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Manual das Donas de Casa Caçadoras de Vampiros
Original:The Southern Book Club’s Guide to Slaying Vampires
Ano:2025•País:EUA
Autor:Grady Hendrix•Editora: Intrínseca

O subúrbio americano é um sonho para muitos. Sem o ritmo frenético da cidade, ruas seguras, comunidade unida, ideal para se criar os filhos. Nele, de modo geral, mulheres se dedicam ao lar enquanto os homens saem para trabalhar e trazer o sustento para casa. Um conceito um tanto antiquado, mas contanto que todos estejam felizes e de acordo, sem problemas. Além de cuidar da casa e dos filhos, as mulheres da região acabam se tornando grandes amigas e fazem alguns programas juntas, como almoços, churrascos aos finais de semana com seus maridos e vizinhos e montam clubes de leitura. Grady Hendrix quebra a tranquila rotina dessas respeitáveis mulheres do subúrbio ao inserir um predador letal em sua comunidade em seu divertido livro Manual das Donas de Casa Caçadoras de Vampiros. Afinal, donas de casa são mais ocupadas do que seus maridos pensam.

Patricia Campbell é uma dona de casa de Mt. Pleasant atarefada. Precisa cuidar da casa, educar dois filhos que demandam muito tempo e energia – o mais novo é uma criança fissurada em nazistas, enquanto a mais velha é uma adolescente popular na escola – e cuidar de sua sogra doente, que piora cada dia mais e nenhum de seus outros filhos quer cuidar dela. O marido, que é médico, vive no trabalho, deixando tudo cair nas costas da esposa. Patricia sente que está morta por dentro, sobrecarregada, invisível. Seu único alento é o clube do livro com suas amigas, outras donas de casa igualmente sufocadas com questões familiares. Após saírem de um clube que só passava livros maçantes e que todas fingiam ler, Patricia e mais quatro amigas decidem fazer suas próprias reuniões de leitura – sem chamarem necessariamente de clube do livro -, e os livros escolhidos são, em sua maioria, de crimes reais. Ted Bundy, Jim Jones, Charles Manson, Ed Kemper. Essas mulheres viraram verdadeiras experts em crimes graças às suas leituras, a única coisa que distrai elas de sua monótona realidade.

Tudo começa a mudar quando chega um novo e misterioso vizinho chamado James Harris. Carismático, inteligente e atencioso, logo ganha a confiança de todos. Porém, junto de sua chegada, crianças começam a desaparecer na parte mais pobre e afastada da cidade. Com toda sua experiência em crimes, Patricia logo desconfia do charmoso vizinho, e descobre algo ainda mais assustador do que esperava. Cabe a ela e suas amigas livrarem a vizinhança desse mal que se entranhou em suas vidas antes que seja tarde demais.

Vampiros inseridos em contextos cotidianos é algo que já foi feito antes, mas Grady Hendrix adiciona alguns elementos que tornam a narrativa criativa, envolvente e divertida – assim como fez em seu livro O Exorcismo da Minha Melhor Amiga. Aqui não há caixões, estacas e até mesmo a luz do sol não é mortal. James Harris fica um pouco debilitado à luz do dia, é verdade, mas consegue sair caso seja necessário sem virar um monte de cinzas ou brilhar intensamente a ponto de denunciar sua natureza. Mas claro que muitos pontos clássicos das lendas vampíricas estão presentes, como o fato de ele precisar ser convidado para entrar, controlar pequenas criaturas como ratos e baratas e, é claro, precisar beber sangue para manter uma aparência impecável. O horror mora literalmente ao lado, se veste bem e tem uma bela casa.

O início do livro prende a atenção, e alguns acontecimentos assustadoramente bizarros deixam claro seu potencial. Porém, logo após isso as coisas parecem desacelerar um pouco, um artifício que o autor usa para confundir o leitor, e também como uma das críticas presentes no livro. Constantemente as mulheres do livro são desmerecidas por seus maridos, suas opiniões invalidadas, e até mesmo a inteligência e sanidade delas é coloca em cheque. A partir do momento que deixam de agir como esposas obedientes e perfeitas e tem algo sério a dizer – algo que salvaria vidas -, são silenciadas. Quantas vezes não vemos isso acontecer todos os dias, nos mais diversos ambientes? Hendrix também critica a ideia que muitos tem de que donas de casa são desocupadas, que criar os filhos não é trabalho, e sim apenas a função natural da mulher. Após serem taxadas de loucas, repreendidas e controladas (ou até mesmo violentadas) por seus maridos, passam a ficar com medo de terem algum tipo de iniciativa novamente, e precisam fingir que são uma tranquila e feliz comunidade. Preferem a passividade a sujarem os nomes dos maridos, porque foram obrigadas a agir assim. Felizmente, Patricia não aceita isso, e ninguém pode pará-la.

Falando nos personagens, as mulheres do clube do livro têm personalidades bem distintas, algumas a verdadeira imagem da perfeição, outras extremamente religiosas, mas sempre estão ali umas pelas outras, nos bons e maus momentos. E temos Patricia. Forte, persistente e que não se conforma com os absurdos e injustiças impostos pelos homens. Uma protagonista fácil de gostar, com defeitos e erros como qualquer um. Da ala masculina, o personagem mais interessante e menos odiável é justamente James Harris, que finge não concordar com o jeito que os maridos tratam suas esposas, mas na verdade é apenas uma besta solitária com interesses próprios e nefastos.

Além da crítica sobre o papel da mulher, o autor também aborda a discrepante diferença de classes. Crianças desaparecem na parte pobre da cidade e ninguém dá a mínima, a polícia demora a atender chamados naquele local, enquanto na parte onde apenas pessoas brancas e com mais condições vivem, a polícia chega em apenas 3 minutos. E nosso vilão sabe disso e se aproveita. Enquanto fecham os olhos para o problema dos outros e tratam-no com cordialidade, vivendo de aparências, ele se esbalda em sangue.

Há várias cenas gráficas, dosadas com toques de humor ácido que aliviam os momentos de horror, fazendo dessa uma leitura recheada de bom humor sem deixar o horror de lado – inclusive, com momentos bem explícitos e violentos. O desfecho é satisfatório e, apesar do livro tratar de algo sobrenatural, é bem realista. Perdas acontecem, traumas ficam, mas é preciso seguir em frente.

Manual das Donas de Casa Caçadoras de Vampiros parece mais um livro despretensioso sobre vampiros à primeira vista, mas é uma grande crítica à misoginia, status social e viver de aparências. O grande horror aqui não é o vampiro que ameaça a sua família e se infiltra na sua rotina, e sim o fato de que isso só acontece por não darem ouvidos às suas esposas.

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