![]() Heidnik Profile: Cordeiro Assassino
Original:Cellar of Horror: The Story of Gary Heidnik Ano:2021•País:EUA Autor:Ken Englade•Editora: DarkSide Books |
O modus operandi de serial killers de mulheres, em geral, é semelhante: atraem suas vítimas – seja usando a aparência, carisma ou alguma fragilidade para manipulá-las – e, não muito tempo depois, executam-nas. Muitas das vezes as mulheres ainda são agredidas e estupradas antes de morrerem (ou até mesmo depois). Entretanto, Gary Michael Heidnik, cujos crimes ocorreram entre novembro de 1986 e abril de 1987 na Filadélfia, agia de forma um pouco diferente, mantendo suas vítimas encarceradas durante um longo período. Em Heidnik Profile: Cordeiro Assassino, publicado pela DarkSide Books, Ken Englade disseca essa perturbadora e macabra história.
Com seu prólogo em fevereiro de 1987, mostrando que com um pouco mais de cuidado e um trabalho menos preguiçoso da polícia o assassino poderia ter sido capturado bem antes, a narrativa intercala primeiramente capítulos sobre o passado conturbado de Heidnik e seus crimes.
Gary M. Heidnik foi criado por um pai rígido e agressivo e, aos 14 anos, foi para uma academia militar. Aos 18 se alistou no exército e serviu como enfermeiro na Alemanha Ocidental, porém, após 13 meses de serviço foi dispensado honrosamente por ser diagnosticado com transtorno de personalidade esquizoide. Heidnik passou por inúmeras internações em instituições psiquiátricas devido a tentativas de suicídio e/ou quadros de depressão. Apesar de todos os seus problemas psiquiátricos e com relações familiares e amorosas turbulentas, Heidnik sempre foi uma pessoa extremamente inteligente, com pontuações acima da média em testes de QI e sendo um habilidoso investidor, adquirindo mais de meio milhão de dólares ao longo dos anos. Também fundou a Igreja Unida dos Ministros de Deus, onde se autointitulou bispo e costumava pregar para pessoas carentes e marginalizadas de sua localidade, uma jogada que alguns acreditam ter sido um artifício para não pagar os impostos de seus investimentos no mercado financeiro.
Heidnik teve diversas parceiras sexuais ao longo dos anos, mesmo sendo casado com a filipina Betty Disto. Cada vez mais ele era agressivo e abusivo com a esposa, o que levou ao fim do casamento, e esse não era um comportamento incomum. Alguns anos antes, foi encarcerado por ser considerado culpado de sequestro, cárcere privado e estupro de Alberta Davidson, mas cumpriu grande parte da pena em instituições psiquiátricas. Mesmo assim, ninguém considerava Heidnik uma grande ameaça. Fazendo papel de desentendido e se aproveitando de seu diagnóstico, cometeu diversas atrocidades sem ninguém desconfiar do que acontecia naquela casa dos horrores. O objetivo de vida de Heidnik era sequestrar dez mulheres e criar um harém deturpado, onde todas elas lhe dariam filhos. Caso alguma delas mostrasse algum descontentamento com isso, era torturada das piores formas possíveis. Com cinco mulheres em seu poder, logo as sádicas punições trouxeram consequências e duas delas sucumbiram, o que levou Heidnik a tomar medidas ainda mais extremas de crueldade.
A brutalidade com a qual Heidnik tratava as mulheres é contada em detalhes, e a negligência da polícia é revoltante. Enquanto a cabeça de uma delas era fervida na panela, a polícia simplesmente descartava o envolvimento de Heidnik no caso das moças desaparecidas por causa de seu diagnóstico, mesmo sendo claro que Heidnik sabia muito bem o que estava fazendo. Foi graças a Josefina Rivera, a primeira sequestrada, que as outras não tiveram o mesmo destino. Aos poucos, Josefina foi conquistando a confiança de Heidnik e ganhando mais liberdade, recebendo autorização para sair de casa e conseguir mais uma vítima. Assim que se viu livre, imediatamente alertou as autoridades. Com o assassino preso, a segunda parte do livro é sobre seu julgamento, com o autor apresentando os desdobramentos, as estratégias da defesa e da acusação e todas as suas reviravoltas. Englade faz um ótimo trabalho relatando os fatos, com uma escrita clara e organizada, sem precisar recorrer a termos extremamente técnicos ou sensacionalistas que comprometeriam a qualidade da leitura. Pelo contrário, mesmo sendo uma obra com uma história bem pesada e cheia de gatilhos, o autor fala de forma dinâmica e sensata, prendendo totalmente a atenção do leitor. O relato de temporalidade não linear na primeira metade do livro é feito de uma maneira onde nada fica confuso e são deixados ganchos que se conectam bem com o início do capítulo seguinte. Claro, é preciso ter estômago forte, já que os acontecimentos descritos são perturbadores.
Heidnik procurava sempre um mesmo perfil para sequestrar – mulheres negras, marginalizadas, prostitutas ou com algum distúrbio – e, por seguir um modus operandi com perfil específico, se encaixa no termo “assassino em série”. Muitas outras mulheres teriam o mesmo destino das que morreram, Sandra Lindsey e Deborah Dudley, caso Josefina não tivesse fugido e denunciado.
Thomas Harris, autor de O Silêncio dos Inocentes, se baseou em Heidnik (além de Ed Gein e Ted Bundy) para seu personagem, o assassino Buffalo Bill. Heidnik foi sentenciado à execução por injeção letal em 6 de julho de 1999, e foi a última pessoa a ser executada por pena de morte na Pensilvânia.
Com uma narrativa muito bem construída, Heidnik Profile relata de forma detalhada tanto o passado do assassino quanto as crueldades que ele fazia com suas vítimas. Um livro pesado e impactante, que nos lembra que o ser humano é capaz das maiores atrocidades.
Que Heidnik foi culpado de seus crimes extremamente cruéis e violentos, isso ninguém pode negar. Mas decidir se ele estava ciente do que fazia e gostava, se seus problemas psiquiátricos eram a principal influência, ou até mesmo um misto das duas coisas, fica a cargo da interpretação do leitor.