![]() Mickey 17
Original:Mickey 17
Ano:2025•País:EUA, Coreia do Sul Direção:Bong Joon Ho Roteiro:Bong Joon Ho, Edward Ashton Produção:Dede GardnerBong Joon Ho, Jeremy Kleiner Elenco:Robert Pattinson, Steven Yeun, Michael Monroe, Patsy Ferran, Cameron Britton, Christian Patterson, Lloyd Hutchinson, Samuel Blenkin, Ian Hanmore, Sabet Choudhury, Tim Key, Rose Shalloo, Bronwyn James |
por Roberto “Pena” Spinelli
Depois de ler “Mickey 7” e sua continuação, “Antimatter Blues“, fiquei empolgado para ver a adaptação cinematográfica — ainda mais sabendo que seria dirigida por Bong Joon-ho, o aclamado diretor de Parasita. Porém, assim que o filme tem início, senti que seria uma experiência bem diferente da que eu estava imaginando.
Antes de falar do filme, vale um pouco de contexto. Como físico, amante do espaço e fã de ficção científica, fui facilmente fisgado pela temática do livro. Num futuro não muito distante, a humanidade desenvolveu uma tecnologia de clonagem que não apenas cria um novo corpo idêntico ao original, mas também transfere todas as memórias para ele. O problema é que a existência de múltiplos clones criou questões sociais complexas na Terra: quem era o verdadeiro portador de uma identidade? Quem era responsável por um crime? Ficar com o clone do namorado seria traição? Para evitar essas complicações, a tecnologia foi banida da Terra e reservada a uma única aplicação: a colonização espacial.
Nesse contexto, surgiu a profissão de Dispensável. Em missões interplanetárias, onde a vida humana é um recurso valioso, certos indivíduos são clonados repetidamente para realizar tarefas perigosas e morrer quantas vezes for necessário. No livro, acompanhamos Mickey 7, o sétimo clone de um dispensável em uma nave que tenta colonizar um planeta gelado habitado por criaturas semelhantes a centopeias. O mais interessante é que a história não se leva a sério: Mickey tem uma personalidade divertida e faz piadas sobre sua vida de fudido. Os personagens são caricatos e até as criaturas têm um tom cômico. Foi exatamente esse tom debochado que o diretor tentou trazer para o filme — falhando miseravelmente no processo.
No filme, acompanhamos de perto Mickey 17, interpretado por Robert Pattinson. O fato de adicionarem dez mortes prévias ao personagem já mostra que Bong tentou exagerar ainda mais a história original. Fazer galhofa é andar sobre a corda bamba: um passo em falso e você despenca. Logo no começo, quando aparecem o capitão da nave, Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), e sua esposa Ylfa (Toni Collette), já senti um deslize. Ruffalo, no papel desse político egocêntrico, adotou um tom cadenciado, meio forçado, na voz, possivelmente para soar parecido com o Trump. Toni Collette, por sua vez, complementa a caricatura com uma personagem exagerada e teatral. O filme descamba para o pastelão, com cenas burlescas e atuações histriônicas, que me tiraram rapidamente da imersão. O que eu mais gostava no livro — seu tom despretensioso — foi levado ao extremo no filme, tornando-se um exagero. Pelo menos para mim, o diretor perdeu a mão.
Apesar disso, o argumento principal da história continua ali: quais desafios éticos e sociais surgem quando se pode enganar a morte? Como num videogame, ter vidas infinitas parece vantajoso, mas o que acontece quando sua profissão se resume a morrer repetidamente? O novo clone ainda é você, ou será que você estaria apenas se matando para que uma outra pessoa possa assumir sua identidade?
Lendo o livro – que é bom, mas não genial – fiquei com a impressão de que Douglas Adams (autor de O Guia do Mochileiro das Galáxias) teria transformado essa premissa em uma joia brilhante. Fui assistir o filme com a expectativa de que o talentoso Bong Joon-ho pudesse fazer isso para o cinema. No entanto, o que ele entregou foi uma bijuteria genérica, feita sob medida para a indústria pasteurizada, mas longe de se tornar memorável para o gênero da ficção científica. Uma pena.