Impostor (2001)

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Impostor (2001) (1)

Impostor
Original:Impostor
Ano:2001•País:EUA
Direção:Gary Fleder
Roteiro:Philip K. Dick, Scott Rosenberg, Caroline Case, Ehren Kruger, David Twohy
Produção:Gary Fleder, Marty Katz, Daniel Lupi, Gary Sinise
Elenco:Shane Brolly, Vincent D'Onofrio, Gary Sinise, Madeleine Stowe, Tony Shalhoub, Tim Guinee, Mekhi Phifer, Gary Dourdan, Lindsay Crouse, Elizabeth Peña

Impostor (Impostor, 2001): a quarta das adaptações da ficção científica de Philip K. Dick para as telas e a terceira a lhe resgatar uma short story. O conto foi publicado originalmente na edição de Junho de 1953 do “Astounding Science Fiction”, de Mr. John W. Campbell Jr., sendo um dos textos ficcionais mais curtos de Philip Dick, uma brincadeira rápida e mortal num tema em que ele particularmente adorava trabalhar: a confusão de personalidade e suas consequências.

Já desde cedo demonstrando interesse em desvirtuar o foco da maioria das histórias de ficção científica de então, que se preocupavam mais com a tecnologia do que com a introspecção, Dick percorre um caminho já trilhado tanto por Theodore Sturgueon quanto por Alfred Bester, mas o faz de uma maneira tão particular que, posteriormente, passaria a ser considerado como o legítimo precursor de uma nova mentalidade para o gênero, chamada “New Wave”, cuja preocupação era trabalhar não com os conceitos externos do desenvolvimento humano (como a tecnologia, por exemplo, e as ciências exatas em geral), mas internos (como a psicologia e as demais ciências humanas). O “Impostor” já demonstra isso claramente. É uma história de guerra espacial como tantas outras, mas Dick faz a diferença: ele não está nem um pouco interessado no poder das naves terrestres e alienígenas, na pirotecnia científica dos envolvidos, ou mesmo na ideologia dos antagonistas; ele está preocupado apenas no conflito existente no íntimo de seu personagem, na sua postura em relação a tudo isso e no modo como esse personagem – Spencer Olham (pronuncia-se “Ourram”) – trabalha com a questão, ao mesmo tempo em que o mundo desaba a seu redor. E essa ideia, esse conceito fixo, não se limitará e esses seus primeiros trabalhos, mas o seguirá como uma obsessão ao longo de toda a sua obra, tornando-se cada vez mais complexo, até culminar no momento em que o autor a abrangerá de maneira religiosa, na sua fase mais controversa e especulativa.

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O conto: num futuro indeterminado a raça humana se vê forçada a entrar numa guerra mortal contra invasores hostis de Alfa Centauri. Para diminuir um pouco a devastação causada pelos poderosos centaurianos, foram criadas as bolhas de proteção, que envolvem cidades inteiras e servem de escudos aos ataques cada vez mais intensos dos inimigos; o processo está se demonstrando eficaz e poderá ser uma boa maneira de segurar as coisas até uma contra-ofensiva mais objetiva. Spencer Olham é um dos cientistas-chave envolvidos num projeto mais arrojado, que poderá ser decisivo na guerra contra os centaurianos. O problema é que, num belo dia, a alta segurança do Projeto passa a acreditar que Olham não é mais Olham, mas um simulacro-bomba enviado pelos centaurianos para destruir a tentativa de contra-ofensiva terrestre, um robô humanoide que havia conseguido penetrar na bolha de segurança e agora, tomado o lugar do verdadeiro Olham, dirigia-se ao centro do Projeto para, depois de pronunciada uma determinada frase padrão, detonar tudo com a bomba-U. A guerra está comendo frouxa e não há tempo para averiguações – Olham deverá ser destruído. Depois de ser levado até a Lua, ele consegue enganar os agentes de segurança e voltar a Terra. Ora, ele sabe que tudo não passa de um engano, um terrível engano, droga!, e só resta encontrar a nave que atravessou o escudo e seu miserável androide centauriano original para, diante das malditas autoridades apressadas, provar sua inocência. Depois de muita perseguição e correria, Olham consegue realizar seu objetivo: encontra a nave e o maldito humanoide alienígena, isso no exato momento em que os agentes do governo o localizam. Ele prova que estava com a razão, até que Nelson, seu melhor amigo, retira a faca ensanguentada do peito do verdadeiro Olham, dentro da nave…

Mas se esse é Olham, então eu devo ser…” Estarrecido, ele descobre, de fato, a terrível verdade; o caso é que “a explosão foi ouvida até em Alfa Centauri”.

