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Canibais
Original:The Green Inferno
Ano:2013•País:EUA
Direção:Eli Roth
Roteiro:Guillermo Amoedo, Eli Roth
Produção:Anthony Nelson Keys
Elenco:Lorenza Izzo, Ariel Levy, Daryl Sabara, Kirby Bliss Blanton, Magda Apanowicz, Sky Ferreira , Nicolás Martínez

Passaram-se apenas praticamente seis anos após O Albergue: Parte 2 para que Eli Roth se sentasse novamente na cadeira de diretor para um longa metragem. E a ansiedade do fã de horror não poderia ser mais justificada, pois, após rumores, Roth anunciou no longínquo Festival de Cannes em 2012 que estaria trabalhando em uma homenagem ao gênero canibal italiano em The Green Inferno.

Para quem não está acostumado com este peculiar segmento do horror, uma introdução se faz necessária. Nos anos 1960 se iniciava a internacionalização do exploitation, e o cinema italiano, até então conhecido por seus pequenos filmes característicos de comédia e seus diretores autorais (Fellini, Michelangelo Antonioni, Roberto Rosselini), explodiria em popularidade em dois gêneros diferentes: o Spaghetti Western, após Por um Punhado de Dólares, de 1964, e os Gialli, iniciando em 1963 com Mario Bava.

The Green Inferno (2013) (1)

Contudo um terceiro subgênero, este mais marginal, ganhou asas quando, em 1962, Paolo Cavara, Gualtiero Jacopetti e Franco Prosperi lançaram o documentário Mondo Cane, que foi um sucesso comercial. Ainda impressionante e cultuado até hoje, o filme consiste em pequenos segmentos que mostram práticas culturais ao redor do mundo com intenção de chocar ou surpreender o espectador ocidental. Imagens gráficas da morte de cachorros em Taiwan para servir de alimento, o sofrimento dos touros nas arenas de Portugal e a maquiagem de mortos em Macao, são apenas exemplos do que pode ser visto na produção que gerou inúmeras cópias, os chamados Mondo Films.

Além de ser precursor dos Shock Films dos anos 80, sendo Faces da Morte seu principal representante, Mondo Cane inspirou o diretor Umberto Lenzi a rodar o primeiro (ou pelo menos o primeiro popular) filme de canibais italiano, Man From Deep River/Deep River Savages, de 1972. O sensacionalismo ficcional da obra de Lenzi explodiu nos Estados Unidos, onde o filme foi lançado no circuito exploitation com o título Sacrifice! (com ponto de exclamação e tudo).

The Green Inferno (2013) (2)

O resto é história: cada diretor queria extrapolar o que o anterior tinha feito em matéria de violência e sensacionalismo, culminando com a magnum opus de Ruggero Deodato (e precursor dos Found Footage Films), Cannibal Holocaust, de 1980, e Cannibal Ferox, de 1981 novamente por Umberto Lenzi. A controvérsia foi tamanha que causou processos, protestos públicos, fúria de autoridades, censura e banimento em massa… Merece um artigo só para isto, mas o fato é que o gênero ficou encapsulado nesta linha do tempo e, com poucas exceções, jamais foi retomado.

Eis que voltamos para Eli Roth e sua dita homenagem. Após uma exibição no Festival de Toronto em julho de 2013, uma bagunça envolvendo a companhia de distribuição adiou o lançamento em circuito comercial tantas vezes que o filme já estava ficando com fama de “maldito“, como a prometida retomada de Deodato ao gênero com o filme Cannibals, que foi anunciado em 2005 e cancelado em 2009.

The Green Inferno (2013) (4)

Porém, finalmente, The Green Inferno/Canibais foi lançado em setembro de 2015 nos Estados Unidos… No Brasil a bagunça continua: depois de soltar pôsteres e trailers nos cinemas, a Paris Filmes decidiu não mais lançar o filme, que segue sem distribuição oficial.

O roteiro acompanha Justine (Lorenza Izzo, que se casou com Roth após as filmagens), uma estudante universitária, filha de um advogado das Nações Unidas, que decide se juntar a um grupo de ativistas liderados por Alejandro (Ariel Levy, Aftershock). A próxima peripécia genial do grupo é partir em uma precária viagem ao Peru, nas profundezas da Amazônia, para impedir a aniquilação de uma tribo indígena isolada da civilização por empreiteiros interessados no gás natural que se encontra sob o solo.

Usando apenas seus celulares e as mídias sociais como escudo, o plano funciona, porém durante a volta um acidente de avião mata a metade dos estudantes. A outra metade é drogada e tomada refém pela mesma tribo que estavam defendendo. O problema é que eles tem um apetite bem específico… O de carne humana!

