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Não há nada mais sensacionalista do que nomear um artigo com algo tão expressivo. Quando A Bruxa perturbou os cinemas brasileiros em 2016, houve quem não visse nada de mais no horror satânico de Robert Eggers – e até sugerisse um possível acordo financeiro entre o Boca do Inferno e a distribuidora -; assim como quem enaltecesse a atmosfera macabra proposta por uma produção que fugia do clichês do gênero para apresentar algo diferente e incômodo. A intenção de minha defesa no texto Não Vá ver a Bruxa nos Cinemas era preparar o público para um terror que não explorasse os sustos gratuitos e o grafismo exagerado, como costuma servir de parâmetro para que muitas pessoas considerem um filme assustador. Mesmo depois de algumas releituras e conversas com especialistas no gênero, além da observação de outros trabalhos igualmente intensos nos anos seguintes, A Bruxa ainda se mantém como um dos meus filmes favoritos, daqueles que não me canso de revê-los e apontar suas qualidades. Contudo, chegou a vez de Hereditário

Com um orçamento estimado em U$10 milhões de dólares – quase três vezes mais do que A Bruxa -, Hereditário começou a ganhar corpo apenas em 2017. Em seu debut em longas, Ari Aster não imaginava que seu filme seria apontado como parte de um gênero, mas “uma tragédia que se transforma em um pesadelo“. Poderia se definir como um drama angustiante, repleto de calafrios, com elementos de horror numa crescente desesperadora. Distante de qualquer rótulo do The Guardian, a proposta sempre foi deixar o espectador com uma sensação de ameaça constante, entrecortado por uma relação perigosa entre os membros de uma família abalada por uma perda, sem que saibam se devem ou não sofrer por ela. Se isso é ou não terror, fica a seu critério definir; independente do terreno sobre o qual se estabeleça, trata-se de um filmaço, com detalhes significativos que superam até o filme de Eggers.

Após o falecimento de sua mãe Ellen, a miniaturista Annie Graham (Toni Collette) precisa entender como lidar com essa montanha-russa de emoções no convívio conturbado com seu marido Steve (Gabriel Byrne), com o adolescente Peter (Alex Wolff) e com a caçula Charlie (Milly Shapiro). Ao buscar ajuda num grupo de apoio, Annie desabafa sobre seus receios e revela que a falecida, com seus problemas psicológicos, tinha “tomado conta” de Charlie, como uma maneira de aproximá-la de seus filhos, algo que não conseguiu com o nascimento de Peter. Nessa inquietante neura, ela percebe que há algo errado com a casa, com sua filha pequena e com um passado que ela não soube se atentar.

É melhor parar por aqui. Contar mais sobre a narrativa, algo que o trailer soube esconder muito bem – eu tinha uma ideia completamente errada do filme -, irá prejudicar a diversão que é acompanhar as mais de duas horas de Hereditário pela primeira vez. No entanto, é preciso reforçar sua força expressiva aliada aos detalhes. Eles são o alicerce das melhores produções,  a balança que pende positivamente quando você começa a pensar a respeito. Em O Exorcista, por exemplo, você se recorda do vômito verde de Linda Blair e o giro completo de sua cabeça, mas irá valorizar muito mais o filme quando prestar atenção em seus pormenores: a rebeldia de Regan na mudança gradual de comportamento, a câmera que lentamente se aproxima da porta de seu quarto, a longa escadaria que terá importância na cena final, a imagem de uma estátua demoníaca ou o telefonema que quebra o silêncio… dão o tom do terror que irá se desenvolver em absoluto. Ou se preferir algo mais recente, verá que os méritos de Invocação do Mal vão além das assombrações ou da possessão, mas de uma árvore velha próxima à casa, das palmas na brincadeira em referência ao clássico Os Inocentes, e, claro, a presença da boneca Annabelle no prólogo, com a tela destacando o olhar em close do brinquedo, já antecipando os sustos que despontarão no longa.

Em Hereditário, os detalhes fazem a engrenagem assustadora funcionar. Desde o olhar sinistro de um homem para Charlie no velório da avó, passando pela ave que se estatela na janela da escola, cabeças decepadas que acompanham a narrativa, desenhos estranhos no caderno, o pesadelo incendiário e até o som que a menina profere pela boca – essas cenas alimentam o medo e justificam o horrendo quadro que irá se compor no ato final. É provável que o mais significativo envolva as próprias miniaturas de Annie ou a imagem congelada que abre o longa, com a visão da casa na árvore.

Suspeitando da presença de uma entidade maligna, Annie, em seu estado de extrema loucura, aceita realizar uma sessão espírita de comunicação com o familiar morto na sugestão de Joan (Ann Dowd), resultando em doses de arrepios, na tensão provocada na família. Esse teste de contato com o Além, que já despertou inúmeras assombrações e demônio no gênero, traz uma importante pista do que pode estar acontecendo, algo que só se confirmará mesmo no último ato, quando o espectador já estiver perdido em devaneios e pensamentos bizarros.

