Vozes do Além
Original:From Beyond the Grave
Ano:1974•País:UK Direção:Kevin Connor Roteiro:R. Chetwynd-Hayes, Raymond Christodoulou, Robin Clarke Produção:Max Rosenberg, Milton Subotsky Elenco:Peter Cushing, Ian Bannen, Ian Carmichael, Diana Dors, Margaret Leighton, Donald Pleasence, Nyree Dawn Porter, David Warner, Ian Ogilvy, Lesley-Anne Down, Jack Watson, Angela Pleasence, Wendy Allnutt, Rosalind Ayres, Tommy Godfrey, Ben Howard, John O'Farrell |
Não tente enganar o proprietário de um antiquário, se ele for ninguém menos que o lendário Peter Cushing. Sua loja “Temptations Ltd Antiques“, localizada numa viela inglesa, expõe todos os tipos de produtos, como bonecos sinistros, esqueletos com perucas, morcegos de plástico que saltam sobre clientes, ampulhetas, uma porta com uma arte demoníaca e um espelho antigo, que atrai o interesse de um David Warner com a cabeleira tosca. Ele estrela o primeiro segmento da última antologia da produtora Amicus, Vozes do Além (From Beyond the Grave, 1974), depois de As Profecias do Dr. Terror (Dr. Terror’s House of Horrors, 1965), As Torturas do Dr. Diabolo (Torture Garden, 1967), A Casa que Pingava Sangue (The House That Dripped Blood, 1971), Contos do Além (Tales from the Crypt, 1972), O Asilo do Terror (Asylum, 1972) e A Cripta dos Sonhos (The Vault of Horror, 1973).
Com exceção da antologia de 1973, Cushing esteve em todas as demais, seja como participante de alguns dos contos, seja como fio condutor dos pesadelos. Em Vozes do Além, ele é o vendedor e dono da loja com itens amaldiçoados, que reservam destinos trágicos a quem tenta passar a perna para adquirir o produto. Na primeira história, “The Gate Crasher“, Warner interpreta Edward Charlton, um homem que se interessa pelo espelho e desdenha do produto para que ele seja vendido de 250 libras por apenas 25: “Ele foi envelhecido. Entendo de antiguidades.” Instalado em sua residência, rindo do “velho tolo” que vendeu um item de mais de 400 anos por um valor irrisório, ele é convencido pelos amigos a realizar uma sessão espírita, mesmo que sua amiga Pamela (Wendy Allnutt) questione: “Mas você não entende nada de espiritismo.“, tendo como resposta: “Meu talento é ilimitado.”
Durante a sessão, a vela reage aos questionamentos, um rosto surge no espelho, e Edward, em transe, é conduzido a um mundo espiritual onde uma entidade (Marcel Steiner) o esfaqueia, fazendo-o despertar. Mais tarde, o morto-vivo ressurgirá no reflexo, entre névoas, e dará as instruções ao rapaz: “Alimente-me“. Ele leva uma prostituta (Rosalind Ayres) à sua morada e a mata, mas não é o suficiente para saciar a assombração que pede que seja alimentado novamente com sangue. Edward trará mais vítimas, notando aos poucos a melhora física do homem do espelho até que a maldição se conclua e ele entenda o que finalmente libertou, restando apenas uma última ação. “Somos uma legião. Nós nos sentamos nas alturas e semeamos a discórdia.”
Um conto de terror simples, mas interessante, contando com a ótima atuação de David Warner, numa gradual degradação física e psicológica, transformando sua moradia em uma bagunça de sangue e corpos escondidos. Provavelmente o enredo deve ter inspirado Clive Barker na construção do horror destinado a Julia (Clare Higgins) em Hellraiser – Renascido do Inferno (Hellraiser, 1987). Neste segmento, o diretor Kevin Connor faz um belo trabalho de condução de câmera, principalmente na sequência giratória da sessão espírita. E lembrar que depois David Warner apareceria como fotógrafo em A Profecia (The Omen, 1976), assassinaria prostitutas como Jack, o Estripador em Um Século em 43 Minutos (Time After Time, 1979) e reencontraria Rosalind Ayres em Titanic (1997).
A segunda história, “An Act of Kindness“, tem início antes da visita do protagonista à loja de antiguidades. Christopher Lowe (Ian Bannen) está infeliz no casamento com Mabel (Diana Dors), sempre tendo as mesmas coisas no jantar, e ainda sentindo a falta de respeito de seu filho Stephen (John O’Farrell). Em seu trajeto até em casa, ele se vê motivado pela amizade com um ambulante, Jim Underwood (Donald Pleasence, antes de ter problemas com Michael Myers), que, além de vender cordões e caixas de fósforos, exibe medalhas pelos anos prestados ao serviço militar. Lowe mente sobre também ter servido ao Exército e tenta comprovar adquirindo uma medalha da Ordem de Serviço Distinto (DSO), à venda na loja de Peter Cushing. Com a negativa do vendedor por entender que somente quem merece pode tê-la, ele rouba o item, levando a tiracolo uma maldição.
