“As mulheres produzem cinema de horror, aparecendo com mais ou menos frequência, mas sendo sempre invisibilizadas”, defende Beatriz Saldanha, curadora da mostra “Mestras do Macabro”, que começa nesta quinta-feira (20), no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo. Para ela, os 28 longas-metragens selecionados, que são dirigidos por mulheres, são essenciais para a história do gênero, demonstram a pluralidade de perspectivas e vivências femininas, que são ricas e trazem narrativas que exprimem desejo, relações interpessoais e questões relacionadas ao corpo e à liberdade.
A exibição, que vai até o dia 21 de abril, tem o difícil papel de resgatar o trabalho de mulheres, reivindicando um espaço de debate e reflexão para um grupo que, de alguma forma, sempre esteve presente na história do cinema. Neste sentido, Beatriz aponta um crescimento de realizadoras mulheres nos últimos anos nessas produções. Para ela, em contrapartida, o horror sempre foi um gênero onde as representações femininas são frequentes – no entanto, essas histórias nem sempre tratam essas personagens de forma digna.
E se o horror, por muito tempo, era entendido como um gênero pouco interessante para as mulheres, o objetivo da exibição é mostrar que elas são capazes de produzirem filmes de horror, segundo Beatriz. “Estou muito surpresa com as respostas que eu estou tendo porque vi muita gente falando que nem sabia que existiam tantos filmes de horror feitos por mulheres”, conta.
Entre produções internacionais e nacionais, a seleção da curadora, que inclui filmes realizados entre 1971 e 2023, aborda uma série de problemáticas do universo das mulheres. E com o objetivo de aproveitar essas perspectivas únicas, além do espaço da Mostra, também serão realizados cursos, debates e uma sessão comentada de filmes exibidos.
Confira entrevista exclusiva com a curadora Beatriz Saldanha, que fala mais sobre a presença feminina no gênero do horror ao longo do tempo:
Quais são os principais temas que envolvem a questão da mulher na sociedade que você observou nos filmes selecionados?
[Beatriz]: Em O Doce Vampiro, que é o filme mais antigo da mostra, vai ter uma personagem vampira. E o que eu acho interessante também, tanto pela questão do gênero masculino e feminino, mas também pela questão de como ele vai abordar o mito, é que o filme vai tirar o vampiro daquele lugar tradicional dos castelos e vai colocá-lo em um deserto. Esse é um filme que reflete um pouco a transformação que o cinema ‘hollywoodiano’ estava passando na época, mas ele também vai falar sobre o desejo feminino. Já A Jaula de Mafu é um filme muito pouco conhecido, um horror psicológico, que vai falar sobre relação entre duas irmãs – que é de dominação. Estranhos Poderes, da Gabrielle Beaumont, vai falar sobre a maternidade e sobre a família. É um filme um pouco nos moldes de A Profecia, sabe? Mas, de uma forma geral, eu vejo que muitos falam sobre desejo feminino.
Entre as produções brasileiras e internacionais há alguma diferença na representação feminina? Quais são essas diferenças?
Beatriz: Primeiro que, geralmente, as produções brasileiras são mais modestas em termos de orçamento. Uma coisa que é destaque é o tema da família, ou seja contar histórias que são mais íntimas. Mas uma coisa que eu sempre comento é que uma característica do cinema brasileiro de horror contemporâneo é a autoria. Acho que esses filmes vão ter um traço autoral bem interessante, com temas e abordagens que a gente vê se repetindo na carreira dessas diretoras, como o horror social.
Considerando o sucesso do filme A Substância, que traz questões da feminilidade e dos padrões de beleza compartilhados socialmente que impactam a nossa experiência enquanto mulheres, como você acha que a Mostra pode dialogar com o atual momento dessas discussões na sociedade?
Beatriz: Eu acho que esse tema é um carro-chefe porque é mais uma forma de controle, de tentar adequar as mulheres a certos padrões. Por exemplo, no filme Medusa, de Anita Rocha da Silveira, tem um momento em que isso fica muito claro. Que as mulheres ali dentro do filme são ensinadas a se comportarem de uma maneira padronizada. Outro exemplo é o filme Garota Infernal, que tem uma certa provocação em relação a esse padrão feminino, tanto que, na verdade, o filme foi distribuído pro público errado – os homens – quando, na verdade, era um filme pensado para as meninas adolescentes. Então eu acho que essa questão dos padrões vai ter sempre apelo.
Qual é a principal diferença do olhar feminino e masculino para o cinema de horror? Como esse olhar feminino pode contribuir com o gênero?
Beatriz: Eu não gosto de pensar em padronizar um olhar feminino. É óbvio que a gente sabe que existe um olhar masculino. Por anos, as mulheres foram vistas como objetos de exploração sexual ou como objetos de violência. Mas eu acho que existe uma variedade tão grande de abordagem, que cada mulher ali é um ser humano específico, um ser humano com uma história, um ser humano em um contexto diferente. As mulheres são afetadas pelos meios em que elas vivem. Então os filmes às vezes são totalmente diferentes uns dos outros. É evidente que vai existir uma abordagem um pouco diferente, mas eu não sei se precisa ter uma diferença. Eu acredito que as mulheres devem fazer os filmes que elas querem fazer. Mas ao mesmo tempo, a gente acaba percebendo que alguns temas vão aparecer mais. Então eu acho que, na verdade, a importância é mais em relação à pluralidade de visões que podem ser distintas e únicas.
Mostra “Mestras do Macabro”
SERVIÇO:
Local: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo
Período: 20 de março a 21 de abril
Ingressos: Gratuitos – Disponíveis em bb.com.br/cultura e bilheteria do CCBB
Classificação indicativa: conforme a programação
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico – SP
Funcionamento CCBB: Aberto todos os dias, das 9h às 20h, exceto às terças
Informações: (11) 4297-0600.