Hungerford (2014)

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Hungerford
Original:Hungerford
Ano:2014•País:UK
Direção:Drew Casson
Roteiro:Drew Casson, Jess Cleverly
Produção:Miles Bullough, Jess Cleverly
Elenco:Georgia Bradley, Sam Carter, Drew Casson, Mark Cusack, James Haslam, Matthew Jackson, Colin Murtagh

Found footage é um ótimo recurso para cineastas que não têm recursos. Trata-se da desculpa mais aceitável para as falhas técnicas, como o mau posicionamento das câmeras, iluminação ruim e roteiro improvisado – até mesmo porque os fãs do estilo não estão preocupados com isso, mas com o enredo, se haverá sustos, se o final será carregado de pessimismo, inovador. E o mais interessante dessa técnica é a ousadia dos realizadores: se antes, bastava uma floresta escura ou uma casa velha para uma equipe enfrentar o inferno de assombrações e demônios, hoje em dia já há o envolvimento de monstros gigantes, viagens interdimensionais e invasões alienígenas em larga escala. Mesmo não sendo um Renny Harlin (que fez O Mistério da Passagem da Morte, 2013), Matt Reeves (Cloverfield: Monstro, 2008) e até George Romero (Diário dos Mortos, 2008), há diretores desconhecidos que se arriscam em projetos ousados, com pouquíssimos recursos.

É o caso de Drew Casson. Você talvez nunca tenha ouvido falar nele, mas esse cineasta inglês de 19 anos já tem, pelo menos, dois longas no estilo found footage, e os dois estão disponíveis na Netflix. São dois exemplares ruins da fórmula – principalmente este horrendo primeiro -, com produção de fundo de quintal, elenco de amigos sem o mínimo de carisma, mas que fazem parte de sua franquia pessoal, uma espécie de Guerra dos Mundos caseiro. Hungerford surgiu de um projeto amador de fazer uma websérie e simplesmente postar no youtube. Filmado na própria cidade do título, Casson nem sabia usar a câmera quando resolveu começar a produzir, com pouco mais de 20 mil euros, seu filme, desenvolvendo o roteiro durante as filmagens e usando o próprio computador para acréscimo de efeitos especiais.

Assim, surgiu Hungerford. O jovem Cowen Rosewell (o diretor Casson) tem uma tarefa escolar a cumprir: filmar tudo o que acontece na sua vida durante uma semana. Após uma noite de drogas e bebidas, ele apresenta os amigos, Philippa Martell (Georgia Bradley, namorada do diretor), Adam (Tom Scarlett) e Kipper (Sam Carter), registrando até mesmo as conversas triviais – para desânimo do espectador. Sem muita demora, um estranho fenômeno atinge a pequena cidade, com uma nuvem carregada, emitindo raios, em um efeito bem realizado. Ao invés de filmar o estranho acontecimento, Cowen espertamente prefere apontar a câmera para os transeuntes inexpressivos, como o policial que não consegue nem fingir que está cansado, somente para dizer que um dos raios atingiu a fábrica.

O que você faz numa situação dessas? Continua filmando, liga a TV, entra em contato com parentes, busca informações, fica assustado? Os jovens ignoram a nuvem elétrica e voltam para casa para beber e usar drogas, para posteriormente planejar uma participação na festa de Janine (Kitty Speed), interesse amoroso de Cowen. Entre paqueras e diálogos vazios, eles começam a notar comportamentos estranhos de algumas pessoas: paradas no meio da rua, atirando-se no chão, vertendo sangue e, principalmente, agredindo. Alguns são perseguidos e mortos, outros sequestrados e conduzidos até a tal fábrica. Um Extermínio feito nas coxas começa a se desenvolver, e eles precisam encontrar um meio de fugir da cidade e salvar aqueles que foram pegos.

Em meio a confrontos com o carteiro e outros cidadãos, eles percebem que os alienígenas não suportam desodorante (!!!). Quando atingidos, o rosto “se dissolve” (!!!) e um inseto, anteriormente instaurado na nuca (!!!), salta para fora do hospedeiro. Mesmo para esses absurdos, os efeitos são aceitáveis, e isso inclui a aparição de uma nave gigante e um alienígena em sua forma natural, no último ato. O que atrapalha realmente para você gostar de Hungerford é a condução, as ideias ruins, as atuações e frases banais como a proferida pelo próprio diretor: “Fique aqui com quem eu amo e eu irei salvar quem você ama.

Em dado momento, dois personagens encontram um carro abandonado, com uma criança e uma bebê chorando. O rosto da menina deixa claro que ela está com uma vontade louca de rir, não sabendo expor o desespero da situação. Aliás, os cortes rápidos de diversas cenas – até mesmo para um found footage – evidenciam momentos hilários, não suportados pelo elenco. Você até nota alguns risos perdidos em episódios desesperadores, tanto que os atores escondem o rosto com o cabelo ou abaixam a cabeça para completar a cena.

Por fim, a sequência final, na fábrica, é também bem mal realizada. O cinegrafista-herói invade facilmente um ambiente dominado por alienígenas e não tem dificuldade para encontrar os amigos em meio a uma cidade inteira – na teoria – que deveria estar ali, ou servindo de alimento ou sendo dominados. Umas cenas escuras com movimentos rápidos contribuem para uma sensação de que quanto menos você conseguir ver, melhor para a produção.

Sem justificativa para a câmera estar ligada o tempo todo, como acontece na maioria dos found footages, Hungerford deveria ter sido feito apenas nos moldes de um curta-metragem. Ruim em todos os sentidos, menos na utilização de alguns efeitos, o filme deu origem a uma continuação, The Darkest Dawn, também disponível na Netflix. Bem melhor que o primeiro, a parte 2 foi ainda mais ousada, embora também tenha suas falhas evidentes. Mas, é assunto para um próximo texto…

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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