacando inocentes num prédio de escritórios muito parecido com aquele onde você reside ou trabalha, e você terá uma ideia do quanto a história fica ainda mais assustadora, exatamente porque PODE acontecer.

Este, para mim, é o verdadeiro horror: histórias assustadoras da vida real, envolvendo pessoas comuns, enfim, coisas que realmente podem acontecer, ao contrário de fantasmas, zumbis e possessões demoníacas.

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Trata-se de uma produção barata, mas cheia de boas ideias e momentos mais fortes. A direção é creditada a Howard Winters, mas este é o pseudônimo de Cecil Howard, um contumaz diretor de filmes pornôs, aqui aventurando-se (muito bem, diga-se de passagem) em um gênero que lhe é totalmente estranho.

Garotos Mortos Não Podem Voar começa com um letreiro que diz: “No ano passado (no caso, 1993), assassinato foi a causa da morte de 912 pessoas no Japão, 275 na Suécia, 411 na Austrália, 1.102 na Grã-Bretanha e 115.155 NOS ESTADOS UNIDOS. DEUS ABENÇOE A AMÉRICA“. Não sei até onde os dados estão corretos, mas mostram a realidade chocante que o filme pretende enfocar. E a contundente crítica social continua pelo restante do filme até o final.

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Logo em seguida, imagens de uma Nova York noturna são editadas em contraste com imagens verdadeiras da Guerra do Vietnã, enquanto é apresentado o “herói” da história, um anônimo chamado John (David John, do meloso Carruagens de Fogo). Ele é um veterano da Guerra do Vietnã que, apesar de ter voltado para casa como herói, foi jogado para escanteio pelo “Sistema” e hoje é faxineiro e sociopata – ou seja, não consegue mais se relacionar normalmente com as pessoas, vê ameaças por todo lado e simplesmente não pára de lembrar do Vietnã. É uma espécie de Rambo misturado com Travis, o psicopata interpretado por Robert DeNiro em Taxi Driver.

John leva uma vida medíocre em um apartamento de quinta categoria, sofre com tremores e insônia provocadas pelos traumas do Vietnã, tem uma namorada stripper e tenta escrever um livro sobre sua experiência na guerra, à noite, já que passa o dia trabalhando em um prédio de escritórios junto com outro combatente veterano, Lou, que é vigia no mesmo prédio.

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O pesadelo começa quando um desajustado jovem menor de idade, o punk Buzz (Jason Stein, que só fez este filme e infelizmente exagera nas caras e bocas), vai ao prédio onde John e Lou trabalham à procura de trabalho. Na agência de empregos, o asqueroso diretor Norman Brody (Daniel Maher) está de olho numa loiraça que procura emprego como secretária e não dá a mínima para o rapaz. Pior: ainda desdenha dele, quando Buzz lhe mostra desenhos que fez durante a noite. Orgulhoso, ele sai tramando uma vingança.

Sedento em dar o troco tanto em Norman quanto na loira, que riram dele, Buzz reúne dois amigos viciados para um suposto “assalto“. Eles são Jo Jo (Daniel J. Johnson), um marginal medroso e drogado, e Goose (Brad Friedman), a verdadeira ameaça do filme. Goose é um psicopata paranoico e que gosta de se vestir como mulher. Violento e totalmente alucinado, ele aparece no filme pela primeira vez destruindo um manequim com um taco de beisebol. Depois descobrimos que ele vive uma relação de amor e ódio com a mãe, que piora seus instintos homicidas.

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Buzz estupra e mata a loira que riu dele na agência de empregos, em uma cena chocante de violência totalmente desnecessária (apesar de não abusar de sangue ou tripas), e corta um “Z“, sua marca registrada, no estômago da moça com seu canivete. No dia seguinte, o trio de marginais resolve invadir o prédio em busca de drogas e seringas. O que Jo Jo e Goose desconhecem é que Buzz não tem plano algum e muito menos sabe se realmente existem drogas no prédio; tudo que ele quer é vingança contra Norman.

A partir daí, o filme vira um verdadeiro inferno. O trio de psicopatas sitia todo o oitavo andar do prédio, atacando escritório atrás de escritório, e fazendo cada vez mais vítimas de forma selvagem e brutal. Primeiro invadem o consultório de um dentista, que é executado a sangue frio, com tiros disparados por Goose. Depois, ele mesmo tortura o paciente com a broca do dentista, e até arranca parte dos dentes do cliente antes de explodir seu olho com um tiro.

A matança continua numa agência de publicidade, num consultório médico e no escritório de um advogado, evoluindo em progressiva violência e loucura, até que um grupo de reféns é levado pelos três punks até a agência de empregos. Ali ocorre o chocante massacre final.

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Paralelamente, dois policiais totalmente imbecis (numa bela caracterização de como são a maioria dos verdadeiros homens da lei, ou seja, grosseiros, burros e arrogantes, bem diferentes do tipo heroico que o cinema costuma mostrar) investigam o assassinato da loira com o “Z” cortado no estômago, sem nem ao menos desconfiar do massacre que está sendo perpetrado naquele exato momento pelo trio de jovens delinquentes. O espectador chega a ficar enfurecido enquanto os policiais O’Brien e Santini andam para lá e para cá, usando seus distintivos para paquerar garotas e comer de graça em um restaurante, sendo totalmente incapazes de ajudar as pobres vítimas que estão sendo executadas friamente a apenas alguns metros do local onde a dupla está.

