![]() Desaparecer por completo
Original:Desaparecer por completo
Ano:2022•País:México Direção:Luis Javier Henaine Roteiro:Ricardo Aguado-Fentanes, Luis Javier Henaine Produção:Pablo Zimbrón Alva, Gerardo Gatica González, Luis Javier Henaine Elenco:Harold Torres, Tete Espinoza, Fermín Martínez, Vicky Araico, Norma Reyna |
por Renato Droguett
O cinema de terror mexicano possui um legado fascinante, construído a partir de uma rica tapeçaria de lendas, folclore e experimentações estéticas que remontam às primeiras produções nacionais, como o cultuado Alucarda (1977) e a enigmática Santa Sangre (1989). Historicamente, o país soube mesclar o misticismo popular com uma sensibilidade única, criando obras que transitam dos clássicos que desafiaram os padrões da época até experimentações ousadas que exploram o terror psicológico e o grotesco. Nos últimos dez anos, esse legado ganhou nova vida com cineastas contemporâneos que ousam romper com o convencional, como se observa em produções marcantes como Somos lo que hay (2010) e Tigers Are Not Afraid (2017). Essas obras não apenas revitalizaram o gênero, mas também infundiram ao panorama atual uma aura de inovação e autenticidade, sempre temperada com aquela pitada de irreverência que o México sabe oferecer.
Em Desaparecer Por Completo, somos conduzidos pela jornada de um fotógrafo especializado em capturar cenas de horror, cuja carreira estagnada há anos contrasta fortemente com os eventos macabros que ele tenta, sem sucesso, documentar. Convicto de que a rotina desgastada de cliques pode um dia se transformar em algo grandioso, ele permanece preso a uma trajetória profissional sem evolução, enquanto sua companheira, ao seu lado há 14 anos, alcança o ponto de ruptura, cansada de sustentar uma vida marcada pela mesmice e pela falta de ambição. Durante a cobertura de eventos sinistros, o protagonista se vê gradativamente imerso em uma trama onde o terror, inicialmente apenas objeto de sua lente, invade sua própria realidade, confundindo a ficção com a crua experiência pessoal. O filme se apresenta, de maneira quase metafórica, como um exercício de metalinguagem: o ato de documentar o horror torna-se, irônicamente, o epicentro de uma experiência aterradora e inescrutável, instigando o espectador a desvendar, sem facilidades, os segredos ocultos por trás de cada imagem.
Do ponto de vista técnico, Desaparecer Por Completo revela uma execução primorosa e uma sensibilidade que encantam tanto os aficionados por horror quanto os apreciadores de uma boa narrativa. O ritmo é meticulosamente calibrado, permitindo que a tensão se acumule de maneira orgânica e quase palpável. O roteiro, inteligentemente construído, prioriza o desenvolvimento de uma história envolvente em detrimento de respostas fáceis para os mistérios propostos, enquanto a atuação do protagonista se destaca pela profundidade e autenticidade, dando vida a cada dilema com maestria. A direção demonstra segurança ao conduzir a narrativa, e a trilha sonora, escolhida com rigor, acentua cada reviravolta de forma magistral, principalmente à partir do momento em que ela acompanha fisicamente as circunstâncias pelas quais o protagonista tem de passar. Contudo, à medida que o mistério se aprofunda e o ritualismo macabro passa a ocupar um espaço maior na trama, o filme perde um pouco da força realista que o caracterizava inicialmente, fazendo com que alguns momentos pareçam forçados e destoantes do tom que tão habilmente havia sido estabelecido. Porém, vale mencionar o final abrupto, uma escolha deliberada que, embora possa gerar desconforto em alguns, funciona como um convite para que o espectador preencha as lacunas com sua própria interpretação e reflexões – e funciona muito bem!
Em síntese, Desaparecer Por Completo se consolida como uma obra inovadora que homenageia e, ao mesmo tempo, desafia as tradições do terror mexicano. A rica contextualização histórica do gênero, aliada a uma narrativa que mescla o real com o fantástico, e uma execução técnica exemplar, fazem deste filme uma experiência memorável. O final abrupto, longe de ser uma falha, estimula a imaginação e mantém o espectador imerso na trama muito tempo após os créditos finais, similar ao impacto deixado por produções recentes como Somos lo que hay. Com uma abordagem que conjuga inteligência, ousadia e um toque do macabro, o filme não só engrandece o cenário mexicano de horror, mas também reafirma o país como um celeiro de narrativas corajosas e instigantes.