![]() Matando Deus
Original:Matar a Dios
Ano:2017•País:Espanha Direção:Caye Casas, Albert Pintó Roteiro:Caye Casas, Albert Pintó Produção:Norbert Llaràs Elenco:Emilio Gavira, Itziar Castro, Eduardo Antuña, Boris Ruiz, David Pareja |
por Renato Droguett (@renatodroguett)
O cinema espanhol tem se destacado na produção de narrativas que transitam entre o surreal e o provocativo, e Matar a Dios (2017), dirigido por Caye Casas e Albert Pintó, se insere nessa tradição com uma proposta ambiciosa. A obra tem um humor ácido e reflexivo, abordando temas como moralidade, egoísmo e o absurdo da existência humana, e foi bem recebida pela crítica e pelo público que aprecia narrativas provocativas e fora do convencional.
Matar a Dios trata-se de uma comédia ácida com elementos de suspense e fantasia, cuja trama gira em torno de um homem excêntrico e nanico, que surge durante a ceia de Ano Novo de uma família disfuncional para anunciar o iminente extermínio da humanidade, afirmando ser ele mesmo o Deus em pessoa e anunciando que – apesar da extinção de todos – permitirá que apenas duas pessoas sobrevivam, e cabe aos personagens decidir quem serão os escolhidos.
O maior problema de Matar a Dios está no desenvolvimento de sua história. O conceito central, que funcionaria perfeitamente em um curta-metragem, se arrasta ao longo de 90 minutos sem oferecer grandes reviravoltas ou crescimento significativo dos personagens. A proposta filosófica – que poderia explorar a moralidade humana diante da aniquilação iminente – permanece superficial, sem um aprofundamento que realmente provoque reflexões. A história se apoia mais no absurdo da situação do que na evolução de seus personagens ou na complexidade das escolhas propostas pelo enredo.
Os protagonistas da trama são apresentados com traços caricaturais e poucas nuances. O patriarca ranzinza, o irmão fracassado, a cunhada insatisfeita e o pai senil são construídos com uma economia de camadas que os torna previsíveis e estáticos. O próprio “Deus”, interpretado por Emilio Gavira, é um dos pontos altos do filme, mas seu personagem acaba sendo mais um catalisador de situações absurdas do que uma figura realmente imponente ou enigmática. A falta de desenvolvimento dos personagens impede que o espectador se envolva emocionalmente com suas decisões, enfraquecendo o impacto da trama.
A direção de Caye Casas e Albert Pintó consegue fazer um bom uso do espaço limitado – a maior parte do filme se passa dentro da casa da família –, criando uma atmosfera claustrofóbica que reforça a sensação de aprisionamento não apenas físico, mas também emocional dos personagens. No entanto, a fotografia e a mise-en-scène carecem de um estilo mais marcante, resultando em uma estética funcional, mas sem grande inspiração. Um exemplo disso é o design de produção, que apresenta um ambiente repleto de objetos e símbolos a serem interpretados, mas acaba subutilizado. Já a trilha sonora acompanha bem o tom do filme, enquanto a montagem tenta equilibrar momentos de tensão e comédia, nem sempre com sucesso.
Matar a Dios é uma obra que parece hesitar entre a comédia absurda, a fantasia e o suspense, sem conseguir se destacar plenamente em nenhum desses gêneros. Sua proposta filosófica se limita à superfície, sem desenvolver questionamentos que poderiam tornar a experiência mais instigante. Os personagens são delineados de forma básica, sem arcos de evolução marcantes, e a própria premissa – interessantíssima em um conceito inicial – acaba se tornando repetitiva ao longo do filme. No fim, o longa se revela como uma ideia que teria funcionado melhor em um formato mais curto, onde seu impacto poderia ser mais direto e eficaz.
PS: essa falta de equilíbrio e de profundidade contrasta diretamente com o trabalho solo de Caye Casas em La Mesita del Comedor (2022), um filme que mistura com muito mais competência o horror e o humor, elementos que parecem ser sua verdadeira assinatura. Enquanto Matar a Dios não consegue decidir o que quer ser, La Mesita del Comedor encontra seu tom perfeito ao transformar uma premissa absurda em uma experiência sufocante, violenta e, ao mesmo tempo, ironicamente hilária.
Algo que ambos os filmes compartilham é boa parte do elenco, com destaque para a presença de David Pareja, cuja atuação é excelente nos dois casos. Em Matar a Dios, seu talento se destaca mesmo com as limitações do roteiro, enquanto em La Mesita del Comedor ele tem a chance de explorar um personagem mais complexo e aterrador. Isso reforça como o problema do primeiro filme não está no elenco, mas sim na falta de uma direção mais certeira, algo que Casas parece ter corrigido ao trabalhar sozinho anos depois.