A esperança de salvação da pátria encontra-se, ironicamente, em John, o veterano do Vietnã, cansado da violência, mas que é levado a lutar uma segunda guerra, desta vez de forma pessoal, quando descobre o que está acontecendo no prédio e é quase morto por Goose. Entretanto, ele sobrevive ao atentado e prepara sua vingança, armado apenas com uma faca, para dar o troco no trio de punks e, se possível, salvar algum dos reféns.

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Mas não pensem que John é o “personagem heroico” da trama. Ele não tem qualquer chance nem espaço no espetáculo de brutalidade e sadismo, muito menos consegue salvar alguma das pobres vítimas do seu triste destino. Ele é mais vítima do que herói, mal consegue enfrentar os três delinquentes e por pouco não passa dessa para melhor. Mais ou menos como qualquer um de nós, se tivesse que lidar com a mesma situação.

Talvez com isso o roteiro queira argumentar que nem mesmo um soldado experiente, um herói do Vietnã, tem vez na brutal guerra do dia-a-dia de uma grande cidade. Por sinal, o tempo inteiro o filme tenta passar a ideia de que é preciso contra-atacar e dar o troco nos criminosos, e não aguentar o papel de vítimas, já que a polícia pouco ou nada pode fazer nesta situação. O letreiro no final do filme diz: “24 mil pessoas devem ser mortas em homicídios neste ano. Precisamos levantar e contra-atacar!“, numa perigosa apologia da justiça pelas próprias mãos como não se via desde Desejo de Matar, o clássico estrelado por Charles Bronson em 1974.

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Não há espaço nem para um final feliz nesta história, que encerra com um horrendo banho de sangue, onde o roteiro não poupa as vítimas e ainda reserva um final glorioso para os vilões! E a justiça aplicada a um deles nem é a chamada “justiça dos homens”, mas sim a justiça divina, numa resolução irônica (e que acaba se tornando um dos melhores momentos do filme).

Tanta raiva tem uma explicação: Garotos Mortos Não Podem Voar é dedicado a dois amigos do diretor que foram assassinados brutalmente em um ataque a uma loja de departamentos, em situação semelhante à mostrada no filme. Isso faz com que Winters retrate o tempo inteiro Nova York como se fosse uma grande selva dominada por bandidos. Além dos três principais vilões, a todo momento vemos cenas onde criminosos, andando livremente e impunemente pelas ruas, roubam automóveis e até ambulâncias e carros de polícia!

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Curiosamente, Winters faz uma participação especial totalmente gratuita, como um homem que aparece num bar e pede para o faxineiro acender seu cigarro – a cena está tão deslocada que eu percebi na hora que aquilo era uma desculpa para participação especial do cineasta, confirmada nos créditos finais.

Garotos Mortos Não Podem Voar é uma produção violentíssima, mas não espere ver um festival de sangue e tripas. O filme é até bem discreto, sendo que a violência é mais psicológica do que explícita. Mesmo assim, não deixa de ser mais chocante do que qualquer um dos assassinatos super gráficos de um Sexta-feira 13, por exemplo.

É o caso da cena onde um negro, veterano de guerra e condecorado por bravura (que tem orgulho em mostrar suas medalhas de soldado experiente), sai no braço com um dos punks. Ele leva a melhor no combate corpo a corpo, mas logo o garoto puxa uma faca e executa o ex-combatente de forma fria e sem qualquer chance de defesa. Outra cena dura de assistir é aquela em que John tem seu joelho alvejado por Goose com um tiro; não satisfeito, o psicopata ainda pisa no ferimento da bala. São momentos de virar o estômago, mesmo sem abusar da violência explícita.

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Entretanto, como toda obra de baixo orçamento, o filme tem seus defeitos. O principal é a péssima montagem, que prioriza alguns detalhes em detrimento de outros. Assim, John, que é um dos personagens centrais da trama, desaparece da história por uma boa meia hora até voltar em cena (coisa que poderia ter sido resolvida com uma montagem mais dinâmica). Além disso, as cenas com os dois policiais burros investigando o crime às vezes atrapalham momentos de grande tensão envolvendo as barbáries praticadas pelos punks no prédio, distraindo a atenção do espectador e dando-lhe tempo para respirar – o que não deveria acontecer!!!

Também há algumas situações forçadas no roteiro, como o fato de John simplesmente recusar-se a morrer (mesmo levando mais de quatro tiros), ou um dos vilões sobreviver por tempo suficiente para executar vários reféns… apesar de estar com a garganta cortada a faca! Hehehehe

No final, mesmo que os bandidos levem a pior, o resultado continua sendo altamente negativo, bem longe de uma conclusão feliz, devido ao grande número de vítimas de uma “guerra” totalmente estúpida e sem motivo.

Negativo também pelo fato de ainda existirem muitos outros vilões como os três mostrados no filme, circulando livremente e fazendo o que bem entendem. E o pior: do lado de cá das telas eles também existem e também estão circulando livremente. Talvez estejam agora entrando no seu prédio ou no seu trabalho. Isso sim que é um verdadeiro filme de horror… E sem final feliz!

Para encerrar: em 2002, mais de 49 mil pessoas foram mortas no Brasil só com armas de fogo – sem contar facadas, estrangulamentos, acidentes de trânsito, linchamentos, etc. etc. Durante toda a década de 90, o número de homicídios no país chegou a 369 mil pessoas. Não estará na hora de levantar e contra-atacar por aqui também?
https://www.youtube.com/watch?v=nj_ISOOQ-9g

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2 Comentários

  1. Procurei a legenda em Português desse filme mas não achei em lugar nenhum … alguém poderia me ajudar???? desde já agradeço … abc

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