O cenário do Cinema Nacional de Horror em 2018 e O Animal Cordial

4.5
(2)

No dia 7 de junho, estava ansioso para assistir Às Boas Maneiras, dirigido pela dupla Marco Dutra e Juliana Rojas. Filme aclamado pela crítica e elogiado por onde passou. A expectativa era grande também por ser um filme de horror nacional estreando em salas comerciais, com grande divulgação. Porém, em Belo Horizonte, o filme estreou em apenas duas salas – uma delas em um shopping distante, nos horários de 17h e 22h30; a outra sala mais central, porém, demoraram para atualizar a programação em seu site. Fui à primeira opção, sessão das 22h30, um amigo me acompanhou, e estávamos somente ele e eu na sala. Como cineasta independente, saí com um sentimento de decepção, não pelo filme que é maravilhoso, mas sim pela péssima distribuição. Um desânimo de investir em uma carreira que talvez seja apenas um sonho inalcançável. A reflexão seguiu após eu chegar em casa; com a cabeça mais fria, concluí que o cenário atual não é desanimador, pelo contrário.

O ano de 2018 tem sido excelente para o cinema de horror nacional: Rodrigo Aragão lançando A Mata Negra (e já engatando mais uma produção); Paulo Biscaia com sua produção estadunidense, Virgens Acorrentadas, que rolou em várias salas de cinema em diversas cidades pelo país (infelizmente não em BH); Dennison Ramalho e o aguardado Morto não Fala. Não me lembro de ver tantas produções  nacionais do gênero com este alcance de visibilidade no mesmo ano. Em novembro, na capital de São Paulo, teremos três festivais dedicados ao universo fantástico, o Phenomena, o famoso Cinefantasy e a 5ª edição do nosso Festival Boca do Inferno, que já conta com mais de 1500 inscrições – além de vários outros festivais espalhados pelo país. A conclusão é que o cenário é mais que animador, e tende a melhorar a cada vez mais, e contamos sempre com vocês, infernautas, para apoiar o nosso cinema de gênero nacional.

Esta semana estreou um dos melhores filmes de gênero do ano, e ele é nacional: O Animal Cordial, primeiro longa da talentosa Gabriela Amaral, produzido por Rodrigo Teixeira (que produziu também As Boas Maneiras, e A Bruxa). Em Belo Horizonte chegando infelizmente a apenas duas salas, e dois horários cada.

Gabriela Amaral insere críticas sociais dentro da narrativa, que acontece em um restaurante, aparentemente mal localizado, vazio, mas ainda mantendo um ar elitizado. Logo no início vemos que existe uma tensão entre Inácio (Murilo Benício) e seus empregados, insatisfeitos por terem que ficar até mais tarde para atender um casal que, chega quando o restaurante está prestes a fechar. A situação se agrava após a tentativa de um assalto, e tanto alguns dos empregados que ainda estavam presentes, como os últimos clientes ficam presos no local, a mercê de um personagem que se revela como um frio e cruel maníaco.

O ritmo de tensão crescente, construído desde o primeiro ato, não traz um momento de alívio para o espectador. O restaurante parece ser um prato cheio para o banho de sangue que se segue – facas, cutelos, serras ficam à disposição dos personagens em meio ao ambiente que se encontram. Neste ambiente temos diversos tipos de personagens inseridos em uma divisão de classes – o rico, o pobre, o conflito entre ambos, tentativas de humilhação, o preconceito, o racismo, a homofobia, o ódio que se instaura, a manipulação, relações de poder, a convicção de cada personagem em seu lugar na sociedade e a (des)construção de cada um mediante ao caos que se instaura no local.

(Des) construção essa visivelmente percebida na personagem de Sara, brilhantemente interpretada por Luciana Paes. Ao mesmo tempo em que seu patrão, Inácio, mantem um controle sobre ela, ambos adotam um postura animalesca, até mesmo em seus movimentos, com Murilo Benício entregando uma atuação primorosa.  Irandhir Santos também está excelente, e tem belos momentos de reflexão acerca de seu personagem, assim como o resto do elenco.

Roteiro, direção, trilha, som, fotografia, estão perfeitamente alinhados na construção da trama, mesmo que alguns críticos insistam em rotulá-la como suspense. Mas Animal Cordial é um horror contemporâneo visceral, cru, retratando um quadro social que recorre a uma natureza quase primitiva que soa tão atual. É louvável que O Animal Cordial seja dirigido por uma mulher, em um gênero por muitas vezes sexista, onde a diretora inverte determinados papeis.

Nosso cinema de gênero está aí! É preciso que o público entenda, apoie, assista e, abrace o Horror Nacional.

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Ivo Costa

Cineasta formado pela Escola Livre de Cinema, dirigiu os curtas “Sexta-feira da Paixão”, “O Presente de Camila”, “Influência” e “Com Teu Sangue Pagará. Produziu o curta ‘Vem Brincar Comigo’. Atualmente é crítico no site Boca do Inferno e professor do Curso Cinema de Horror, da Escola Livre de Cinema. Fez parte do Júri Popular do Festival Cinefantasy em 2011, Júri Oficial do Festival  Boca do Inferno 2017, Juri Oficial da Mostra Espanha Fantástica no Cinefantasy 2020.  Realizou a curadoria da Mostra Amador do Cinefantasy 2019 e do Festival Boca do Inferno 2019.

3 thoughts on “O cenário do Cinema Nacional de Horror em 2018 e O Animal Cordial

  • 10/02/2024 em 04:30
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    Gostei do filme (Animal Cordial), parece que o terror é o único gênero que presta atualmente pra assistir filme brasileiro, pena que é um gênero extremamente menosprezado por aqui. Enquanto que nos Estados Unidos boa parte dos grandes estúdios só investe em filminho besta e genérico de super herói, aqui no Brasil os estúdios só investem nessas comédias sem graça de merda. Sobre o filme eu fui pego desprevinido com a trama intrigante, boas atuações e trilha sonora, só critico o final que achei confuso e não entendi nada.

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  • 23/08/2018 em 21:46
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    Sensacional e insano! O cinema nacional cada vez mais se superando 😀

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  • 18/08/2018 em 09:29
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    Concordo com o Ivo! Acredito que é o melhor momento do terror brasileiro! A tendência é de crescimento! O público com certeza irá reconhecer o valor do cinema brasileiro de terror em breve!

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