NOS4A2 - 1ª Temporada
Original:NOS4A2 - First Season
Ano:2019•País:EUA Direção:John Shiban, Hanelle M. Culpepper, Kari Skogland, Tim Southam, Jeremy Webb, Stefan Schwartz Roteiro:Joe Hill, Jami O'Brien, Lucy Thurber, Tom Brady, Megan Mostyn-Brown, Marcus Gardley, Mark Richard Produção:Shana Fischer Huber, Zachary Quinto, Lucy Thurber Elenco:Ashleigh Cummings, Ólafur Darri Ólafsson, Jahkara Smith, Ebon Moss-Bachrach, Virginia Kull, Zachary Quinto, Ashley Romans, Mattea Conforti, Dalton Harrod |
A primeira obra oficial de Joe Hill – já anunciado como filho de Stephen King – pode ser considerada uma versão macabra de Peter Pan. Crianças que não crescem, Terra do Natal (como a Terra do Nunca) e a habilidade que se adquire para “voar” entre mundos parecem ter vindo da inspiração original de J. M. Barrie, que, em 1904, desenvolveu a peça teatral Peter and Wendy, transformada em livro sete anos depois. E há outras mensagens que podem ser identificadas como a da vivência em famílias esfaceladas, o estupro e até a pedofilia que se camuflam na aventura fantástica de Vic McQueen. Era óbvio que o produto originaria derivados como a graphic novel The Wraith e a série produzida pela AMC, que estreou em junho de 2019.
Com produção e supervisão do próprio autor, a versão live action respeitou a linha narrativa central, mas fez uso de curiosas liberdades criativas, algumas funcionais e outras nem tanto. Uma delas e a mais questionada já é vista na primeira aparição da protagonista, bem interpretada pela talentosa Ashleigh Cummings (de Predadores do Amor, que, curiosamente, ela também interpreta uma Vicky): ao contrário da publicação, que explora sua infância e as andanças com a bike Raleigh Tuff Burner, a série já a mostra como piloto de uma motocicleta. No primeiro episódio, o pequeno Daniel (Asher Miles Fallica) é raptado em sua morada, incomodando a médium Maggie Leigh (Jahkara Smith), que utiliza seu “scrabble” (peças de madeira com letras do alfabeto) em um interessante efeito visual, para encontrar as respostas que procura. É o primeiro contato com o imortal Charlie Manx (o ótimo Zachary Quinto, o Spock das novas produções Star Trek, e figurinha carimbada na série American Horror Story), que, com 140 anos, dirige o sobrenatural Rolls Royce Wraith como instrumento de condução de suas vítimas à desejada Terra do Natal.
Vivendo com pais em brigas constantes – o alcóolatra Chris (Ebon Moss-Bachrach) e a instável Linda (Virginia Kull, da série inspirada em obra de Stephen King, Mr. Mercedes) -, Vic descobre que, assim como Maggie e Charlie, possui um dom “criativo“, com a capacidade de viajar entre pontos com sua motocicleta a partir de uma ponte, o “caminho mais curto“, envolto em morcegos, somente visível em sua imaginação. Com esse acessório, ela finalmente conhece em Iowa a poderosa Maggie, que não consegue ser assim tão convincente da existência do vilão e da importância de combatê-lo, enquanto este recruta como ajudante o abobalhado Bing Partridge (Ólafur Darri Ólafsson, de O Último Caçador de Bruxas), com a promessa de levá-lo ao lugar mágico.
Nesse interessante enredo de conflitos familiares e relacionamentos, ainda circulam personagens como Craig (Dalton Harrod), apaixonado por Vic, a investigadora Tabitha Hutter (Ashley Romans) e o xerife Joe Bly (Chris McKinney), amigo de Maggie, e que não existe na versão literária. E vale menção também o fantasticamente assustador parque da Terra do Natal, circundado por sobrenaturais itens natalinos como renas e bonecos de neve, onde habitam crianças-vampiras aterrorizantes, que descansam no gelo, enquanto aguardam que Charlie traga pessoas para eles brincarem de “tesoura no andarilho“. A concepção visual impressiona pela grandiosidade e qualidade técnica, proporcionando ao infernauta uma sensação de desconforto mesmo diante de um ambiente colorido, sonoro e repleto de movimentos.
Se por um lado os confrontos divertem – como os encontros de Vic com Bing e Charlie -, o que incomoda na versão para a TV de NOS4A2 é o modo como fora caracterizada a protagonista. Com múltiplas decisões errôneas e atitudes pouco inteligentes, Vic difere em demasia da personagem do livro, sem o grau de heroísmo que facilitaria a empatia. Em algumas delas, o acúmulo de bobagens e as ações mimadas chegam ao ponto de irritar o público, como se impulsionasse um desejo de eliminação; ao contrário de Maggie, que só se desvia de seu objetivo quando sente na pele a dor de um embate contra o Rolls Royce, o que soa natural pelas condições em que acontecem.
Tal qual o livro, os poderes criativos de Vic e Maggie trazem consequências. Se Jahkara Smith às vezes esquece o gaguejar de sua personagem, mesmo após o uso do scrabble (o uso dos poderes sempre trazem consequências físicas), Vic traz a perturbação visível na vista a cada travessia pela visualmente curiosa ponte. E a caracterização de Bing, quando usa sua máscara e acessório de sono, foi muito bem definida, assim como seu passado, em um incômodo flashback – com resultado um pouco diferente do livro.
Mesmo com algumas falhas técnicas (como a de esquecer a música que toca numa festa, a escolha ruim de Vic para tentar escapar de um incêndio ou a explosão artificial de um veículo sem afetar o posto de gasolina), mas com boa direção de Jeremy Webb, John Shiban, entre outros, a primeira temporada de NOS4A2 se mostra, ao final, eficiente como adaptação e com boas alternativas. Impulsionou a realização da segunda temporada e permitiu boas reflexões sobre as mensagens que Joe Hill quis deixar nas entrelinhas. Vale o passeio pelo veículo sobrenatural até uma terra mágica e assustadora!
Uma das melhores séries de TV que eu já assisti.
Excelente!