Fome de Viver
Original:The Hunger
Ano:1983•País:UK, EUA Direção:Tony Scott Roteiro:Ivan Davis, Michael Thomas Produção:Richard Shepherd Elenco:Catherine Deneuve, David Bowie, Susan Sarandon, Cliff De Young, Beth Ehlers, Dan Hedaya, Rufus Collins, Suzanne Bertish, James Aubrey |
Camaleão, The Goblin King, Ziggy Stardust, Major Tom, o homem que caiu na Terra… David Bowie podia ser muitos, mas era um só. E como um ser único, David Robert Jones partiu em janeiro de 2016 após uma longa batalha contra um câncer no fígado, deixando esposa, filhos e vários legados. Legado na música, legado na moda, legado no comportamento e, por que não, também um legado no cinema. Hoje, o Boca do Inferno presta esta homenagem ao multifacetado artista revisitando uma de suas obras mais notórias e estranhas, negligenciado na época, mas cultuado com o tempo, o primeiro filme mainstream do diretor Tony Scott, que explodiu em Top Gun – Ases Indomáveis três anos depois, Fome de Viver, de 1983.
Baseado vagamente em uma obra do autor Whitley Strieber, o roteiro acompanha Miriam Blaylock (Catherine Deneuve), uma vampira que pode ter um amante a cada 300 anos. Como parte de uma raça cujo sangue é mais forte que o dos meros mortais, através de sua mordida e troca de fluidos, ela pode triplicar a expectativa de vida de um humano normal.
Porém esta dádiva vem com um preço, para além da necessidade de consumir sangue de tempos em tempos. Expirado o prazo, em algum momento, o amante começa a envelhecer em velocidade assustadora, seu corpo sucumbirá a podridão, mas jamais conseguirá morrer de fato.
David Bowie interpreta John, o mais novo amante de Miriam. Na cena de abertura, ambos estão caçando alimento em um clube punk de Manhattan. Não espere caninos extensivos; eles usam pequenos punhais disfarçados de Ankhs para sangrar suas vitimas pela jugular.
Com o tempo John passa a ter problemas para dormir e sente-se cada vez mais cansado. O processo de degeneração abrupta começa a tomar conta de seu corpo e ele encontra a doutora Sarah Roberts (Susan Sarandon), que é parte da equipe que estuda este fenômeno encontrado em alguns animais – sem saber que está relacionado com o vampirismo. Sarah faz pouco da condição de John, ela não acredita nele, mas em questão de apenas algumas horas ele envelhece significativamente, o que a faz mudar de ideia.
Agora é ele quem não quer mais saber da doutora e, logo, John é incapacitado e Miriam precisa escolher um novo parceiro. Ela coloca seus olhos em Sarah e a seduz em uma das cenas eróticas mais icônicas da história do cinema. Agora a doutora está presa no meio de uma terrível transformação e precisa decidir se quer lutar contra seu destino ou sucumbir para viver como uma vampira pelos próximos três séculos.
Aos que esperam uma trama convencional de vampiros, sinto dizer, não é aqui que você vai encontrar. Do primeiro fotograma, praticamente um clipe da música “Bela Lugosi’s Dead” da banda punk Bauhaus, já é possível ver que estamos entrando em uma visão onírica (ao estilo anos 80) do tema. A pouca conexão com a realidade é reforçada com os cenários em estilo noir, frequentemente imersos em névoa, com um tipo estético que somente filmes deste período poderiam mostrar.
A trilha sonora que mistura punk, eletrônico e música clássica (predominantemente) ajuda a situar o público e o figurino aristocrata faz a conexão entre o antigo e o contemporâneo com grande competência.
Acima de tudo, Fome de Viver é uma história de paixão. Uma paixão intempestiva que, ao se entregar sem o devido cuidado, tem potencial de machucar muito mais que sentimentos e pode trazer consequências desastrosas para o resto da vida de seus integrantes. Por isto não é sem nexo que muitos veem no aspecto vampírico do filme uma metáfora para a síndrome da AIDS, que no início dos anos 80 era vista como uma epidemia – note que a palavra “vampiro” jamais é citada e que a condição pesquisada pelos cientistas é tratada como uma doença transmitida pelo sangue.
O elenco é um dos melhores que poderia se ter em uma produção assim. A francesa Catherine Deneuve demonstra beleza, elegância e presença marcantes, uma escolha fácil para um ser imortal; Susan Sarandon, recém-saída de uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz por Atlantic City (1980), atravessa com desenvoltura a ponte entre ciência e sobrenatural , a transformação da personagem (física e de personalidade) é sutil e impactante; Bowie fecha este triângulo com maestria: extremamente carismático e com traços andrógenos, transforma-se em idoso graças ao impressionante e revolucionário trabalho do maquiador Dick Smith.
Ainda que tente pender para aqueles filmes artísticos cheios de imagens desconexas sem significado, Tony Scott vez ou outra quebra a pretensão com uma cena sangrenta, violenta, e lembrando-nos que este é um filme de sedução, um dos mais sexys de todos os tempos, cabe dizer.
Mas nem tudo é perfeito, claro. A narrativa às vezes é difícil de acompanhar; existe uma história paralela sobre uma garotinha que desaparece na mansão de Miriam que não tem qualquer desdobramento e anda tanto no limiar entre exageros – sob qualquer aspecto analisável – que pode ser considerado brega por muitos. Lá pelo fim eu mesmo não sabia se estava vendo um filme de vampiros ou o clipe de Total Eclipse of the Heart da Bonnie Tyler, coincidentemente também de 1983.
Estes também são os motivos pelos quais Fome de Viver não impressionou quase ninguém quando saiu nos cinemas. Os críticos em sua maioria não gostaram, o público deu de ombros ao render menos de US$ 6 milhões em bilheteria nos Estados Unidos, os fãs do livro desprezaram as inúmeras mudanças feitas no material original e, reza a lenda, Tony Scott acabou perdendo a cadeira de direção de seu próximo trabalho para John Carpenter (a produção em questão é Starman – O Homem das Estrelas, de 1984).
As vezes o tempo trata de desfazer algumas injustiças – como aconteceu com o irmão de Tony, Ridley Scott, em Blade Runner – e aos poucos a atmosfera gótica-pós-moderna foi angariando fãs e um culto ao filme foi crescendo e se solidificando.
Em 1997 foi ao ar uma antologia de horror na TV inspirada no filme, também denominada The Hunger, sem qualquer ligação com o livro ou com a obra de 1983. Com apenas duas temporadas e 44 episódios, a série teve Tony Scott como diretor do episódio piloto e David Bowie como o apresentador da segunda temporada.
Apesar de a Warner Bros ter anunciado em 2009 que está desenvolvendo um remake em parceria com o autor Whitley Strieber, acertar dois raios no mesmo lugar é muito difícil. Foi preciso um alinhamento perfeito entre um diretor inspirado, um elenco talentoso e uma época propícia para que Fome de Viver pudesse acontecer. Aos saudosos, rever a obra é a melhor forma de manter a memória acesa de Bowie e de um filme icônico nos seus erros e acertos. Forever and Ever.
A pronúncia correta é ” sexies” .
O filme é sensacional. Esta entre os melhores do gênero que eu já assisti.
Gostei muito do filme.
Só uma correção: a banda Bauhaus não é uma banda punk.
Não, é uma banda pós-punk , conhecida aqui no Brasil dos anos 80 como “Dark”.
Um filme excelente.
Um dos melhores filmes de vampiros de todos os tempos.
9,5 / 10,0
Filme que revi recentemente e continua intrigante e com atuações perturbadoras.