por Tiago Toy
Fora de Tóquio, ao pé do monte Fuji, existe uma enorme floresta chamada Aokigahara. Conhecida não somente como uma das mais belas áreas selvagens de todo o Japão, é também o mais famoso local de suicídio de todo o mundo, encontrando-se em 1º lugar na lista de lugares preferidos pelos suicidas, sendo seguido pela ponte Golden Gate, em San Francisco, na Califórnia.
Não existe um número oficial de mortos, pois são incontáveis os casos de suicídio em Aokigahara. O lugar tem cavernas que ficam cheias de gelo mesmo durante o verão e, reza a lenda, é assombrado por criaturas do além.
Anualmente, cerca de 70 pessoas vão para Aokigahara e nunca mais voltam. A forma preferida de dar fim às próprias vidas é o enforcamento. Essa fama mórbida, porém, não é de hoje. Há registros de que, por volta de 1830, quando o Japão passava por uma crise, as famílias de camponeses famintos abandonavam bebês e idosos inválidos no bosque, diminuindo número de bocas para alimentar.
Os mais velhos contam histórias sobre os espíritos desses tantos suicidas que ainda rondam as profundezas da floresta, conhecidos como yurei – as almas penadas de gente que partiu antes da hora. Estudiosos em manifestações paranormais dizem que as árvores do bosque dos suicidas têm energia maligna por causa do número de suicídios e, por causa disso, não querem que as pessoas deixem o bosque.
Digamos que você não saiba da reputação de Aokigahara e resolva fazer um passeio. Logo nos primeiros passos, ao notar placas que dizem “Por favor, reconsidere” ou “Antes de decidir morrer, consulte a polícia”, você vai perceber por que o escritor Wataru Tsurumui definiu o bosque como “o lugar perfeito para morrer” em seu livro The Complete Manual of Suicide. É um bosque tão fechado que, quando o sol brilha, a luz penetra pelos vãos entre as copas das árvores e formam pilares de luz, criando um aspecto fantasmagórico. Depois de um tempo caminhando, as árvores se fecham de tal maneira que é impossível ouvir algo além dos sons da natureza.
Nesse lugar macabro alguns profissionais trabalham apenas para buscar os corpos. Pelotões de busca, formados por voluntários e bombeiros, se revezam em turnos e sempre encontram cadáveres em diferentes estágios de decomposição. Muitos são encontrados parcialmente devorados por animais.
Uma espécie de ritual torna o trabalho mais complicado. Assim que os mortos são trazidos para a base onde ficam os responsáveis por recolhê-los, são levados até uma sala composta por duas camas – uma para o cadáver e outra para alguém que dormirá no mesmo lugar. Acredita-se que, se o cadáver ficar sozinho nessa noite, o yurei vai berrar a noite toda. Para evitar isso, os cata-corpos tiram a sorte no tradicional jan-ken-pon (o nosso joquempô, em seu nome original) para ver quem é que vai dividir o quarto com o defunto.
Pra quem entende inglês, abaixo é possível assistir a um curto documentário sobre Aokigahara, com legendas.
http://www.youtube.com/watch?v=6CK1KdAha78
http://www.youtube.com/watch?v=V1eXOXYI3bc
Aproveitando o interesse de curiosos pelo desconhecido, o escritor El Torres e o desenhista Gabriel Hernandez criaram The Suicide Forest (A Floresta do Suicídio), uma série de HQs dividida em quatro edições e distribuída pela IDW Publishing em dezembro de 2012, onde exploram a perturbadora história de dois estranhos obrigados a lidar com o lado mais obscuro de Aokigahara.
A história começa na entrada do bosque, onde Ryoko e Taro, voluntários em buscar corpos, estão fixando uma placa com os dizeres: “Só um instante, por favor! Sua vida é um presente precioso dos seus pais. Não mantenha suas ansiedades apenas com você – procure aconselhamento.” Taro, em seu primeiro dia de trabalho, ouve Ryoko contar sobre os casos de suicídio na floresta e em como as pessoas ouvem sussurros vindos da mata. Ryoko é uma das protagonistas da série, e não apenas por estar constantemente em Aokigahara. Há alguns anos, seu pai sumiu pelas trilhas da floresta e nunca mais foi visto. A garota resolveu seguir seus passos para, um dia, encontra-lo e pedir perdão.
Na última edição, conhecemos um pouco da relação pai e filha. Criada com todo o amor que podia sonhar, Ryoko cresceu sob os cuidados do pai, guarda-florestal engajado na busca por cadáveres de suicidas. Ensinou à filha os caminhos do bosque e em como não se perder. Dedicou sua vida à filha que, com a chegada da adolescência, encontrou outros interesses, acabando por deixar o pai de lado. Sentindo a dor do abandono, o homem decidiu dar um fim ao sofrimento e entrou na floresta. A última vez em que foi visto.
Dramas orientais costumam ser muito exagerados. O fato de ver a filha crescendo e não se interessando mais em ficar 24 horas por dia debaixo de sua asa não seria um motivo forte o bastante para cometer suicídio. Por outro lado, cada pessoa suporta uma quantidade distinta de dor. O homem, por ter perdido a mulher e encontrar na filha sua única esperança no mundo, podia ser um tanto quanto fraco, explicando a decisão extrema. Não chega a convencer de todo, no fim das contas.
