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O que mais fantástico que o Cinema pode promover do que a realização de um filme nunca lançado? A história por trás de O Quarteto Fantástico (The Fantastic Four, 1994) é um filme à parte, tanto que serviu para a produção do documentário Doomed!: The Untold Story of Roger Corman’s The Fantastic Four, de 2015, que traz relatos dos envolvidos, incluindo do próprio Rei dos Filmes B, Roger Corman. Mesmo com toda a polêmica envolvida com a Marvel e a compra de cópias do filme para fins de destruição, O Quarteto Fantástico entrou para a história da Sétima Arte – relacionar esse filme com Arte já é uma ironia – como uma produção maldita, desenvolvida com valores desconsideráveis mas com muita simpatia.

Tudo começou em 1986, quando a produtora alemã Constantin Film (ainda conhecida como Neue Constantin Film) adquiriu os direitos sobre os personagens para rodar um longa pela bagatela de US$ 250 mil dólares. No contrato, a empresa tinha que começar a filmar o filme até o final de 1992 ou os direitos retornariam para a Marvel Studios. Assim, a Constantin contratou Roger Corman, especialista em trabalhar com orçamentos minúsculos, para assumir a produção, com apenas um milhão, iniciando o projeto três dias antes do término do contrato, dia 28 de dezembro.

Stan Lee estava consciente do projeto e chegou a visitar os sets, já percebendo que boa coisa não sairia dali. Temendo que a marca fosse ameaçada pela ruindade do filme, o fundador da Marvel Studios, Avi Arad, comprou todas as cópias assim que as filmagens foram concluídas e pediu que fossem destruídas, sem chance alguma de um lançamento comercial. Sem nunca ter visto o que resultou do trabalho de Oley Sassone, Arad acreditava que, com a destruição dos negativos e rolos, a produtora não teria chance de levá-lo aos cinemas nem lançá-lo em VHS. Na verdade, a Constantin nem pretendia lançar o filme, apenas manter os direitos sobre os personagens, mas escondeu essa informação até mesmo do elenco e dos produtores.

Contudo, como era bastante comum na era das fitas de vídeo, algum “herói sem capa” internamente realizou uma cópia ilegal e lançou no mercado obscuro ao lado de outros apelidados de “video nasties“. Como aconteceu com diversas produções censuradas ou impedidas de serem lançadas, a polêmica fez o papel inverso do pretendido por Arad, contribuindo para sua condição cult. O Quarteto Fantástico rodou pelos mercados ilegais e, mesmo hoje ainda sem ter tido qualquer lançamento oficial, ainda atrai o interesse dos fãs de pérolas do cinema B e Z. E não precisava de tudo isso. Realmente, o filme é problemático e bastante mal feito, com aspectos daquelas produções trashes que eram exibidas nas piores Sessão da Tarde, mas não mancharia a Marvel e atrairia curiosos para o grupo de heróis em futuras adaptações. Eu diria que ele é até mais divertido que a versão de 2015, feita com recursos de blockbuster e sem personalidade ou qualquer carisma.

O longa começa com Reed Richards (Alex Hyde-White) e Victor Von Doom (Joseph Culp) como colegas de faculdade, na expectativa da passagem do cometa Colossus, para um experimento científico de captação de energia. Com a aproximação do corpo celeste, visível a olho nu, ainda que Reed sugira uma simulação antes que o teste não funcione, eles sofrem uma descarga no laboratório e Victor, salvo por Ben Grimm (Michael Bailey Smith), tem a pele bastante queimada e é considerado morto no hospital. Na verdade, ele fora salvo por dois homens, Trigorin (David Keith Miller) e Kragstadt (Howard Shangraw), que já o seguiam e o consideravam um ser superior. Ainda nessa época, é possível ver os irmãos Storm, Johnny e Susan, crianças, na interpretação de Mercedes McNab (a vampira Harmony de Buffy e Angel) e Phillip Van Dyke.

Dez anos depois, Reed, já com mechas brancas no cabelo, Ben, Johnny (Jay Underwood) e Susan (Rebecca Staab) estão prestes a viajar para o espaço para mais uma vez se aproximar do cometa Colossus. Para que dê certo, eles pretendem utilizar uma peça de diamante que irá ajudar na refração e protegê-los dos raios cósmicos, sem saber que um ladrão conhecido como Joalheiro (Ian Trigger, que fez um palhaço em Condessa Drácula, 1971), uma figura que parece o Pinguim e comanda uma trupe de bandidos que deveriam ser anões, substitui a peça por uma réplica, antes que o vilão, Dr. Destino, o sobrevivente Victor, consiga atrapalhar. Isto é, mais uma vez o experimento dá errado, todos os tripulantes são expostos e a nave se desintegra, fazendo-os cair na Terra.

Sobrevivendo ao incidente, logo os quatro percebem que adquiriram poderes especiais: Reed agora possui elasticidade em seus membros; Johnny consegue produzir chamas; Susan é capaz agora de se tornar invisível; e Ben teve a pele transformada em pedra – o orçamento da produção teve boa parte destinada a sua concepção como Coisa, com características de uma Tartaruga Ninja laranja com brotoejas, mas até que lembra bem o personagem dos quadrinhos. Incomodado com a sobrevida de Reed e dos demais e curioso pelos poderes adquiridos, Dr. Destino planeja encontrar um meio de usufruir deles, contando com a ajuda de seus capangas e do Joalheiro, ameaçando usar um potente raio para desintegrar Nova York.

O Quarteto Fantástico, de Roger Corman, é bem bagaceira mesmo. Tem efeitos especiais risíveis, principalmente os alongamentos de Reed e as chamas provocadas por Johnny, e maquiagens ao nível Super Xuxa Contra o Baixo Astral. E são exatamente esses defeitos que tornam o filme divertido, um diamante nas mãos de fãs de pérolas do Cinema B, acostumados com a qualidade vagabunda das produções. O roteiro, de Craig J. Nevius e Kevin Rock, segue a linha de produção barata de super heróis, nunca permitindo uma ideia de grandiosidade nas ameaças do vilão, e com quase todas as cenas gravadas em estúdio.

Para os efeitos da transformação de Johnny em Tocha Humana foram utilizados desenhos coloridos em seu voo na única cena em que acontece. Há os famosos raios azulados em diversos momentos, paredes de papelão destruídas pelo Coisa, e lutas mal coreografadas nas ações de Reed e do próprio Ben. Susan se torna invisível com qualquer roupa, e usa desse artifício para os vilões dispararem suas armas uns contra os outros ou baterem cabeça. O escudo de proteção é usado apenas uma vez. E sempre que aparecem os vilões, sejam da gangue do Joalheiro ou dos seguidores de Dr. Destino, há uma trilha bem humorada, típica de uma comédia de ação.

Pela ingenuidade do projeto e os poucos valores investidos, além da polêmica desnecessária da Marvel, O Quarteto Fantástico, neste primeiro live action, merece, sim, ser conhecido. Diverte e entrega o que foi capaz de fazer no prazo estabelecido e com o que tinham em mãos. É um filme que dá um forte abraço no cinema independente pela sua condição marginal. Aparentemente a Marvel já demonstra interesse em tornar o filme conhecido, pois os quatro atores que fizeram os heróis aqui têm pequenas pontas no recente Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (The Fantastic Four: First Steps, 2025), uma justa referência ao primeiro quarteto do cinema.

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