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por Michel Goulart da Silva

O diretor George Romero tornou-se mais conhecido por seus filmes ambientados em um mundo pós-apocalíptico dominado por zumbis, tendo dirigido A Noite dos Mortos-Vivos, o principal clássico do gênero, lançado em 1968. Contudo, sua obra, centrada principalmente em filmes de horror, é muito mais vasta e complexa, expressando também importantes preocupações políticas e sociais. Essa perspectiva extrapola a ideia do zumbi como metáfora social, abrangendo problemas políticos e sociais mais complexos.

Na década de 1970, após o sucesso de seu filme sobre o apocalipse zumbi, Romero dirigiu três filmes de ficção que não tratam do tema dos zumbis, embora também sejam obras de horror. Esses filmes, com diferentes temáticas, possuem elementos que se constituem em estudos sobre a psicologia humana e a tênue linha entre a realidade e a fantasia.

O primeiro desses filmes, Hungry Wives, também conhecido como Season of the Witch, foi lançado em 1972. O filme tem como protagonista Joan Mitchell, uma dona de casa que vive em uma comunidade suburbana. Joan começa a ter experiências paranormais e visões, o que a leva a se juntar a um grupo de mulheres que compartilham habilidades psíquicas. O filme se constitui antes em uma exploração da psicologia feminina e da busca por identidade e autonomia do que em uma história de terror sobrenatural. Para Joan, essas experiências expressam a busca por significado e liberdade em sua vida.

O filme se constitui mais uma exploração da psicologia feminina e da busca por identidade e autonomia do que uma história de terror sobrenatural. O grupo de mulheres questiona a opressão que sofrem por parte da sociedade. O filme apresenta uma visão crítica da sociedade suburbana, mostrando como as mulheres são oprimidas e sufocadas pelas expectativas sociais. Por meio da bruxaria e do ocultismo, essas mulheres encontram uma forma de expressar seus medos e ansiedades e de se rebelar contra a sociedade opressora.

O filme The Crazies, lançado em 1973, explora a ideia do medo coletivo ao mostrar como uma pequena cidade pode transformar-se em um local de caos e terror quando uma substância química tóxica é liberada na água. O agente patógeno, conhecido como Trixie, é um vírus criado pelo governo para fins de guerra biológica, mas que acaba sendo liberado acidentalmente na cidade de Evans City, na Pensilvânia. Contudo, o risco biológico que causa medo nas pessoas, ainda que de fato seja letal, acaba não sendo o principal problema apresentado no filme.

Exército de Extermínio (1973)
A epidemia de George Romero

Romero apresenta uma visão crítica da sociedade norte-americana. No filme, sugere-se que o pânico é muito mais resultado da reação das pessoas à ameaça do vírus do que propriamente do efeito causado pelo vírus. O verdadeiro horror está na forma como as pessoas reagem à ameaça. O filme explora a psicologia coletiva, mostrando como o medo pode se espalhar e tornar-se uma força destrutiva.

O terceiro filme desse conjunto, Martin, foi lançado em 1977. O filme segue a história de Martin, um jovem que acredita ser um vampiro. Embora apresente comportamentos que se assemelham aos dessas criaturas, como beber sangue e evitar a luz solar, o filme sugere que sua condição pode ser mais psicológica do que sobrenatural. Com a chegada de Martin a uma pequena cidade da Pensilvânia, ele torna-se o centro de uma série de eventos terríveis.

Martin (1976)
Vampirismo a la Romero!

Por meio da narrativa, mostra-se a construção do medo em uma comunidade supersticiosa. Martin torna-se o bode expiatório dos medos e ansiedades daquela população. O filme pode ser entendido como uma crítica à forma como as sociedades se tornam vítimas de seus próprios preconceitos, o que pode levar a consequências trágicas.

Os três filmes exploram como as pessoas podem se perder em fantasias provocadas por uma percepção distorcida da realidade. Em Hungry Wives, a busca por poder por meio da bruxaria mostra como o descolamento da percepção da realidade pode levar à destruição pessoal. Em The Crazies, o medo da contaminação leva a decisões muitas vezes irracionais, evidenciando a fragilidade da sociedade. Em Martin, o medo do protagonista em relação à sua própria natureza cria uma atmosfera de tensão constante, distorcendo sua percepção da realidade e levando a ações extremas.

Os filmes expressam particularidades de um contexto político e social mais amplo. O filme Hungry Wives expressa questões relacionadas às lutas das mulheres e à reação conservadora que se aprofundava no cinema na década de 1970. A narrativa de The Crazies parece refletir sobre o contexto de paranoia e medos de ameaças relacionadas à Guerra Fria. Por sua vez, Martin parece dialogar com o questionamento das tradições e da religião na sociedade norte-americana.

Esses filmes demonstram, por um lado, a criatividade de George Romero ao repensar os temas do horror e sua importância para o gênero. Por outro, revelam algumas de suas preocupações políticas e sociais, ao abordar reflexões que perpassam tanto a construção de identidades quanto a postura das pessoas diante de seus próprios medos, individual e coletivamente.

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