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O Rei de Amarelo
Original:The King in Yellow
Ano:2023•País:EUA
Páginas:Autor:Robert W. Chambers, I.N.J. Culbard•Editora: Darkside Books

Publicado em 1895, O Rei de Amarelo, do autor Robert W. Chambers, foi uns dos livros pioneiros em ter sua narrativa focada na weird fiction (ou, em tradução livre, ficção estranha), tornando-se um dos materiais mais influentes da literatura de horror e fantástica. Sua narrativa misteriosa e com ares conspiratórios despertarou a curiosidade de inúmeros leitores ao longo de tantos anos após a publicação, chegando a servir de influência para grandes nomes conhecidos atualmente, como H. P. Lovecraft, Stephen King e Neil Gaiman, além de servir como inspiração e ter sido adaptado para outras diversas mídias. Com tantos segredos e misticismo rondando a história, não é de se espantar que O Rei de Amarelo tenha sido a obra escolhida para inaugurar o novo selo da DarkSide Books, Sociedade Secreta. Nesta versão em graphic novel, o responsável pela adaptação do livro de Chambers é o quadrinista inglês I.N.J. Culbard, que já adaptou para o formato de quadrinhos o clássico O Retrato de Dorian Gray e Nas Montanhas da Loucura. Aqui, porém, há um ajuste editorial: dos 10 contos existentes no livro O Rei de Amarelo, Culbard utiliza no quadrinho apenas os quatro primeiros.

O primeiro deles, O Reparador de Reputações, é ambientado em como Chambers imaginou que seria a década de 20, quando o governo dos Estados Unidos sanciona suicídios e constrói câmaras letais para as pessoas buscarem ceifar suas vidas de maneira indolor. Após essa apresentação peculiar da Nova Iorque dessa época, conhecemos Hildred Castaigne, um aristocrata que tem um relacionamento com o esquisito Mr. Wilde, um homem de aparência deformada e que é tirado como louco por muitos. Na verdade, Wilde tem um trabalho um tanto peculiar, que consiste em consertar a reputação de pessoas mal vistas (ou, em termos mais atuais, “canceladas”) na sociedade usando uma enorme gama de agentes a seu serviço. Em outras palavras, pessoas dos mais diversos níveis sociais cujos podres foram descobertos por Wilde e que agora são chantageadas por ele, que ganhou o apelido de “reparador de reputações”. Hildred, um homem que tem um passado em instituições de tratamento mental, após a leitura de um livro chamado O Rei de Amarelo, crê que nele havia uma mensagem codificada explicando que todo o sofrimento que passou foi devido a ele ser um dos herdeiros da coroa dos Estados Unidos e, por isso, tentaram removê-lo da linha sucessória. Com isso em mente, Hildred passa a trabalhar junto de Wilde para criarem uma insurreição contra seu primo Louis, capitão do exército e o primeiro na lista de pessoas a herdarem o trono. O grande ponto desse conto é: Hildred foi colocado em manicômios por conta de conspirações para impedi-lo de ascender ao trono, ou existe algum outro motivo? A confusão feita de forma proposital é justamente para deixar possibilidades em aberto antes da resposta ser dada ao final da história que, apesar de ser a primeira, é a mais densa do material e a que tem mais informações – por mais bizarras que pareçam – para o que vem a seguir.

O conto seguinte, A Máscara, sai dos Estados Unidos para Paris. Somos apresentados aos artistas Bóris e Alec, grandes amigos, mas que estão numa espécie de triângulo amoroso onde Alec é apaixonado pela esposa de Bóris, Genevive. Drama romântico à parte, após várias tentativas, Bóris consegue criar uma determinada substância líquida que transforma instantaneamente em estátua qualquer ser vivo que seja mergulhado nela. O seu sucesso na criação desse líquido acontece no mesmo momento em que Alec, na residência do amigo, pega e lê O Rei de Amarelo, passando a ter visões e sonhos que o inspiram a “retirar” as máscaras de sua existência. A construção da história leva a um término onde os destinos de Alec, Bóris, Genevive e da substância misteriosa acabam sendo um tanto previsíveis. Entretanto, novamente, temos a presença do curioso livro cujo conteúdo é desconhecido, mas que claramente leva as pessoas à loucura.

