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por L.F. Lunardello

Eles Vivem é um filme de ficção científica de 1988 dirigido e escrito por John Carpenter.

A obra é baseada no conto Oito horas da manhã, de Ray Nelson, e acompanha um homem, George Nada, que descobre que a humanidade está sendo controlada por uma força alienígena.

Eles Vivem (1988)

O autor:

Ray Nelson foi um escritor de ficção científica norte americano que possui um currículo, no mínimo, inusitado: trabalhou com Michael Moorcock no contrabando de livros do então proibido Henry Miller para fora da França, foi professor de escrita de Anne Rice e melhor amigo de Phillip K. Dick desde a infância, chegando a escrever um livro com o conhecido autor, chamado The Ganymede Takeover, inédito no Brasil.

Com uma verve revolucionária e anti-sistema, Nelson nos entregou algumas das maiores joias da ficção científica de vanguarda, misturando sua poesia Beatnik numa distopia ácida, como em Desligue o Céu, ou mostrando toda a inovação sem concessões que conseguiu incitar num gênero que, à época, parecia engessado, como em Viagem no Tempo para Pessoas Ordinárias. Este último elogiado por Harlan Ellison e incluído na icônica coletânia Again, Dangerous Visions, editada pelo autor. Esses contos outros mais podem ser encontrados na coletânea Eles Vivem – Contos de ficção científica, publicado pela Editora Diário Macabro, a única obra de Nelson em língua portuguesa.

A crítica do filme:

Machões gente fina descobrem que a classe mais alta da sociedade é, na verdade, composta por monstros alienígenas que, nos alienando com a cultura pop, o consumo e o capitalismo predatório, nos escravizam e destroem nosso planeta enquanto curtem a vida adoidado. Nós trabalhamos, eles vivem.

Se você der um celular na mão de todo mundo, um homem branco adulto falando “lacração!”, o hoje cancelado Monark falando sobre racismo, camisetas do brasil em imensos protestos, make america great again, alguns moleques no TikTok… e Eles Vivem (1988) poderia se passar hoje em dia.

O filme é uma aula sobre a cultura do consumo e a constatação de que as políticas econômicas de Reagan só ajudaram a classe alta. No filme, os figurões alienígenas correm pelas ruas em seus trajes de negócios, atendidos por vendedores humanos enquanto as pessoas dormem na rua, implorando por trabalh. Carpenter liga visualmente a década de 1980 à Grande Depressão da década de 1930, filmando favelas enquanto o som do sintetizador fornece uma aura de desencanto.

O filme exala uma qualidade incrível, como se os argumentos que apresenta fossem tão óbvios que fosse fácil de mostrar. O mais importante é o que vem junto: a diversão cínica e inconfundível do diretor. A decisão de escalar o lutador profissional “Rowdy” Piper como seu protagonista deu ainda meios para comentar sobre as atitudes e códigos hipermasculinos característicos da época, viralizados por filmes com Stallone, Schwarzenegger e tantos outros.

Ao longo de Eles Vivem, Carpenter consegue uma empatia por pessoas que presumivelmente votaram em Reagan e que poderiam, por extensão, votar em qualquer governo populista focado em enriquecimento de quem já é rico. George Nada diz desde o início que “acredita na América”, sentindo que se “mantiver o nariz limpo e seguir as regras”, as coisas vão dar certo, ainda que passe fome, não tenha onde morar, não tenha nenhum nível de habilidade para trabalhos de melhor remuneração ou um emprego.

Carpenter deve significar mais para os cineastas e fãs de ficção científica e terror contemporâneos do que qualquer outro diretor – seu elegante senso niilista de desesperança tem sido útil para quem busca sondar a incerteza da vida moderna. Ele se inspirou em Ray Nelson e o ultrapassou, transformando um conto formidável e crítico em uma poderosíssima arma de reflexão.

Os terrores do filme são, ao mesmo tempo, específicos e atemporais – e nem precisamos mais dos óculos, pois os monstros estão por toda parte.

Sobre o autor do texto:

L.F. Lunardello é nordestino, professor, tradutor, autor e revisor. Atuou em centenas de traduções científicas internacionais pela @nerdenglish e faz crítica de literatura, cinema e HQs no @baiaodacaveira e é membro da ACCiRN. Sua ficção envolve sertões e horrores, às vezes misturando os dois. Já foi publicado pelas editoras Tábula, Diário Macabro, Raphus Press e DaRosa e venceu o prêmio de literatura da Universidade de Fortaleza em 2023, na modalidade conto

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