É incrível o volume de dramaticidade, cumplicidade e ação que Dick consegue criar em tão reduzido número de páginas, e ainda por cima nos jogar de encontro ao pavor do personagem a ponto de nos fazer simpatizar por ele. Sim, hoje é fácil dizer que o conto é previsível; hoje – depois de lida e, senão assimilada, pelo menos captada, as principais facetas dos trabalhos do escritor – é fácil dizer que seu desfecho está claramente escrito desde as primeiras sentenças. Mas isso não vem ao caso. Com frequência, as pessoas se referem a esse tipo de trabalho que Dick realizava como sendo parte do tema do “homem errado”, então tornado clássico nas mãos de Alfred Hitchcock, quando, muito pelo contrário, raramente havia engano e o personagem, quando distorcido por algum motivo na malhas da realidade (ou aquilo que ele acreditava como realidade), é porque, até então, ele é que estava no lugar errado, ou na época errada, ou de maneira errada, sendo vítima de circunstâncias extraordinárias e além do conhecimento comum. E “Impostor” não é uma exceção.

Meio século depois de ter sido escrita, a história ganhou uma adaptação cinematográfica. Impostor chegou às telas em meados de 2002 pelas mãos do eficiente Gary Fedler, com Gary Sinise (que também participou da produção) encabeçando um elenco muito bem colocado e disposto.

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Vincent D’Onófrio (no papel do implacável chefe da segurança, Major Hathaway) rouba todas as cenas, numa performance sensacional. De todas as adaptações de Dick para as telas feitas até o momento, esta, sem dúvida, é a mais fiel. Estamos agora no ano de 2079, no auge de uma longa guerra com as criaturas mal intencionadas de Alfa Centauri I; todas as principais cidades da Terra estão envolvidas em gigantescos campos energéticos que formam uma espécie de bolha protetora, enquanto um projeto especial do governo norte-americano, desenvolvido por Spencer John Olham, finaliza uma arma que talvez possa decidir definitivamente a batalha. E o resto é história.

Resta a Spencer correr atrás e provar sua “inocência”… Fugas espetaculares, correria, reviravoltas e muita ação preenchem esse movimentado thriller ambientado numa cidade completamente caótica e opressiva, onde alta tecnologia convive com a miséria de guetos isolados e governos corruptos (qualquer semelhança com nossa atualidade não é, tenho certeza, mera coincidência). A crítica social é uma faceta da boa ficção científica desde seus primórdios, e se o filme aproveita para dar sua versão dos fatos, não faz nada que Dick já não tenha feito. Mas se o pano de fundo é óbvio, a ação, pelo menos, se volta para o personagem, revitalizando a visão do autor e lhe sendo fiel tanto quanto os interesses comerciais dos envolvidos com cinema permitiram – e, nesse caso, realizando um verdadeiro tour de force de autenticidade inventiva. Tanto o personagem do conto quanto o do filme é retratado como réplica perfeita do verdadeiro Olham, com emoções e tudo, e isso é o rolo propulsor de toda o suspense dessa magnífica história. É verdade que no filme essas “emoções” do personagem são levadas ao extremo, transformando-o, simulacro ou não, num verdadeiro herói social, preocupado com os outros e, principalmente, com aqueles que lhe eram mais próximos.

A única mudança significativa feita na versão em roteiro é a inclusão da esposa de Spencer, a senhora Maya Olham (a belíssima Madaleine Stowe), como um outro androide-bomba enviado pelos centaurianos, juntamente com seu marido.

É dramática a cena final, quando ambos descobrem a verdade momentos antes de produzirem uma enorme cratera nos quilômetros circundantes. Essa modificação, aliás, é incrivelmente bem sucedida, já que tem a virtude de pegar desprevenidos aqueles que já conheciam o conto e não alterar a essência e o impacto da história original (é verdade que com Hollywood não se brinca, e o simples fato de o final ter sido concluído de maneira pessimista, tal como no conto, já é de surpreender). Quanto aos aspectos técnicos e visuais, não há nada a dizer.

O que surpreendeu, realmente, nessa história toda, além da boa qualidade do filme, foi a total indiferença da mídia brasileira em relação a ele; é impressionante como essa produção passou despercebida por aqui, e a teoria mais válida, nesse caso, foi a quase simultaneidade do lançamento da superprodução de Steven Spielberg para o seu Minority Report, que também trazia o nome de Philip Dick nos créditos – além de outro, muito mais importante para o frequentador de cinema padrão, Tom Cruise – e por isso desencorajou, ou confundiu, a cabeça dos tupiniquins, redundando em seu esquecimento. Não é paranoia: é só pegar qualquer jornal, revista, livro, ou fanzine nacional, nas partes dedicadas a cinema, correspondentes à época de lançamento do filme, e muito pouco, ou nada, estará relacionado a Impostor, exceto uma nota rápida num box obscuro, quando muito. E parece que o fenômeno se estende também aos americanos – mas no caso deles a coisa é mais facilmente compreensível. Também há uma segunda hipótese, mais sombria: talvez só eu tenha gostado dessa produção!

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E R Corrêa

"No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!" (Cioran)

One thought on “Impostor (2001)

  • 17/07/2015 em 21:41
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    M
    uito bom! A tempos não lembrava desse filme.

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