O adereço permite que Lowe conquiste o interesse de Jim, que o convida a visitar sua casa, local onde mora com a filha Emily (Angela Pleasence, filha real de Donald Pleasence). Enquanto é bem tratado, com alimentação e respeito, sua esposa Mabel comenta que uma pessoa estranha a fotografou, embora não tenha notado que fios de cabelo também foram cortados. A proximidade com os Underwood trará pedidos e ações perturbadoras, resultando em um destino trágico ao ladrão. Apesar da presença do sempre carismático Donald Pleasence e das boas atuações dos demais, esta é a história mais chatinha da antologia, demorando muito para mostrar a que veio. Traz algum sangue e assassinatos, além de bonecos de vudu e uma conclusão pessimista, mas o ritmo incomoda um pouco.
Diferente da agitada, curta e divertida “The Elemental“, terceiro segmento do filme. Nela, Reggie Warren (Ian Carmichael) tem sua maldição “comprada” ao trocar o preço de uma caixa de rapé, sob o olhar atento de Peter Cushing por detrás de uma máscara demoníaca. Segurando um boneco de jacaré, Cushing ainda aceita uma pechincha pelo item e diz: “Espero que a desfrute.” No retorno de trem, ele é incomodado por uma mística, Madame Orloff (Margaret Leighton), que diz ver um elemental sobre o ombro dele. “É um espécime muito malicioso. Um exemplar desagradável.“. Ela ainda afirma que o tal exemplar é um assassino que irá se alimentar dele, e deixa um cartão de visita como contato.
Além de fazê-lo ficar curvado, o ser ainda arranha sua esposa Susan (Nyree Dawn Porter) e depois tenta sufocá-la durante o sono. Sem alternativas, ele chama a mística para a realização de um expurgo, trazendo grandes consequências à casa e aos dois residentes. Com elementos de humor e contando com atuações exageradas, sem se esquivar do pessimismo, o episódio é leve, curto, mas eficiente. Promove um confronto interessante no final, incluindo uma pequena surpresa em seu desfecho. Mais um cliente não muito satisfeito por ter enganado Peter Cushing.
A antologia se encerra com outro episódio curto, “The Door“, em que um comprador, William Seaton (Ian Ogilvy), oferece um valor menor por uma porta com ornamentos assustadores. Enquanto Cushing se afasta, deixando o dinheiro à vista, William fica tentado pela oferta. Ele compra a porta como entrada em um armário de papéis de sua casa, mesmo que seu visual destoe do restante do ambiente. Quando a porta é aberta, ele enxerga uma dimensão paralela, com um velho quarto azulado, em que se destaca um velho diário sobre uma mesa e um quadro de Sir. Michael Sinclair (Jack Watson).
Obcecado pela descoberta, ainda que com a descrença de sua esposa Rosemary (Lesley-Anne Down), ele voltará ao local para ler os inscritos e descobrir que ali são feitos rituais de sacrifício para que a entidade viva para sempre. “Funciona melhor com mulheres“, uma pista sobre o que acontecerá no final, isso se ele realmente tiver enganado Peter Cushing. Com uma certa similaridade com a primeira história, trocando o espelho pela porta, é um enredo sempre funcional, envolvendo uma entidade que precisa ser alimentada. Pelo ritmo acelerado de sua proposta, o segmento é bem interessante, com algumas doses de tensão, e traz uma boa conclusão.
Ao final, sobra espaço para um ladrão comum tentar roubar a loja maldita de Peter Cushing. Algo que, se ele soubesse com quem está lidando, nunca poderia acontecer. Vozes do Além é mais uma das boas antologia da Amicus, com a atuação do lendário ator inglês, que tinha apenas 61 anos na época, mas foi bastante envelhecido pela proposta. Foi o primeiro filme dirigido por Kevin Connor, até então trabalhando apenas como editor. O ótimo cartão de visitas abriu-lhe as portas para comandar mais de 70 produções, com destaque para o slasher Motel Diabólico (Motel Hell, 1980), e ainda estar em atividade, com diversas produções para a TV.
Mesmo com orçamento baixo, Vozes do Além fechou com chave de ouro as antologias da Amicus. Vale mencionar o passeio da câmera no começo pelos lugares mais sinistros do cemitério Highgate, em Londres, mostrando que apresentará contos que literalmente trarão seres do Além-Túmulo, com elementos de vingança sobrenatural e assassinatos violentos. Vale a visita à loja de antiguidades! Você com certeza irá levar algo para a vida toda, seja itens bizarros ou maldições.