![]() Entrevista com o Vampiro - 2ª Temporada
Original:Interview with the Vampire - Season Two
Ano:2024•País:EUA Direção:Craig Zisk, Levan Akin, Emma Freeman Roteiro:Jonathan Ceniceroz, Shane Munson, Rolin Jones, Hannah Moscovitch, Heather Bellson, Kevin Hanna, A. Zell Williams Produção:Rolin Jones, Mark Johnson, Alan Taylor, Christopher Rice Elenco:Jacob Anderson, Sam Reid, Eric Bogosian, Delainey Hayles, Assad Zaman, Ben Daniels, Roxane Duran |
A primeira temporada de Entrevista Com o Vampiro foi um fenômeno. Criando uma tempestade de emoções no público com opiniões extremas, é inegável que o universo criado por Anne Rice toma o que parece ser sua adaptação definitiva, num dos produtos mais ousados e bem elaborados dos últimos anos para a TV/streaming, ao adaptar de forma nada fiel Entrevista Com o Vampiro – ainda que com a alma da obra toda presente ali – e indo ao de forma extrema no relacionamento tóxico e destruidor de Louis de Pointe du Lac (Jacob Anderson) e Lestat de Lioncourt (Sam Reid).
As expectativas da segunda temporada se tornaram enormes por si só. A produção foi afetada pela pandemia, pelas greves dos atores e roteiristas e ainda contava com novos cenários e personagens para dar fim à segunda metade do livro, além de trazer trechos de outras importantes obras daquele universo, como O Vampiro Lestat e O Vampiro Armand. E, ainda assim, em superação a todos esses desafios, temos aqui um produto final memorável.
A segunda temporada de Entrevista com o Vampiro transforma o mundo em um palco, cercado de armadilhas teatrais. E teatro definitivamente é a alma dessa temporada.
Após vagarem pela Romênia no primeiro episódio e serem novamente confrontados sobre sua própria humanidade junto aos horrores do fim da Segunda Guerra Mundial, os protagonistas se veem indo a Paris e jurando lealdade um ao outro. Lealdade que parece durar pouco, já que na Cidade Luz eles finalmente encontram o grande objeto de sua busca, um clã vampírico para chamar de seu, o Teatro de Vampiros. Este é o clã com quem Claudia e Louis se juntam depois de deixarem seu cruel criador Lestat para trás em Nova Orleans, um grupo envolvido em uma luta constante pelo poder e mantido sob a pseudo-influência de um dos personagens mais amados e enigmáticos de toda a série, o antigo vampiro Armand (Assad Zaman).
É a partir deste encontro que as coisas passam a se desenrolar na nova e sempre conflitante vida que Louis e Claudia levam. A partir do momento que Louis se envolve emocionalmente com Armand, Claudia também se vê numa situação de solidão e abandono. O êxtase que sentiu por fazer parte de um verdadeiro clã vampírico vai sumindo aos poucos, se tornando em raiva e amargura, ao mesmo tempo que se envolve com uma jovem costureira com um passado recente bastante tortuoso.
Mas a sombra de Lestat também está o tempo todo ali. Obviamente que em muitos aspectos, Armand e Louis se encaixam porque foram marcados e transformados pelo mesmo homem. Mas até que ponto? A série brinca com o fato de que ambos parecem ser mais humanos um junto ao outro, mas a realidade pode ser mais cruel.
Enquanto isso, Claudia tem um desenvolvimento ainda maior, se mostrando desesperada por sua aceitação. Quando o grupo de vampiros teatrais a escalam para um papel apenas com base em seu corpo eternamente jovem, a decepção de Claudia é magnificamente transmitida por sua nova e competente atriz, Delainey Hayles. Sua dor é tão grande junto ao terrível papel, que ela ignora até mesmo a adoração do público, mas – novamente embaçada pelo ego e revolta da eterna adolescência de seu corpo – está muito cega para compreender como essa atitude coloca ela e Louis em ainda mais perigo junto a este grupo que desconfia cada vez mais da história de seus colegas americanos.
Afinal, aquele é o clã cujo teatro foi fundado pelo próprio Lestat, enquanto o sombrio vampiro Santiago (magistralmente interpretado pelo incrível Ben Daniels) está à espreita para tomar tudo: o controle, o poder e o sangue.
E, claro, não aproveitar o fenômeno que é Sam Reid seria um desperdício. Assim, Lestat se esconde em flashbacks e memórias que assombram Louis; por isso, temos agora a introdução definitiva e mais escancarada de que Louis não é um narrador confiável, mas que Armand é menos confiável ainda. Os papéis de Lestat como amante de Louis e principal vilão da série são transmitidos, respectivamente, a Armand e a Santiago, mas a série ainda vai ser momentos brilhantes de surpresas muito além das obviedades e, novamente, sem se apegar tanto ao livro de Anne Rice.