Após Ryoko e Taro partirem, a cena inicial muda para um bar noturno, onde dois jovens conversam. Alan Talbot, um americano, e Masami, uma japonesa. Enquanto conversam despreocupadamente, Massami declara estar apaixonada, ganhando um beijo de Alan, e a promessa de que vai ficar ali com ela (pois estava voltando aos EUA). Curtindo o nascimento do amor, Alan não imagina que exatamente um ano depois será o último dia em que a verá. Viva, pelo menos.
Devido ao ciúme doentio, e desperdiçando inúmeras chances de mudar, Massami acaba afugentando Alan – um ano depois. Após uma briga violenta, com direito a garrafada na cabeça e auto-flagelação, Massami é definitivamente abandonada.
Para os leitores menos familiarizados com a cultura e tradições japonesas, Alan serve como um ponto de entrada – um americano que viveu no Japão por algum tempo, mas ainda encontra-se incapaz de se integrar plenamente à sociedade estrangeira. Ele desempenha a função de quem está de fora, para que possamos entrar na cultura japonesa como somos: estrangeiros que não entendem muitas das nuances e significados. Mesmo que você viva no Japão e seja fluente em japonês, há uma grande diferença, uma espécie de barreira entre os círculos e as pessoas fora deles.
Tristonho em seu quarto, Alan é convidado pelo amigo Takashi, também responsável por ter apresentado o casal, a dar uma saída despretensiosa, apenas para aliviar a mente. Contrariado, Alan aceita. Takashi sente uma parcela de culpa por ter colocado Massami na vida do amigo, e tentando se redimir, apresenta uma nova garota, Midori Saeki, uma colega de trabalho. Diferente de Massami, Midori se mostra bem à frente das outras garotas, quase se oferecendo em uma bandeja para Alan, assustando-o. Teimando nas investidas, a ruiva falsa consegue o que quer, e os dois acabam transando em um banheiro público.
A sacada dos criadores nessa parte é ótima! Enquanto narram a cena de Alan conhecendo e transando sem remorso com outra garota, os quadrinhos paralelos mostram Massami pegando um ônibus, indo à Aokigahara e se suicidando, enforcada em um cinto. O traço rebuscado facilita em sentir pena de ambos, uma pelo abandono e pela decisão da morte, visando o fim da dor, e o outro pela falta de consideração e mostrando que é um típico homem, pensando exclusivamente com a cabeça de baixo, merecedor – em partes – do que está por vir.
Outro forte tema retratado é a solidão. Alan está saindo de um relacionamento tumultuado, uma experiência que só aumentará seu isolamento. Ele é uma pessoa carente, sem família e quase não tem amigos, vivendo a meio mundo de distância de tudo o que conhece, um estranho numa terra estranha. O Japão é um país maravilhoso, mas como um visitante solitário, você pode se sentir muito sozinho lá.
Na base, Ryoko encontra-se sozinha no cômodo onde passará a noite ao lado do mais recente cadáver encontrado. Nesse ponto descobrimos que ela não é uma garota normal. Ryoko é outra solitária, mas não do tipo triste. Ela tem amigos, um cachorro, é agradável, mas prefere se manter distante. Ela sabe que os fantasmas na floresta são reais, que eles chamam espíritos fracos para se juntar a eles, e uma vez que ela é uma Miko, uma espécie de sacerdotisa Shinto, ela sabe como lidar com eles. Talvez por ter crescido em Aokigahara, Ryoko possui a habilidade de ver os yurei.
Cara a cara com o espírito do defunto, Ryoko utiliza um amuleto Ofuda – que não passa de um pedaço de papel com inscrições místicas – e o envia ao descanso eterno, mas não antes de ouvir suas últimas palavras: “Sem descanso… Pequena Ryoko… Nas profundezas da floresta… Seu pai espera por você.”
Na segunda edição é que as coisas começam a esquentar. Pra quem gosta de filmes de terror orientais, a trama é um prato cheio.
Alan é convocado pela polícia, pois dois de seus amigos foram encontrados mortos de maneira atroz. Nenhum pouco coincidentemente, são Takashi e Midori. Durante a conversa, flashbacks mostram os últimos momentos de vida dos infelizes.
Em um clube de sadomasoquismo, Takashi está algemado na cama e dispensa duas garotas, pedindo que sejam trocadas por um cara. Em seus pensamentos, enquanto aguarda a chegada do garoto de programa, Takashi revela seu desejo em ter Alan com ele, por quem nutre uma atração homossexual. Sozinho e indefeso assiste as velas serem apagadas e um sussurro se aproximar da escuridão. Quando o espelho do teto arrebenta e os cacos caem em sua direção, Takashi vê Massami encarando-o da porta entreaberta. Porém, não é a mesma Massami que ele conhecia, assemelhando-se muito às fantasmas branquelas tomadas de ódio dos filmes citados acima.
