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Sacrifícios Humanos
Original:Sacrifícios Humanos
Ano:2022•País:Equador
Autor:María Fernanda Ampuero•Editora: Moinhos

Sair de seu país natal para tentar a vida do outro lado do mundo é considerado um sonho para muitos. A chance de uma vida melhor, condições mais dignas, segurança e comida frequente na mesa, não é pedir muito. Por isso, apesar de assustadora a ideia de ir rumo ao desconhecido, vão esperançosos e felizes, ignorando os percalços de ser um imigrante, acreditando que mesmo as dificuldades serão melhores do que sua condição atual.

Xenofobia, falta de emprego, exploração, violência, desrespeito, fetichização, ódio, ódio puro, ódio que machuca, que mata. Muitas vezes imigrantes não são vistos nem mesmo como humanos, apenas escória, um incomodo que deve ser eliminado, excluído, subjugado, tratados como lixo, jogados como lixo, ignorados como um monte de trapos que ninguém se importa, carne de segunda que ninguém quer. Brutal? Sim, a realidade da maioria é. Em Sacrifícios Humanos, a equatoriana María Fernanda Ampuero abre bem fundo a ferida e deixa à mostra o terror palpável, dolorido e visceral que apenas o ser humano pode sentir e, pior ainda, reproduzir.

Em doze contos, Ampuero escancara horrores cotidianos, às vezes adicionando um toque sobrenatural. No primeiro conto, Biografia, isso já nos atinge sem dó. Uma mulher procura desesperadamente um emprego, missão praticamente impossível já que ninguém queria aceitar uma imigrante. Agoniada, lança mão de um último recurso: escrever qualquer história que alguém queira dividir com o mundo. Imediatamente, um homem retorna o anúncio e ela se vê sozinha em um lugar ermo, longe de tudo. Para além dos horrores de ser uma imigrante, os horrores de ser uma mulher imigrante. Além de puro ódio, corre risco de estupro, abusos, violências muito piores do que se fosse um homem. Esse conto exemplifica bem os temores de se estar sozinha em um lugar desconhecido, especialmente sendo mulher, e como é desesperador ter que botar sua vida diariamente em risco em troca de um prato de comida. As opções são morrer de fome ou correr o risco e ser paga, e a narrativa da autora é como um soco no estômago. Há elementos sobrenaturais que amplificam tudo de ruim que pode acontecer, mas é apenas uma alegoria. Sabemos que não é necessário possessão alguma para alguém fazer o mal que acontece ali. E isso é apenas a primeira história.

Ao longo das páginas seguintes, somos apresentados a mais narrativas intensas que abordam diferenças culturais, desigualdade social, abusos, elitismo e muito mais, tudo retratado de forma crua, agonizante. As personagens – que variam de crianças a mulheres adultas – precisam encontrar um jeito de seguir em frente, mesmo com a miséria, violência e todos os horrores que as cercam. Apesar da brutalidade da grande maioria, um ou outro conto não mostra a que veio, começando e terminando da mesma forma, sem grandes impactos ou mesmo desenvolvimento, como é o caso dos contos Sacrifícios e Escolhidas, apesar desse último abordar temas como pressão estética de uma forma macabra. Já outros, na simplicidade, são extremamente perturbadores, como é o caso dos contos Crentes, Invasões, Irmãzinha e Piedade. O horror social está presente em cada letra de Sacrifícios Humanos, causando desconforto ao descrever cenas horríveis que acontecem todos os dias, a violência escancarada em países latinos ou com latinos imigrantes, o pânico que mulheres sentem a cada segundo de sua existência.

Apesar de ser um livro curto, é impossível ler apenas em um dia, tamanho o peso de suas palavras. É uma leitura difícil e intensa que agride o psicológico com sua veracidade. É preciso digerir lentamente as histórias, recuperar o fôlego e, mesmo assim, algumas continuarão indigestas, pesando na mente, desconfortáveis e reflexivas. E essa é justamente a intenção da autora. Há diversos gatilhos na obra: estupro, bullying, agressão, violência doméstica e outros. É preciso ter estomago forte para enfrentar a obra de Ampuero. Necessária, cruel, aterrorizante e, acima de tudo, real, mesmo com algumas aparições fantásticas. Brutalmente real.

Sacrifícios Humanos foi o primeiro livro do Clube do Livro do Boca do Inferno. No encontro, que aconteceu no último domingo, 28/07, tivemos a presença de dez pessoas e foram discutidos tópicos como: horror social e latino, machismo, imigração, violência e abuso doméstico, negligência na infância etc. Quem gostou de Sacrifícios Humanos, a recomendação de leitura semelhante indicada foi a do livro Os Perigos de Fumar na Cama, de Mariana Enriquez.

O próximo encontro acontecerá no dia 25/08, com a discussão do livro Horror na Colina Darrington, do autor Marcus Barcelos. Os encontros acontecem na livraria Poison Books (Rua Júlia Izar, 31 – Tatuapé/SP) a partir das 14h30. Esperamos você lá!

Ao longo da análise você pode conferir algumas fotos do primeiro encontro do Clube, e, clicando aqui o vídeo postado em nossas redes sociais!

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