Possessão
Original:The Exorcism of Anneliese Michel Ano:2023•País:EUA Autor:Felicitas D. Goodman•Editora: Darkside Books |
Conhecido por qualquer fã de horror, o filme O Exorcismo de Emily Rose, lançado em 2005, é comentado e aclamado até os dias de hoje. Com comentários positivos e elogios a seu roteiro entre críticos – coisa que sabemos que é difícil acontecer no mundo do terror, salvo raras exceções –, o longa é baseado em uma história real. O caso de Anneliese Michel foi amplamente divulgado, e os mistérios que o rondam deixam tudo ainda mais sombrio. Foi um caso real de possessão demoníaca ou negligência por parte de pais e médicos por não prestarem os socorros que a garota necessitava? O corpo da jovem apresentava diversos machucados e sinais de inanição e, conforme os detalhes do ocorrido vinham à tona, mais macabra toda a situação se tornava. Os pais de Anneliese e os padres envolvidos no exorcismo foram levados a julgamento, diversos conhecidos e profissionais foram ouvidos no tribunal e acabou na famosa discussão ciência x religião. Conhecido como Caso Klingenberg, diversas pesquisas, tanto científicas quanto teológicas, foram feitas a partir dele.
Em Possessão, publicado pela DarkSide Books em parceria com a Macabra TV, a autora Felicitas D. Goodman, linguista e antropóloga especializada em glossolalia religiosa (quando pessoas aparentemente possuídas falam em diferentes línguas que, normalmente, não conhecem), expõe os pormenores do ocorrido, relatando em detalhes a vida de Anneliese, como se deu o exorcismo, sua morte e seu julgamento. A obra ainda conta com uma matéria sobre o filme inspirado no caso escrita por Gabriela Larocca.
Anneliese Michel morava com seus pais, Josef e Anna Michel, e suas três irmãs na pequena cidade de Klingenberg e levava uma vida normal. Como a família era extremamente religiosa, a jovem teve uma educação totalmente católica e parecia ser a mais devota dentre as irmãs. Aos 16 anos, aparentemente sem motivo algum, Anneliese teve uma convulsão e, ao ser levada ao médico, diagnosticaram-na com epilepsia. Não tardou para que também fosse diagnosticada com depressão, mostrando um forte desejo de morrer e alegando que ouvia vozes todas as vezes que ia rezar, vozes que diziam que ela estava condenada e sua alma não tinha mais salvação. A moça cheia de sonhos e aspirações não mais existia, agora sua vida era puro tormento e medicações que, dizia, não ajudavam em nada, muito pelo contrário. As idas ao médico eram constantes, a dose de remédios aumentava, mas nada parecia ajudá-la em definitivo.
Frustrada e cansada de intervenções médicas que de nada adiantavam, suas crises começaram a piorar gradativamente e, tendo como base sua fé e educação religiosa, ela mesma acreditou ser alvo de uma possessão demoníaca. Alegava ver rostos de demônios e não conseguir chegar perto de locais e objetos sagrados e, por causa de tais afirmações, foram prescritos remédios para esquizofrenia e distúrbios comportamentais, além de drogas antiepiléticas. Nada disso parecia adiantar por tempo suficiente, e Anneliese recorreu à igreja, implorando para ser exorcizada.
Sua família e amigos próximos foram levados a acreditar que a garota realmente estava possuída e, portanto, foram atrás de alguém que pudesse realizar o exorcismo. A permissão para a realização do ritual foi concedida, e mais de setenta sessões foram realizadas. Anneliese relatou alguma melhora após as primeiras tentativas, como se estivesse mais leve e feliz, apenas para piorar pouco depois, chegando a se recusar a comer. A jovem morreu em primeiro de julho de 1976, e logo deu-se inicio às investigações acerca do sombrio caso.
Goodman faz uma extensa pesquisa e nos apresenta um trabalho muito eficiente utilizando diversas fontes, como entrevistas, documentos do julgamento, relatórios médicos, gravações das sessões de exorcismo e estudos de diferentes culturas sobre possessão, utilizando uma linguagem de fácil entendimento que desperta o interesse.
É assustadora a mudança que Anneliese sofreu e angustiante ler como ninguém conseguia ajudá-la apropriadamente, sendo seu único pequeno alívio a própria fé, que se manteve inabalável apesar de tudo. Porém, nem a ciência e nem a religião conseguiram salvá-la.
Os diversos pontos de vista que a autora apresenta são muito úteis, afinal, em momento algum ela bate o martelo e sentencia de qual mal Anneliese sofreu ou que seus pais são os culpados. Temos os relatos, as entrevistas e os fatos do ocorrido, e isso determina de forma irrefutável se foi doença ou possessão? Se foi obra de forças maiores ou de negligência humana? De modo algum. Nos capítulos finais, Goodman faz uma longa análise, usando como base seus conhecimentos, especialistas e estudos científicos envolvendo todo o quadro clínico da jovem. São apenas fatos apresentados, e não um veredito. Religiosos verão indícios de possessão desde o começo, céticos acreditarão que foram avaliações médicas mal feitas, remédios prescritos de forma errônea. Talvez seja ambos. Cabe ao leitor manter a mente aberta e entender que os dois lados podem estar corretos. Apenas a própria Anneliese Michel sabe o que sentiu e o que passou.
Em uma narrativa detalhada e com fatos verídicos, o chocante caso com desfecho trágico é uma leitura forte, aterrorizante e envolvente de diversos modos, fazendo de Possessão um livro imperdível para quem gostou do filme O Exorcismo de Emily Rose e curiosos sobre as particularidades do caso que, aqui, são muito bem expostas – até demais.