Hereditário também se destaca pela competência interpretativa de seu elenco. Toni Collette entrega possivelmente a melhor atuação de sua carreira, mesmo depois de 52 indicações e 27 prêmios! Ela, que havia chamado a atenção pela carga dramática de sua personagem em O Sexto Sentido (1999), amplia sua tensão psicológica com a perturbada Annie, expressa nas reuniões familiares e no grupo de apoio. Também vale menção o olhar entristecido da talentosa Milly Shapiro, e o pavor desmedido de Alex Wolff, cujo personagem Peter adquire um desenvolvimento impressionante ao longo da produção.

O clima depressivo de perda e desespero se alia perfeitamente aos vultos, à trilha fria e à insegurança. Até mesmo o baile discreto de luzes, que me lembrou o ótimo A Casa das Almas Perdidas, serviu de maneira satisfatória ao enredo de Aster, dando o equilíbrio necessário entre as assombrações e a loucura.

Diferente de A Bruxa com sua narrativa mais lenta e simbólica, Hereditário herda o melhor do horror sobrenatural num enredo de perdição e renascimento. Você pode até não concordar com o título do artigo, mas com o tempo reverenciará seus méritos, dignos de um novo clássico!

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46 Comentários

  1. Sério?
    Eu acho que não assisti ao mesmo filme que as pessoas que gostaram.
    Realmente a interpretação é boa, mas o filme se tivesse ficado no mundo “normal” teria sido muito melhor. Quando descambaram pra outro rumo o filme perdeu o fio da meada, forçaram a barra demais e ficou mais do mesmo.

    1. Concordo em genero, numero e grau! Mais do mesmo!

    2. Concordo, perdi meu tempo com essa porcaria.

  2. Gostei do filme, melhor do que A Bruxa, mas ainda acho que há outros filmes de terror melhor desde o início do século, como Os Outros, REC, Invocação do Mal, Babadook, Corrente do Mal, A Visita, It, entre outros.
    As atuações são boas e o enredo também. Mas poderia ser um filme mais ágil, com mais acontecimentos. Realmente atrapalha um pouco a lentidão e a falta de diálogos.

  3. Eu tô tentando ver este filme 3 dias seguidos,a única coisa que me proporcionou foi sono!

      1. até hoje estou tentando entender o culto a esse filme…
        nada demais

  4. Terror do século ?
    Nem a pau!!
    Filme fraco com personagens perdidos na trama e com um final decepcionante
    Tirando algumas cenas vez que outra e pelo final parece uma variação do”Atividade Paranormal” sem as filmagens caseiras do filme
    Decepcionante depois de todo este frenesi de criticas afirmando ser o novo “Exorcista”

  5. Entre um filme de possessão demoníaca e um filme sobre uma doença mental (esquizofrenia no melhor das hipóteses) que assolou toda uma família, prefiro ficar com a primeira ideia, apesar do título “Hereditário” poder me dizer ao contrário, rsrs…

  6. É um bom filme, mas um tanto quanto decepcionante. Mais da metade do filme foi para desenvolver os personagens e criar um clima opressivo – o que para alguns pode ser cansativo, já que a maioria dos filmes de horror desfilam jumpscares desde o começo para divertir o público dos shoppings -; mas logo depois da entrada da personagem Joannie tudo fica muito apressado. E no final, fica aquela sensação de “ah, é isso?”. Ainda assim, é superior às infinitas continuações das franquias de horror que infestam as salas de cinema.

  7. Pelo Trailer de Hereditário, não vi nada de especial em comparação a Bruxa de 2016, que é mais fraco ainda o que eles tem em comum o mesmo diretor canastrão Eggers, cada vez mais os filmes continuam parecidos a diferença são os elementos que em alguns momentos até assustam mas a historia não convence ou fica sem conclusão, a gente assiste todos os filmes mas não com a mesma empolgação que era antes, pois quando algo fica repetitivo deixa de ser chamativo.

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      Daniel, o eggers não dirigiu Hereditário. Esse é do Ari Aster. E o trailer de Hereditário engana bastante, não se baseie nele 😉

  8. Ari Aster tem um completo domínio da produção. A primeira metade do filme simplesmente entrega o porvir, dando várias pistas, preparando o terreno sem pressa. é imbuída de um preciosismo que não deixa pedra sobre pedra. A impressão é que o filme sussurra a todo tempo: “prepare-se…”. Mas desde a primeira cena, a sensação de que algo está MUITO errado tomou conta de mim. A última meia hora me pareceu algo que eu não deveria ter visto, principalmente aquele final. O que oi aquilo, meu Deus? Uma verdadeira aula de Goetia, com alguns elementos recorrentes no gênero, para dar mais “visceralidade” gráfica. Mas tudo soa maligno, quase exala um cheiro de enxofre. Já vi muito filme de terror na vida, mas esse me apavorou mais que qualquer outro. Saí branco do cinema.

