Mad Max
Original:Mad Max
Ano:1979•País:Austrália Direção:George Miller Roteiro:George Miller, James McCausland, Byron Kennedy Produção:Byron Kennedy Elenco:Mel Gibson, Joanne Samuel, Hugh Keays-Byrne, Steve Bisley, Tim Burns, Roger Ward, Lisa Aldenhoven, David Bracks, Bertrand Cadart, David Cameron, Robina Chaffey |
Foi com o doido Max que Mel Gibson começou sua trajetória de interpretar personagens vingativos. Ainda que em propostas variadas, basicamente todas as produções envolviam momentos felizes interrompidos pelo assassinato de algum ente querido e a transformação de um homem “boa praça” em uma máquina incontrolável de vingança: é o que acontece na franquia Máquina Mortífera, iniciada em 1987, em Coração Valente (1995) e até em O Patriota (2000), entre outros – ele interpretou Hamlet, viu a esposa ser morta em um acidente de trânsito (Sinais), vingou sequestros e até precisou fugir de presídio, fazendo uso de toda a capacidade interpretativa insana do ator. Contudo, um de seus trabalhos mais significativos e lembrados foi desenvolvido como uma aposta por George Miller.
Atuando como médico de um pronto-socorro hospitalar, Miller se inspirou nos inúmeros casos de acidentes com veículo automotores que ele precisou assistir, até mesmo em locais rurais como Queensland. Foi entre cuidados com ferimentos que ele conheceu o cineasta amador Byron Kennedy em uma escola de cinema, produzindo um curta-metragem sobre violência, exibido e premiado em diversos festivais. Em associação com o também iniciante roteirista James McCausland, Mad Max começou a ganhar forma, sem muitos recursos, apenas com o conceito ousado de apresentar um mundo distópico, sonoro e desértico.
A intenção sempre foi fazer um road movie, com aspectos westerns e movido à extravagância. McCausland usou como modelo de roteiro o ensaio “Raising Kane“, de Pauline Kael, mas, devido às dificuldades estruturais, acabou se responsabilizando pelos diálogos, deixando as descrições de cenas para George Miller. Para contenção de despesas, muitos dos motoqueiros presentes no filme atuavam mesmo num grupo de estrada e foram pagos com cerveja, tendo, inclusive, um cartão de identificação como figurantes de uma produção cinematográfica para evitar problemas com a polícia.
Com um orçamento estimado de US$400 mil dólares – muitos dos valores tirados dos bolsos de Miller e até de seu irmão Bill, sendo que a edição foi feita caseiramente -, Mad Max também teve problemas para encontrar um distribuidor. Conseguiu o apoio da Roadshow Film para distribuição na Austrália, onde foi filmado, para depois ter um alcance maior com envolvimento da AIP e posteriormente da Warner Bros., com o sucesso nas bilheterias. Mad Max fez mais de US$100 milhões de dólares em sua passagem pelos cinemas, sendo o melhor custo benefício de uma produção, com uma marca registrada no Guinness Book, até ser superado em 1999 por A Bruxa de Blair.
Apesar da boa aceitação do público, o mesmo não aconteceu em relação à opinião da crítica especializada. Enquanto alguns consideraram o filme como um passatempo divertido, outros o chamaram de “feio e incoerente” (The New York Times); até o Mestre do Horror Contemporâneo, Stephen King, em seu ensaio “não-ficção” intitulado “Dança Macabra” apelidou-o de “peru“. No entanto, o filme recebeu três prêmios do Australian Film Institute (edição, trilha sonora e som), além de indicações para Melhor Roteiro Original e Direção, entre outras premiações.
Sucesso e críticas, ainda que negativas, serviram para o longa alcançar facilmente o status de cult. E é realmente um filme interessante, inferior a suas continuações, e que apresenta aos poucos sua mitologia tresloucada em um mundo distópico e insano. O até então desconhecido Mel Gibson encarnaria com destreza um justiceiro violento, disposto a enfrentar inimigos numerosos para atenuar um pouco as dores de suas perdas. Estas só irão acontecer após mais de uma hora de projeção, reservando os últimos dez minutos para a tal vingança anunciada em sinopses. Até lá, Max, vivendo em um mundo pré pós-apocalíptico, numa Austrália cuja principal “especiaria” é o petróleo em evidência de uma escassez crescente, faz parte do último sistema de leis, a Patrulha da Força Principal (MFP).
Apelidados de “bronze” pelos motoqueiros e motoristas que cruzam os desertos, a patrulha inicia a franquia perseguindo o assassino de policiais Cavaleiro da Noite (Nightrider). Em fuga com sua namorada, proferindo insanidades, muitas delas tiradas das músicas “Rocker” e “Live Wire“, de AC/DC, o Cavaleiro, interpretado por Vincent Gil, depois de tirar da estrada vários veículos oficiais, encontra seu destino pela ação de Max. Com suas roupas de couro, o ranger aguarda com ansiedade seu novo veículo, um V8, montando com potência especial para ele. Além de Max, são apresentados outros patrulheiros, como seu colega Jim Goose (Steve Bisley), seu esquisito chefe Fred “Fifi” Macaffee (Roger Ward) e o comissário Labatouche (Jonathan Hardy).
Contudo, a morte do Cavaleiro da Noite provocou uma gangue de motoqueiros à qual ele pertencia. Liderados por Toecutter (Hugh Keays-Byrne, que atuou também em Mad Max: Estrada da Fúria, 2015) e pelo frio Bubba Zanetti (Geoff Parry), os desordeiros rumam pelo deserto, por cidades mortas e praias, ocasionando violência, estupros e assassinatos. Quando um jovem casal enfrenta problemas com o grupo, deixando para trás Johnny the Boy (Tim Burns), e este é liberado da cadeia, a morte de Goose é o primeiro sinal de perturbação em Max, mostrado em uma cena de pesadelo, numa fotografia avermelhada.
Vendo o estado do amigo, Max resolve abandonar o distintivo e fugir com sua esposa Jessie (Joanne Samuel) e o bebê deles, buscando momentos de paz em acampamentos e na praia, em um refúgio rural, com o apoio de May Swaisey (Sheila Florance). Mesmo marcado pela gangue, o encontro com eles acontece por acaso, ocasionando as tais perdas que despertarão um Max enlouquecido, disposto a perseguir e matar os motoqueiros, numa vingança igualmente violenta. É o ponto de transformação de Max em uma pessoa fria e egoísta, sem freios, distante de um possível herói justiceiro.
Mad Max é uma das produções que contribuíram para definir o subgênero “road movie“. Uma espécie de Velozes e Furiosos, com LSD, sem exibição de rostos bonitos e corpos sarados. Alguns personagens já trazem características que irão acompanhar os demais filmes, com aparências exóticas (roupas, cabelos e acessórios) que traçam suas personalidades. Miller realmente deu vida a um mundo selvagem, uma terra sem lei, suja, brega, quente e desoladora. São graças a essas concepções bizarras que Mad Max alcançou sua popularidade, até mesmo porque não há uma grande história para contar. O enredo é simples, sem surpresas e até problemático, com um final abrupto e um pouco acelerado.
Serviu para trazer fundos para os envolvidos, apontar holofotes ao novato Mel Gibson e apresentar um anti-herói que evoluiria a cada nova produção, habitando um futuro igualmente insano.