Midori, por sua vez, está em seu apartamento com seu gato Michael (do tipo que mia). Enquanto conversa no telefone com sua mãe, não percebe que Michael é pego no corredor por mãos extremamente brancas. Procurando um ponto onde a ligação funcione melhor, Midori caminha pelo apartamento até que sente algo pingando em sua cabeça. Não consegue conter o grito ao descobrir não somente seu gatinho cravado com várias facas no teto, mas alguém – Massami – a observando.
Desconfiado de Alan, que aparenta um estado de letargia, o oficial questiona sobre sua namorada que sumiu há alguns dias. Alan responde que não a vê desde que se separaram, mas a verdade é que a viu sim, e da mesma maneira que Takashi e Midori. Morta. O espírito vingativo atormenta o ex todas as noites, levando-o à loucura. Sem escolha, Alan segue até o lugar onde Massami diz que deverão ficar juntos para sempre. Aokigahara.
Sou particularmente interessado no folclore japonês, principalmente em suas histórias de fantasmas que desempenham um papel importante na sua cultura. Todos estes tipos de fantasmas japoneses já nos são um tanto familiares, graças a mangás e filmes como O Chamado (Ringu) ou O Grito (Ju-On), tanto em suas versões japonesas ou americanas.
Enquanto isso, Ryoko e Taro levam dois garotos, estagiários, para conhecerem o bosque. É nessa edição que temos uma ideia do que seria entrar no local. Eletrônicos não funcionam, as árvores parecem dificultar a locomoção, inclusive quando alguém tenta sair. É claustrofóbico.
Ryoko acaba encontrando Alan, salvando-o da hipotermia; por outro lado, Taro e os garotos de perdem e, felizmente para a alegria do leitor, encontram o fim de maneira dolorosa, não sem antes sofrerem um pouco. Fantasmas japoneses não poupam ninguém, meu amigo. Se duvidar, pergunte a Sadako/Samara. Não a conhece? Tudo bem, mande seu endereço por email que te envio uma fita muito interessante…
Juntos e sozinhos, Ryoko e Alan precisam enfrentar os frutos de seus erros se quiserem continuar vivos.
Ler um livro ou gibi é diferente de assistir um filme. Ver o fantasma se movendo de modo horripilante assusta com mais facilidade do que ver desenhos. The Suicide Forest, porém, cumpre o que promete. Não assustar, de fato, mas contar uma história dramática, com elementos sobrenaturais e que prenda a atenção do leitor, proporcionando algum tempo de diversão. Os traços são sujos, mas ainda assim bonitos. A floresta é retratada como uma pintura macabra, mesmo durante o dia. É o último lugar que você gostaria de estar, inclusive quando os yurei aparecem aos montes, atraídos pelo medo.
Aokigahara em si parece ser um personagem, talvez um adversário. Embora a floresta não apareça muito nas duas primeiras edições, a sensação é de que está, persistentemente, chamando os personagens a ir até lá. Ela é mais do que uma definição, mas também não é mostrada como um ser vivo. Se o lugar é assombrado, é por causa da miséria e da dor dos espíritos presos dos suicidas.
O desfecho é satisfatório. Os protagonistas enfrentam seus temores e conseguem resolver as pendências, de uma vez por todas. Por outro lado, como mencionei antes, cada pessoa suporta uma quantidade distinta de dor. Ainda que tenha conseguido se livrar de seu fantasma, um deles não é forte o suficiente para esquecer. A decisão final fecha a série com chave de ouro.
The Suicide Forest prova que não é preciso estender uma história por trocentas cansativas edições, até desgastar personagens ou trama. Em apenas quatro números de aproximadamente 24 páginas cada, El Torres e Gabriel Hernandez criam uma história simples e assustadora, que, se lida sozinho durante a noite, é capaz de provocar tantos calafrios quanto um filme.
Dependendo do quanto você suporta, até mais.
muito legal esse post, fiquei com vontade de ler essa hq
tambem curto muito o fantastico japones, seus mitos e lendas são interessantes
Valeu Tiago Toy por essa indicação, além da análise estar muito boa.
Essa HQ parece ser muito interessante depois de eu ler Y: The Last Man (O Último Homem) vou ver se consigo encontra essa HQ.
Encomendei a edição encadernada completa da história e acabei de ler tudo em menos de meia hora. A história é fantástica e te prende muito bem.
Apesar de não “amedrontar” daquele jeito que te faz ficar com medo do escuro, é dificil não criar uma certa “empatia” com os protagonistas e seus dramas, que te fazem refletir, principalmente com a decisão final de um deles.
Agradeço a indicação e recomendo fortemente a quem quiser ler!
Gostei, já tinha assistido ao documentário, só que ele é bem pequeno, parece que existe pouco “material” sobre essa floresta, pelo menos traduzido para o português. Essa HQ tem edição no Brasil?
Eu li a versão traduzida pelo Gibiscuits. Depois peguei em inglês, e não é difícil de acompanhar. Você só se perde mesmo nos termos orientais, coisa que acontece mesmo lendo a tradução.
Adorei, ótima indicação!