Pois enquanto Louis está receoso em se juntar a este novo grupo, mais ele rapidamente se apaixona por Armand, ainda que notavelmente num conflituoso relacionamento daquele tipo que “não é muito bom tentar curar uma paixão mal resolvida com uma nova”. O romance tem até mesmo momentos hilários, como quando eles flertam do lado de fora de uma mansão, enquanto Claudia e o resto da trupe estraçalham as pessoas que gritam de desespero lá dentro, manchando as janelas com sangue. Porém, no arco do mundo moderno, à medida que a temporada avança, a entrevista com o escritor Daniel Molloy (Eric Bogosian) assume a sensação de um programa de namoro onde os competidores fingem autenticidade para se apresentarem desajeitadamente da melhor maneira possível, num festival de falsidades, mentiras e… memórias falsas.
Aliás, o tempo presente e a entrevista em si ganham um tom ainda mais importante nesta segunda temporada. O tom está ainda mais pesado, estressante, enquanto Daniel está mais irritado e conflituoso, ao mesmo tempo que começa a receber informações e suporte de uma organização secreta. Ele é um verdadeiro jornalista, ainda que totalmente frustrado consigo mesmo e indo ali não apenas para ouvir uma história ou ganhar um trocado. Ele quer algo maior daquele mundo e está ficando cansado por não conseguir.
Talvez por isso o quinto episódio seja meu favorito. Com as memórias de Louis e Daniel libertadas, eles puderam entender de verdade o que aconteceu em sua entrevista 40 anos antes. O terror causado por Armand em suas vidas, seja na tortura sem igual que causa a Daniel, quanto no ato de desespero que gera em Louis, revelam uma parte da face da crueldade de um ser que apenas finge ter humanidade quando lhe interessa e convém.
Quando vai para seus momentos finais da temporada, a legitimidade da narrativa de Louis é examinada mais minuciosamente do que nunca no episódio 7, embora Daniel não mereça o crédito por denunciá-lo. Com direito a um cenário de julgamento épico e de causar surtos de ansiedade, é o retorno de Lestat que fornece uma versão alternativa de vários marcos da história do casal, ao contar ao “júri” sobre as supostas transgressões de seu companheiro. Primeiro ele argumenta que, quando se conheceram, foi Louis quem o caçou, e não o contrário, revelando em seguida que Louis o chantageia para transformar Claudia em uma vampira, apesar dos protestos veementes e cumpridores da lei de Lestat. O efeito no público é estranhamente surreal. Primeiro achamos que é mentira, depois nos damos direito a dúvida, no fim, não sabemos mais no que acreditar. Queremos Louis e Claudia saindo vivos dali sim, mas sem saber mais qual a verdade presente.
A cena em si se desenrola de maneira bastante próxima do que vimos antes, mas o que podem parecer detalhes triviais para o júri pouco imparcial são extremamente significativos para o público. Santiago, como promotor em um julgamento sem advogado de defesa, eleva-se a líder do clã e saboreia cada segundo de sua vingança (exceto naqueles momentos deliciosos em que Lestat sai do controle e coloca Santiago em xeque). Madeleine (Roxane Duran) está principalmente tentando se atualizar, afinal ela é extremamente novata no grupo, mas ainda consegue flexionar sua força de vontade inquebrável quando sacrifica sua vida jurando lealdade a Claudia em vez do clã.
Ao final do julgamento, observar o sol erradicar cada partícula de Claudia, enquanto ela canta a música que ela passou a odiar, mas ainda a amarrava ao clã ao qual ela desejava ingressar, é doloroso, memorável e apropriado, transformando Louis para sempre, antes de ele ser condenado e trancafiado pela eternidade.
Os momentos finais da segunda temporada de Entrevista Com o Vampiro são “eita atrás de eita”. Mais uma vez, produtores e roteiristas tomaram coragem inimagináveis para adaptar uma obra com tantos fãs mais clássicos em uma onda de acontecimentos finais explosivos. Encerrando o ciclo da entrevista estamos cheios de vingança e reviravoltas, mas nada se compara ao reencontro nos tempos atuais entre Lestat e Louis. Podendo finalmente aparar as arestas deste passado conturbado, os dois vampiros saltam em tela entre suas dores e amor atravessado por eras e tragédias para finalmente entenderem que precisam seguir em frente. É impossível não derramar lágrimas de sangue.