por Michel Goulart da Silva
Um jovem caminha por uma floresta ensaiando as palavras que precisa dizer antes de colocar a aliança no dedo de sua noiva. Para dar mais veracidade ao ensaio, coloca o anel no que parece ser um galho no chão. Mas, para sua surpresa, vê emergir da terra uma jovem, com as roupas rasgadas, que possivelmente está morta. Dela saem vermes bem-humorados, que dão mostras de sua condição.
Ela chama de noivo o jovem que havia colocado o anel em seu dedo. Ele, tomado pelo medo, foge daquela noiva inesperada. Mas ela o alcança em sua fuga e lhe dá um beijo. Ao chegar no mundo dos mortos com sua noiva, o jovem depara-se com uma grande festa, onde todos comemoram o casamento. Um conjunto de figuras bizarras, mas felizes, é apresentado aos poucos ao espectador.
Essa cena é parte do filme A Noiva Cadáver, desenho animado realizado por Mike Johnson e Tim Burton, em 2005. O filme mostra dois mundos diversos que existem de forma paralela, um no qual moram pessoas vivas e outro onde vivem os mortos. O primeiro é triste e cinzento, enquanto aquele habitado pelos mortos, ao contrário, é generoso, colorido, e onde as pessoas se divertem.
Em A Noiva Cadáver percebe-se a positivação da morte, em contraste com a negatividade da vida, mostrado por meio da separação física de dois mundos. No filme, a morte é mostrada, ainda que em outro plano, como uma continuação da vida. Ela constitui-se, assim, em um tipo de recomeço, onde os seres têm a chance de corrigir erros e traçar caminhos diferentes daqueles escolhidos em vida.
No começo do filme são dedicados vários minutos a caracterizar o mundo dos vivos, monótono, perigoso e triste. O espectador é levado ao mundo privado das duas famílias, uma de nobres em decadência e a outra de burgueses que desejam ascender.

Os filhos das duas famílias, mesmo sem se conhecerem, devem se casar, para selar um contrato de conveniência. Uma das famílias, que tem o título de nobreza, mas não tem dinheiro, tem interesse nas riquezas que uma família de burgueses possa lhes proporcionar. Por sua vez, os burgueses enxergam nos títulos de nobreza a possibilidade de adentrar nas esferas mais elitizadas daquela sociedade.
Essa representação contrasta com o mundo dos mortos, colorido e movimentado, no qual todos bebem, riem e se divertem sem preocupações, mostrando muito bom humor. A porta de entrada para a morte é festiva e alegre, recepcionando de forma calorosa os novatos, em contraste com o mundo dos vivos onde o perigo espreita constantemente e, principalmente, parece não haver nada que possa provocar alguma felicidade.
Na festa dos mortos, mesmo a narração do assassinato de Emily não é motivo para tristezas. Esse fato é contado por meio de uma música alegre, que a define como “trágica história de romance, paixão e assassinato a sangue-frio”. O refrão da música é “Vai, vai chegar sua vez, a morte virá não importa o freguês. Você pode até se esconder e rezar, mas do funeral não irá escapar”.
Mostra-se aqui novamente certa positivação da morte, pois mesmo a narração de um acontecimento triste não abala a felicidade da festa. Essa contínua felicidade se explica diante da superação do passado triste, diante do casamento da “noiva cadáver”.
Essa questão da noiva também contraste os dois mundos. Enquanto Victória, a noiva viva, tinha face triste, cuja única luz se viu quando conheceu sua paixão no encontro com Victor, Emily guardava serenidade e felicidade no rosto, ainda que estivesse morta. Emily expressa sentimentos sinceros no casamento e não na realização financeira de uma família, sonhando com uma vida feliz e harmoniosa.
Outra cena marcante tem relação com o reencontro entre os vivos e os mortos, na triste e enfadonha cerimônia do casamento de Victória com Lord Barkis, um homem misterioso e ganancioso, que anos antes havia assassinado Emily, a noiva-cadáver. Mas, numa virada na história, Lord Barkis descobre que a família de nobres está falida, levando ao momento de maior tensão do filme.
Em paralelo, Victor precisa concretizar seu casamento com Emily. Sendo vivo, não poderia estar casado com uma morta. Precisaria tomar um veneno, para que ele e sua noiva pudessem viver em paz, na morte. Novamente aqui há um contraste, afinal a morte de Victor e seu casamento com Emily são motivos de uma grande festa, enquanto o casamento de Victória com o bem apessoado vilão é triste e lúgubre.
Para a cerimônia de casamento de Emily e Victor, os mortos sobem até o mundo dos vivos. Estes, vendo a invasão, reagem com medo dos seres que aparentam ser desconhecidos e perigosos. Contudo, aos poucos vão reconhecendo os entes queridos mortos. Uma viúva reencontra seu marido. Uma criança reconhece seu avô. O reencontro não apenas traz a felicidade de superar a saudade, mas o próprio mundo sombrio dos vivos ganha mais alegria com a presença dos mortos.
Emily, embora renuncie a seu casamento, como forma de garantir a felicidade de Victor e Victória, tem sua felicidade alcançada. Primeiro, porque ela fecha seu ciclo de vida, podendo viver sua morte sem a perturbação de uma maldição. Segundo, porque seu assassino é não apenas descoberto, como são os próprios mortos que fazem seu acerto de contas. O assassino é punido, chegando ao mundo dos mortos, onde não poderia mais promover golpes ou casamentos por interesse seguidos de assassinatos a sangue frio.
O filme, apesar de certa melancolia, celebra a felicidade e faz refletir sobre a vida que se leva. Mostra, ainda, como a morte impacta na vida dos entes queridos, não pela tristeza, mas pela felicidade que trazem as lembranças.