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O Banho do Diabo
Original:Des Teufels Bad / The Devil´s Bath
Ano:2024•País:Áustria, Alemanha
Direção:Severin Fiala, Veronika Franz
Roteiro:Severin Fiala, Veronika Franz
Produção:Ulrich Seidl, Bettina Brokemper
Elenco:Anja Plaschg, Maria Hofstätter, David Scheid, Tim Valerian Alberti, Natalija Baranova, Franziska Holzer, Elmar Kurz, Agnes Lampl, Claudia Martini

Ainda que o termo folk horror não seja exatamente uma novidade, foi nos últimos anos que o subgênero que ele nomeia começou atrair de fato a atenção da crítica especializada, além de consolidar um público específico. A respeitada distribuidora A24 contribuiu para esta revisitação do horror rural, quando em 2015 lançou A Bruxa, polêmica e cultuada produção dirigida pelo cineasta americano Robert Eggers. A trama ambientada na Inglaterra Colonial do século XVII mostrava uma família que, expulsa de sua comunidade, refugia-se em uma pequena propriedade no meio de uma floresta. Mas, eventos perturbadores acabam despertando convicções religiosas que arrastam todos para um pesadelo diabólico. As principais características do folk estavam ali, como o contexto religioso, o cenário em que a floresta se revela dominadora, claustrofóbica e por vezes sobrenatural, além dos rituais e elementos simbólicos relacionados à bruxaria e ao satanismo. Contudo, mais do que isso, A Bruxa contribuiu também adicionando outras particularidades estéticas e narrativas à esta nova roupagem do gênero, como a abordagem extremamente realista associada a um ritmo narrativo cadenciado, cujo resultado é um efeito melancólico e quase hipnótico. O formato acabou influenciando outras produções mais recentes como Você Não Estará Só! (de Goran Stolevski, 2022), Lamb (de Valdimar Jóhannsson, 2021) e o filme objeto deste texto, The Devil’s Bath (2024).

Des Teufels Bad ou The Devil’s Bath (ou O Banho do Diabo, em sua tradução literal) é um longa-metragem dirigido e escrito pelos cineastas austríacos Severin Fiala e Veronika Franz, a mesma dupla responsável por Boa Noite, Mamãe (2014) e O Chalé (2019). O roteiro é inspirado em casos reais relatados no livro Suicide by Proxy in Early Modern Germany: Crime, Sin and Salvation, de Kathy Stuart. Na trama, Agnes é uma jovem recém-casada que não vê sua libido correspondida no matrimônio e não encontra seu lugar em uma comunidade patriarcal e extremamente religiosa.

The Devil’s Bath é um horror com matizes históricas e dramáticas, que se destaca por uma desesperançosa exploração de temas como a depressão, a opressão/fanatismo religioso, a solidão e o suicídio – fica aqui o alerta para os gatilhos que estes assuntos possam trazer. E é com poucos diálogos que a deterioração emocional e psicológica da protagonista Agnes (na interpretação excelente de Anja Plaschg) vai sendo construída, da festa de casamento prometendo a felicidade ao desfecho pessimista ao extremo. A tristeza é reforçada pelo silêncio, pelas tomadas abertas e estáticas onde os personagens são pequenos sob um céu sempre cinza. O horror é psicológico na constatação da falta de uma saída e é mais real na religião e nas superstições que regem uma realidade primitiva que nós, expectadores, sabemos que não é ficcional.

O enredo é conduzido pelo conceito de “suicídio por procuração“, um crime comum nos territórios religiosos da Europa Central dos séculos XVII e XVIII. Suicidas, com receio da condenação perpétua ao inferno cristão, em vez de tirarem a própria vida, cometiam crimes cuja pena era capital (assassinatos, por exemplo). As regras da igreja permitiam a salvação após o arrependimento, confissão, eucaristia e a execução em público. Em resumo, iam para o céu em vez do inferno.

O desfecho é perturbador não só pela violência ou pelas ações questionáveis da protagonista, mas também pelo comportamento dos outros personagens que aceitam com certa naturalidade a estupidez, encerrando tudo em um ritual religioso assustador.

Outro mérito do filme é a perspectiva de múltiplas camadas interpretativas. Apesar da narrativa realista, por exemplo, é possível uma leitura mais crítica sobre a posição da mulher em uma sociedade patriarcal e religiosa. Igualmente podemos ver o longa como um alerta a cerca dos perigos do próprio extremismo religioso, o qual foi superado na contemporaneidade, mas que frequentemente ameaça retornar. Para os especialistas em temáticas psicológicas, O Banho do Diabo ainda costura uma espécie de ensaio interessantíssimo a respeito da depressão feminina.

É impressionante ainda que, apesar da extrema qualidade técnica e da belíssima fotografia de Martin Gschlacht, o filme ter sido rodado em apenas 40 dias, aproveitando oportunos cenários naturais da Áustria e da Alemanha. O Banho do Diabo estreou no Festival de Berlim em fevereiro de 2024, ganhando o Urso de Prata exatamente pela contribuição artística de sua fotografia. O longa chegou aos Estados Unidos quatro meses depois pela Shudder (canal de streaming dedicado ao gênero fantástico de horror), entretanto continua inédito no Brasil, enquanto este texto é escrito.

Apesar de todas as qualidades já citadas, é importante aqui uma ressalva. Sem querer soar pedante, não é um longa-metragem indicado para todos. O ritmo lento, a longa duração, a falta de ação e de gore podem ser atributos considerados enfadonhos para parte do público.

Uma dúvida que pode surgir é o significado do título, O Banho do Diabo. A expressão refere-se ao modo como era chamado, no século XVII, a melancolia, depressão e tristeza profunda, estados psicológicos e mentais comumente confundidos com problemas de ordem espiritual.

Enfim, O Banho do Diabo é sombrio, cruel e realista. Um folk horror psicológico pesado, cujo enredo deixa marcas no espectador, mais pela violência implícita do que exatamente pela mostrada.

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