  9. Sabe Marcelo Milici, vejo que você gosta muito desse Terror Modinha Estilo a Bruxa,E agora vem também com hereditário, sabe filmes como esses tem aos montes na Netflix, só que nenhum desses da pra comparar com Exorcista, que você citou em seu texto, é que é a aquela coisa, as vezes ficamos tão obcecados com um filme e gostamos tanto que começamos as vezes a falar como esse filme fosse o melhor de todos e na minha opinião esta longe de ser se tratando de a bruxa, agora esse hereditário aborta a mesma temática aparentemente, porem vamos assistir por pensar é pode ser Terror moderno sem criar conclusões precipitadas e nada mais,aguardamos na lista da Netflix.

    1. Peraí, filmes “como esses” tem aos montes no Netflix? Como assim? Com uma direção tão boa? Jogadas de câmera excelentes e atuações indescritíveis? PERAÍ…. os unicos filmes que eu vi nesse estilo foram a bruxa e esse.

  10. Fazia muito tempo que eu não concordo com algum artigo desse site.
    Sinceramente não achei isso tudo desse filme. O inicio promete depois tem a metade do filme sem nada acontecendo (só “aquele” acontecimento digno de nota) e como todos os filmes de terror, dá uma acelerada no final que foi bem agoniante. pra mim só as partes finais e a cena do acontecimento salva o filme.
    Sim confesso que a menina assusta com aqueles sons da boca, mas demora muito para acontecer alguma coisa que deixa com arrepios.
    Gostei mais “um lugar silencioso” muito melhor e pra mim continua sendo o filme de terror do ano.

  11. Acho que o filme tem sim seus méritos e ótimos momentos.
    E principalmente o desfecho é muito satisfatório aos fãs do gênero.
    Mas na minha humilde opinião, A Bruxa ainda é o melhor horror dos últimos tempos, principalmente por não haver quebra de ritmo como em Hereditário.
    Mas devo confessar que fui atrapalhado pelo público dá sessão do filme que assisti (o que, felizmente, não aconteceu em A Bruxa).

  12. Não achei grandes coisas. Tem bons momentos sim mas alguns são bem chatinhos. Tem uma surpresa no inicio do filme com os irmãos. Mas a melhor parte do filme inteiro é o final dele que é até interessante e foge do convencional

  13. Fiquei animado agora para ver o filme, pois “A Bruxa” para mim também é o melhor filme de terror dos últimos tempos, vê-lo no cinema foi uma experiência incrível, espero que Hereditário seja tão bom quanto.

  14. o que é esse pontiarmada.com que o boca tá redirecionando?

  15. Sinceramente, acho bastante precipitado dizer que este é “o filme de terror do século”, pois ainda não chegamos nem a 20% do século XXI.

    O que poderia ter sido dito é que este é o melhor filme de terror do século ATÉ AGORA (algo que não posso confirmar, pois ainda não vi o filme, porém não soaria tão precipitado).

  16. Pessoal,algum link p assistir online? Já procurei e nada”

    1. Avatar photo

      Não rola ver no cinema? Tá estreando hoje.

      1. obg silvana,não sabia que estaria estreando,com certeza verei no cinema.abc

  17. Que critica apaixonada, hein Marcelo?
    Bem diferente da crítica do Hessel no Omelete, a qual me deixou cheio de ??? na cabeça.

    Não vejo a hora de ver esse filme, prestando atenção nos detalhes como você disse.

  18. Não vi “Hereditário” ainda, mas na minha humilde opinião, o filme de terror do século é o francês “Mártires” de 2008 (Não confundir com a ridícula versão americana de 2013)!!!

    1. Concordo, e o final do filme então é de arrancar os cabelos.kkkk

    2. Mesmo depois de ter visto inúmeras explicações e análises, continuo não gostando do filme.
      Sei lá, preferia que tivesse ficado no terror psicológico mesmo (no luto e na esquizofrenia), sem descambar para o sobrenatural e o ridículo.
      Tirando a cena do carro, que me chocou de certa forma, achei o resto exagerado demais, quase beirando a comédia – o que acabou por atirar toda a empatia que eu estava tendo pelos personagens no lixo.
      A meu ver o filme tinha tanto potencial! Só a relação problemática entre a mãe e o filho (quem assistiu Precisamos Falar Sobre O Kevin sabe) já era terror o suficiente pra te deixar incomodado por dias. Mas não, preferiram apelar para os clichês visuais tão batidos no gênero.
      Ainda fico com A Bruxa como o melhor filme da geração pós-horror. Esse sim cumpriu seu trabalho de forma brilhante.

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