![]() Fobia Vol.1
Original:Phobia – vol. 1 Ano:2025•País:Japão Páginas:200• Autor:Katsunori Hara, Yukiko Goto•Editora: JBC |
O medo é algo inerente ao ser humano desde o primeiro momento que chegamos ao mundo. Nascemos com medo, crescemos com medo, vivemos com medo, e isso é absolutamente natural, saudável e uma emoção necessária para nossa sobrevivência. Assim como tudo na vida, quando algo rompe a linha entre o saudável e o exagerado, vira um grande problema. Por exemplo, ter medo de altura não é nem um pouco incomum, porém, ter fobia de altura é algo completamente diferente. O pavor extremo e irracional de sequer pensar em ficar longe do chão, de modo a te travar no lugar, dar fortes palpitações e até mesmo causar reações mais graves está longe de ser normal. Explorando o medo irracional de coisas completamente comuns, o mangá Fobia, que tem seu primeiro volume publicado no Brasil pela editora JBC, eleva situações que se tornam extremas a um nível bizarro e apavorante em cinco histórias diferentes.
Na primeira história nossa protagonista, Tiemi Hashida, tem medo um medo absurdo de frestas desde um traumático acontecimento de sua infância. Uma bolsa aberta, uma calça mal abotoada, até mesmo um bocejo é o suficiente para deixá-la apavorada. Seu único porto seguro é seu namorado, que sempre fez de tudo para preencher todas as frestas a seu alcance, mas logo isso começa a mudar. Estranhando o comportamento do namorado, Tiemi vai atrás dele e descobre que está sendo traída; porém, ao invés de ficar indignada com isso, decide que a culpa é das frestas presentes no corpo daquela outra mulher. Determinada, Tiemi pretende fechá-las de uma vez por todas e salvar seu namorado. Essa é uma história cuja tensão vai se elevando a cada página, até chegar em seu clímax absurdo. Assustador e grotesco.
Na segunda história, Risa tem um sério problema com cheiros. Em especial o seu próprio, já que seu maior medo é… ficar fedida em público. Qualquer mínimo movimento de alguém, como abrir uma simples janela, é o suficiente para deixá-la paranoica e fazê-la correr para passar desodorante. Cada vez mais a situação fica fora de controle, e Risa começa a tomar medidas extremas. Essa história pode começar de um jeito um tanto engraçado devido ao fato da protagonista achar a todo momento que está fedendo, mas logo isso ganha tons macabros, mostrando o quanto uma fobia, mesmo uma boba, pode afetar seriamente o psicológico e a vida de alguém.
O medo de altura é abordado de um modo ligeiramente diferente das duas primeiras histórias na terceira parte do mangá. Yuichiro é um homem bem-sucedido que acha que pode fazer o que quiser com quem quiser. Uma noite, leva uma modelo para sua casa – uma cobertura no último andar – e, ao descobrir que a moça tem um medo absurdo de altura, faz questão de ter relações sexuais com ela de frente para a janela, de modo que ela veja o quão alto estão. A moça, é claro, fica extremamente desesperada, e no dia seguinte Yuichiro segue sua vida como se nada tivesse acontecido. Entretanto, parece que a fobia da modelo se apossou de sua mente, e agora é ele quem fica paralisado e se imagina caindo de uma altura imensurável até mesmo ao descer um degrau de escada. Novamente, a paranoia se eleva conforme a narrativa avança, chegando a um desfecho muitíssimo satisfatório e coerente com a proposta do mangá.
Na penúltima história, Nishizawa é uma jovem do interior que acaba de se mudar para Tóquio e encontra algumas dificuldades em se adaptar à metrópole. Não consegue fazer amizades, tem dificuldade no trabalho e fica perdida com tanta gente ao redor. Logo percebe que todas as relações naquela cidade são fúteis, líquidas e interesseiras, como se fossem um interminável enxame de vespas apenas querendo sugar sua energia vital. Aqui, o conceito trabalhado é mais sutil, fazendo um paralelo da multidão com insetos. A protagonista não necessariamente tem medo de lugares cheios, mas o fato de todos quererem se aproveitar dela a faz ficar, além de enojada, desesperada e querer evitá-los. Essa história é a mais relacionável de todas, especialmente para as mulheres, já que a protagonista é constantemente alvo de abusos e tratada como um pedaço de carne apenas por ser ingênua.
Por último, é abordado uma das fobias mais comuns: lugares fechados. Iguchi acorda em um cubículo, sem saber como foi parar lá ou o que está acontecendo. Logo o pequeno espaço começa a se encher de água e, desesperado, Iguchi precisa fazer com que a água pare de jorrar. Assim que consegue, recebe uma ligação de alguém misterioso que revela ter bolado mortes horríveis para o rapaz dentro daquela caixa. Após mais momentos desesperadores, e agora sabendo a identidade de seu captor, o rapaz é solto, mas a que custo? Desde então, não suporta a ideia de ficar em lugares fechados. A dinâmica dessa história é diferente das demais, já que o protagonista desenvolve a fobia após passar por um evento traumático já em idade adulta, logo no início da história. Desde o começo já sentimos toda a tensão do protagonista e o medo que ele está sentindo de morrer a qualquer minuto e, mesmo estando livre, continuará eternamente preso.
Com abordagens diferentes, o autor Katsunori Hara usa elementos e situações cotidianas para suas histórias, de forma que é muito fácil identificar um causo ou se ver passando por coisa semelhante. Os medos absurdos de coisas comuns e específicas – como frestas ou mesmo cheiros – podem parecer exagerados além da conta, porém, é exatamente essa a definição de fobia. Algumas vem de infância, enquanto nossa mente ainda está em desenvolvimento e tudo parece mais assustador do que de fato é, outras de traumas intensos. Hara explora os limites psicológicos do ser humano ao fazer seus personagens verem seus maiores medos irracionais se tornarem realidade, o quanto isso afeta as mais diversas áreas da vida e como pode ser prejudicial. Não é ficção e nem exagero o fato de muitas pessoas realmente morrerem por causa de algum medo extremo. O pavor é tão grande que o cérebro causa uma série de respostas fisiológicas, levando à paralisia, desespero desmedido e até mesmo ataques cardíacos. A expressão “morrer de medo” vira literal.
Há cenas hentai em quase todas as histórias do mangá, com o autor utilizando-as praticamente como uma metáfora. Assim que algum dos personagens chega ao auge do prazer, é quando as fobias vêm à tona mais intensamente – o clímax da história. A arte de Yukiko Goto é extremamente competente em captar a atmosfera opressora de pavor constante da obra, assim como as expressões de medo, horror e desespero, apesar do exagero na representação de corpos femininos. Mesmo sabendo que esse tipo de artificio é constantemente utilizado especialmente (mas não exclusivamente) em obras japonesas, as mulheres consideradas “atraentes” são desnecessariamente retratadas de forma hipersexualizada.
Com cinco contos independentes entre si, Fobia é um mangá impactante recheado de terror psicológico, onde até mesmo as coisas mais simples podem se tornar um pesadelo – ou sua pior realidade.