No terceiro ato temos O Emblema Amarelo, onde retornamos a Nova Iorque e o novo protagonista é um pintor chamado Scott. Foi ele quem pegou O Rei de Amarelo que pertencia a Hildred e levou para Bóris na história anterior, e agora é o novo dono do livro – o que mostra que os contos estão conectados. Scott começa a se incomodar com o fato do guarda noturno da igreja mais próxima, um homem de aparência um tanto sombria, constantemente ficar olhando para ele e sua residência. Tessie, a namorada e também modelo das pinturas de Scott, revela que no passado teve pesadelos com o guarda. Em seguida, o pintor também passa a ter sonhos estranhos com o mesmo homem, apesar de os julgar puro efeito da mente humana. O nível de bizarrice aumenta quando Scott descobre que a igreja foi vendida e o guarda, após muito tempo apenas olhando para ele e sua casa, o questiona de maneira incisiva se ele achou o “emblema amarelo”. Após Scott demonstrar certa preocupação com a situação, as coisas mudam por completo quando Tessie ignora seus alertas e decide ler O Rei de Amarelo.

Na Corte do Dragão fecha o material se iniciando justamente de onde parou o conto anterior. Scott acorda em Paris, junto do livro, sem saber como chegou lá. Ao assistir uma missa, ele percebe algo estranho em um dos músicos da igreja e, ao sair do local, acaba sendo perseguido pelo homem onde quer que vá. A história, em sua maioria sem diálogo e focando apenas nas expressões corporais dos personagens, é feita para gerar confusão e deixar a dúvida se estaria aquilo realmente acontecendo ou se é apenas um delírio da mente do protagonista.

Nota-se que todas as histórias são interligadas de algum modo, tendo como ponto principal coisas estranhas e sombrias acontecendo após a leitura do misterioso livro de conteúdo obscuro, O Rei de Amarelo.

Culbard faz um bom trabalho na parte da arte. Apesar de não ser dos desenhos mais detalhados, às vezes beirando um pouco o cartunesco, ainda assim passa a esquisitice necessária para as histórias, demonstrando bem também as mudanças nas feições dos personagens de acordo com suas emoções, principalmente no uso de olhos enlarguecidos. A colorização também é competente, principalmente nos usos da cor amarela, que é um tema recorrente e importante na história.

O roteiro, principalmente no primeiro conto, tem momentos que podem confundir um pouco aqueles que estão lendo o quadrinho pela primeira vez. Por ser uma mídia visual diferente da obra original, muito do detalhamento da narrativa acaba ficando por conta da arte e expressões dos personagens, e não dos textos. Para quem já leu o livro e conhece os contos, será mais fácil de entender seu desenrolar do que para aqueles que estão adentrando nessa leitura pela primeira vez pela graphic novel. Porém, conforme a história avança, as coisas vão, de uma forma distorcida, se encaixando e facilitando o entendimento, apesar da estranheza continuar presente, afinal é uma obra de horror estranho.

O Rei de Amarelo se mostra uma leitura cheia de momentos enigmáticos e situações sem grandes explicações, o que é feito de forma proposital pelo autor. Histórias nebulosas e bizarras são basicamente a definição da weird fiction, e a obra deve divertir aqueles acostumados com o gênero e, especialmente, familiarizados com a obra original de Chambers. Para quem nunca leu esse tipo de material, a recomendação é ir com a mente aberta e ciente de que suas perguntas certamente não serão respondidas. As dúvidas e a sensação de “que diabos eu acabei de ler?” são a beleza exótica desse tipo de história, afinal.

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