Parte II: Os anos 50 – Monstros cafonas e mais subtextos queer
Como escreve Benshoff em “Monsters in the Closet: Homosexuality in the Horror Film”, a era do pós-guerra foi uma época terrível para viver fora da definição pré-fabricada do que significava ser um verdadeiro americano: “De muitas maneiras, a década de 1950 pode ser considerada a década mais escura do século XX tanto para os monstros quanto para os homossexuais, bem como para qualquer outra pessoa que possa ser considerada de alguma forma fora da construção hegemônica da normalidade. A Guerra deixou as pessoas desconfiadas com tudo que era estrangeiro, o que contribuiu para uma excessiva onda xenofófica contra tudo que fosse de fora”. Este medo foi apresentado e mascarado com filmes de ficção científica – It Came From Outer Space (1953), Invasion of the Body Snatchers (1956) e Not of This Earth (1957) para citar alguns. E então vieram os medos atômicos que davam lugar a estranhos invasores e esquisitices da ciência, como Teenage Monster (1957), Teenage Caveman (1958), e Teenage Zombies (1959).
Mas os anos 50 também lançaram as bases para a próxima era pós-código. “A compaixão qualificada dirigida aos monstros queer durante os anos da Segunda Guerra Mundial evaporou-se no calor escaldante do macarthismo; uma nova paranóia em torno da diferença, seja política ou sexual, somada a uma atmosfera socialmente opressora que alimentou não apenas maior perseguição social dos homossexuais, mas também, inversamente, o início de um movimento homossexual organizado pelos direitos civis”, escreve Benshoff. A florescente Guerra Fria – combinada com medos atômicos – gerou muito horror queer velado na grande tela.
The Creature From the Black Lagoon (O Monstro da Lagoa Negra, 1954) – Na Amazônia brasileira, o pesquisador Carl Maia (Antonio Moreno) fotografa o que parece ser a nadadeira de um anfíbio possivelmente extinto. Carl viaja para mostrar sua descoberta e obter apoio financeiro, mas ao retornar com outros pesquisadores (entre eles Whit Bissell como o Dr. Thompson), descobre que dois funcionários deles foram mortos. Eles rumam para a Lagoa Negra, onde acham uma misteriosa criatura anfíbia, que pode ser o elo perdido entre duas espécies – uma aquática e outra terrestre. A criatura é tida como a última sobrevivente de uma espécie de humanóides anfíbios que viveram na Era Devoniana. A criatura aparentemente era conhecida dos nativos, pois o capitão do barco Rita, usado pelos pesquisadores, menciona uma lenda local sobre os “homens-peixe“.
Em uma leitura mais próxima, tudo é sobre um punhado de homens que compartilham uma excursão homo-social em que eles encontram um grande símbolo fálico simbolizado pela besta aquática. Kay (interpretada por Julia Adams) é a vítima, o objeto de desejo de ambas as partes, mas nota-se claramente certa tensão sexual entre os homens e seus trajes de banho.
Les Diaboliques (As Diabólicas, 1955) – Duas mulheres que trabalham em um colégio interno na França conspiram para matar seu terrível diretor, Michel Delassalle (Paul Meurisse), que coincidentemente é o marido de Christina. Christina (Véra Clouzot) é leve e frágil, mas Nicole (Simone Signoret) é briguenta e segura de si mesma e serve de apoio à amiga para arquitetar o plano de morte de seu odioso marido. Se Les Diaboliques fosse produzido hoje, provavelmente seria parecido com Bound (Ligadas pelo Desejo, 1996) – mas como era a década de 1950, o público tinha que fingir que essas mulheres não eram lésbicas trancadas em armários.
I Was a Teenage Frankenstein (Eu era um Frankenstein Adolescente, 1957) – Durante o “apogeu adolescente” nos drive-ins dos anos 1950, havia o I Was a Teenage Frankenstein, dirigido por Herbert L. Strock, que seguia um par de cientistas malucos (Whit Bissell e Robert Burton) que tentavam criar um garanhão jovem e musculoso (Gary Conway). Frankenstein quer o controle total sobre ele – e exige que ele o chame de “senhor“. O médico alega que o corpo do espécime veio de um atleta de pista que morreu recentemente em um acidente de avião (“Olhe para todos aqueles jovens corpos atléticos!”) E sim, ele tem uma namorada (Phyllis Coates), mas Frankenstein prefere assistir o treino do seu monstro enquanto está sem camisa. “Nossa principal preocupação é com o seu físico“, dizia o doutor ao seu sexy monstro.
Ok…já entendemos tudo, Doutor…
I Was a Teenage Werewolf (Eu era um Lobisomem Adolescente, 1957) – Um lobisomem adolescente é construído em torno de uma construção familiar: cientistas do sexo masculino que realizam experiências extremas (veja: The Bride of Frankenstein, I Was a Teenage Frankenstein, The Creature From the Black Lagoon) em um espécime masculino que podem manipular para seus próprios fins. Neste filme, Tony Rivers (Michael Landon), visita o Dr. Alfred Brandon (Whit Bissell) na esperança de encontrar uma cura para seus desejos violentos e bestiais. Brandon sugere hipnoterapia regressiva para encontrar a raiz dos impulsos de Tony dentro de seu subconsciente para que ele possa ser neutralizado (similar aos tratamentos regressivos na época recomendados para eliminar o desejo homossexual), mas em vez disso, o acesso a essas lembranças iniciais evidentemente desencadeia a besta interior do menino. (Arcos narrativos semelhantes podem ser vistos em O Homem Neandertal e Monstro do Campus.)
I Married a Monster From Outer Space (Eu Casei com um Monstro do Espaço, 1958) – Quando um grupo de alienígenas invade uma pequena cidade, eles começam a tomar os corpos de todos os homens locais, tornando-os desanimados e sem emoção. Marge (Gloria Talbott) percebe a mudança em seu marido, Bill (Tom Tryon), um ano após seu casamento, e percebe que todos os maridos de suas amigas estão igualmente indiferentes com suas esposas. Os homens também adquiriram o costume de se encontrarem regularmente para longas caminhadas na mata, onde se encontravam uns com os outros em reuniões secretas.
Afinal, o filme trata-se de uma raça alienígena tentando seqüestrar os úteros das mulheres da Terra para repovoar sua espécie, ou é sobre alguns rolês noturnos entre homens sexualmente frustrados?
FONTES:
Wikipedia – Queer Horror
Vulture – 50 Essential Queer Horror Films
Wussymag – Haunted: The intersections of queer culture and horror movies
Dazed – Queer horror: a Primer
Monsters in the Closet: Homosexuality in the Horror Film (Harry M. Benshoff – 1997)
New Queer Cinema: The Director’s Cut (Ruby Rich – 2013)
Uninvited: Classical Hollywood Cinema and Lesbian Representability” (Patricia White – 1999)
A SEGUIR…
Anos 1970 – Vampiras lésbicas e criaturas bissexuais