 Verão Fantasma
Original:Verão Fantasma
Ano:2022•País:Brasil Direção:Matheus Marchetti Roteiro:Matheus Marchetti Produção:Matheus Marchetti Elenco:Bruno Germano, Daniel Paulin, Gabriela Gonzalez, Tony Germano, Tuna Dwek |
Uma das surpresas dos últimos anos dentro de um cinema nacional autoral, o filme Verão Fantasma, dirigido por Matheus Marchetti, já é um feito por si só por ter conseguido ser financiado coletivamente através do Catarse. A obra é uma ousada incursão no cinema brasileiro, que mistura elementos de terror, drama LGBT, musical e até um toque lovecraftiano.
Na obra temos a história de Martin, um jovem perturbado fugindo de seus demônios pessoais no litoral paulista. Interpretado por Bruno Germano, Martin se esconde na casa de sua falecida tia, fugindo de sua realidade de rejeição, onde logo encontra Lucas, um jovem confiante que desperta nele um turbilhão de emoções e memórias de infância. A relação entre os dois, marcada por um estranho sonho e um passado sombrio, é um dos pontos centrais do filme, mas as coisas escalonam ainda mais com a chegada da prima de Martin e seus amigos, que introduzem um novo nível de conflito e paixão, expandindo a tensão e os eventos sombrios que permeiam a narrativa.
Com tudo isso, Verão Fantasma é notável por sua atmosfera envolvente e momentos de beleza visual. Marchetti demonstra habilidade em criar cenários góticos que se fundem com a explosão de cores típicas do verão, evocando estilos de diretores como Lucio Fulci e Dario Argento e seus filtros tão marcantes entre azul e vermelho. No entanto, é um filme que sofre com um ritmo irregular, oscilando entre seus diferentes gêneros e tonalidades, o que pode desafiar um pouco a paciência do espectador em suas quase duas horas de duração.
A obra se destaca no panorama do terror nacional por sua coragem em explorar temas profundos e sensíveis, como a sexualidade e a busca por identidade, sem medo de ser sentimental e piegas. A caracterização dos jovens é um ponto forte, fugindo dos estereótipos comuns ao cinema de terror ocidental. Os personagens são apresentados de forma realista e suas atitudes e conflitos soam genuínos, permitindo ao público uma conexão mais profunda.
O texto queer é uma camada importante do filme, oferecendo uma narrativa sobre encontrar conforto sobre a solidão justamente no sobrenatural, quando não há mais a sensação de esperança na realidade. Mas é também necessário reforçar que Verão Fantasma é um musical, numa vibe que poderia ser descrita resumidamente como “Evil Dead – A Ópera” e com um destaque para “A Lenda” de Sandy e Junior, que é usada de forma emocionante, ao mesmo tempo que cômica num dos momentos chaves do filme.
Apesar de seus pontos fortes, Verão Fantasma é um filme que demanda um esforço do espectador acostumado a um cinema mais elétrico e direto. Seu ritmo lento e alguns momentos arrastados, principalmente no começo, podem afastar espectadores menos dispostos. No entanto, o clímax é um pesadelo visualmente impressionante, com sequências de mortes e elementos surreais que, apesar de questionáveis em certos momentos, contribuem para a atmosfera única do filme, com um desfecho complexo e que provoca uma gama de sentimentos, permanecendo na memória do espectador.
Marchetti consegue realizar um verdadeiro milagre do cinema independente com os recursos limitados de um financiamento coletivo, entregando um filme tecnicamente impecável, especialmente na captação de áudio, e com um elenco muito afinado e realmente carismático.
Com uma proposta tão diferente do que é mais consumido hoje, Verão Fantasma é uma experiência cinematográfica bastante única, que não está aqui com o objetivo de agradar a todos, muito longe disso, mas marcada por sua ousadia e autenticidade, que certamente deixará uma marca no cinema brasileiro contemporâneo, principalmente por ter entregado uma excelente cena de cunete.