Os problemas já começam na história, que, apesar de simples, possui erros grotescos de desenvolvimento. Claro que nenhum roteiro de uma produção assim deva primar pelo esmero, porém Eli Roth enfia os dois pés na lama em Canibais… Em primeiro lugar, leva quase metade do filme para que os personagens sejam apresentados e, mesmo assim, só ficamos com o reforço dos estereótipos: Justine é a boazinha e apaixonada, Alejandro é o ativista inescrupuloso, também temos o maconheiro, a patricinha, o idealista, e por aí vai. Todos com a profundidade de um pires e o elenco entregando atuações atrozes, inexpressivas.

Um dos méritos de sua contraparte italiana é não retratar os nativos com caricatura excessiva, aumentando a veracidade do que estamos vendo. Em Canibais, esta verdade é atrapalhada quando a direção se esforça demais em vender um maniqueísmo disfarçado, com o figurino da líder da tribo (que parece mais a bruxa de Arrasta-me para o Inferno do que uma indígena) e de seu principal lacaio. Do lado dos “mocinhos“, os protagonistas são tão birrentos que a torcida é para que morram logo.

Não há aquelas cenas características de exploração na mata, centrando principalmente na cidade (primeira metade) e na tribo (segunda metade). Como os personagens principais ficam 99% nas celas choramingando ou falando besteiras – entre uma ou outra parte violenta – o filme está mais para uma produção de cativeiro e resgate como Braddock do que para os canibais italianos.

As soluções ridículas, incluindo a famigerada cena da maconha (não detalhada por conta de spoilers) e uma passagem gratuita envolvendo masturbação e outra com diarreia, não servem a qualquer propósito, tentam colocar um pouco do humor questionável de Roth na peça. Na prática são cenas meramente constrangedoras, pois ainda que o tom da película permitisse tais escatologias, não tem qualquer graça.

Sem suspense e sem uma atmosfera de tensão que seja crível, o único mérito que Canibais tem são os efeitos práticos realizados por Greg Nicotero, que, apesar de não aparecerem com frequência, são eficientes e podem ser nauseantes ao público de horror mainstream. Contudo, ainda assim, sem comparação com os efeitos de, por exemplo, Cannibal Holocaust, realizado com menos recursos e há 35 anos.

O que tornou o ciclo canibal italiano notório era a coragem (chame de picaretagem, se quiser) de ser transgressor e, ainda assim, mostrar alguma qualidade para além do sensacionalismo. Evidentemente é questionável e condenável a crueldade contra animais que era mostrada na época, impraticável no cinema contemporâneo, entretanto mesmo sem este nível de sensacionalismo, todos estes filmes são infinitamente superiores. Canibais é imaturo demais para ser uma homenagem franca e covarde demais para se considerar como uma revitalização do gênero. Merece ser esquecido por muito tempo na selva das tranqueiras cinematográficas.

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11 Comentários

  1. Não achei tão ruim, mas reconheço que o original passava uma mensagem mais reflexiva

    1. Concordo plenamente e daqueles diretores que o tempo faz desaparecer sem deixar lembrança e isso já tá acontecendo seus filmes tão ficando cada vez mais obscuro como Wes craven ou tone Hooper não que se compare pois esses deixaram grandes filmes memória Poltergeist fredy Krueger

  2. Acabei de assistir. Acho que desde o começo a proposta não era ser tão verossímil quanto o Deodato foi com “Cannibal Holocaust” (aquelas cenas de animais sendo mortos de verdade na filmagem queimam muito a imagem do filme original). Realmente, a cena da maconha foi uma forcação de barra. Mas as outras foram espetaculares, especialmente a da primeira vítima…
    O original continua sendo melhor por causa do jeito que foi feito, mas esse aí não é a merda toda que vocês tão cantando não, pelo contrário, numa época em que filmes assim andam fracos, ver uma produção dessas até anima.

    1. Concordo com você. o filme não é nenhuma obra-prima, mas tbém não é essa porcaria que o autor da crítica acha. Dá pra assistir e se divertir numa boa

  3. Alguém me explica o final do filme por favor? Eu não entendi 🙁

    1. O final se assemelha ao de Canibal Ferox.

      Eu entendi que a escolha em dizer que não existe a prática canibal resguardaria aquela tribo dos ataques da “civilização”.

  4. Piratas do Caribe ou Canibais?
    Pensei a mesma coisa quando vi a imagem pela primeira vez rsrsrsrsrsrsrs

    1. Fiquei anos pensando em assistir e devido a criticas como essa eu so fui assistir hoje, 2024, e sinceramente, tirando as péssima atuações eu gostei bastante do enredo e do filme em si. Me diverti muito.

  5. Excelente crítica.
    O filme é fraco e em alguns momentos irritante.
    Com certeza uma grande perda de tempo.

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