O final dos anos 60 e início dos anos 70 do século XX foi marcado por duas correntes, praticamente antagônicas. A primeira corrente está relacionada com os últimos suspiros da contracultura que, neste momento, já estava completamente diluída em pequenos grupos e em plena decadência, vivendo a expectativa entre o fim do sonho e o começo da dura realidade. Um desses grupos, que não era tão pequeno assim, mergulhou fundo na busca de “Paz e Amor“, naquilo que podemos denominar de Candura – boas vibrações, amor ao próximo, amizade, etc. James Taylor, Carole King, Carpenters, além de filmes como Uma História de Amor (Love Story, 1970) e Ensina-me a Viver (Harold and Maude, 1971) são os grandes representantes desta corrente. Até mesmo o Rock Progressivo, embora não na totalidade, tentava recriar esse clima de candura, como muitas das “viagens” do grupo Yes.
A derrocada da contracultura também abriu espaços para pensamentos menos confortadores – e bem mais violentos e diabólicos. Podemos perceber isto em 3 momentos no ano de 1968: 1º – a música “Sympathy For The Devil“, dos Rolling Stones, que mostrava o Demônio como um anti-herói, dentro de uma das visões típicas da contracultura que valorizava o marginal como elemento de contestação social e de luta contra o “Sistema”; 2º – o filme O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby), narrando nada mais nada menos do que o nascimento do filho do Demônio, o Anti-Cristo (embora a intenção do seu diretor, Roman Polanski, fosse o de criar suspense em ambientes fechados); 3º – o filme A Noite dos Mortos-Vivos (The Night of Living Dead), onde a violência explícita não deixava espaços para “paz e amor“.
Da cidade industrial de Detroit, famosa por ser o berço da gravadora de Soul Motown, os grupos pré-punks MC-5 e Stooges começaram a criticar o “Sistema Bicho-Grilo“, críticas estas que seriam levadas adiante na Inglaterra por David Bowie (fase Ziggy Stardust) e Marc Bolan no chamado Glam (de glamour) ou Glitter Rock – rock purpurina, com os roqueiros maquiados e vestindo roupas de mulher. O Glam Rock não queria lutar contra o “Sistema”, mas criar outras formas de existência, o que reforçou o seu caráter ambíguo, bastante gay e decadente (pela total falta de regras).
Da mesma Detroit surgiu um dos primeiros músicos a unir rock e terror, mostrando o lado negro da vida das pessoas: Alice Cooper, que fazia sucesso cantando sobre desilusões adolescentes, assassinatos, “serial killers“, teatralizando o universo de terror com monstros e decapitações.
Embora a “tia” Alice tivesse surgido antes, a união rock-terror começou a fazer realmente sucesso com um quarteto inglês, o Black Sabbath, que criou o som mais sujo, violento e demoníaco ouvido até então. O ódio, e não a candura, ganhavam terreno. Logo, o mundo do cinema conheceria os filmes independentes Deranged, Bloodsucking Freaks, The Toolbox Murders e, logicamente, O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974). Muitos desses filmes foram resultados da desilusão da derrota da contracultura, ou seja, são efeitos da “ressaca” de uma série de jovens que acreditavam em mudar o mundo. Mesmo sem muitos recursos, eles puderam expressar seu ódio.
Dos grandes estúdios, A Balada para Satã (The Mephisto Waltz, 1971) continuava o trabalho iniciado em O Bebê de Rosemary e antecipava o estrondoso sucesso de O Exorcista (The Exorcist).
Os ecos deste momento atingiriam o ano de 1976 com o sucesso do filme A Profecia (The Omem) e, logicamente, do clássico Taxi Driver, onde o universo urbano é mostrado com todo o seu impacto, violência e falta de perspectivas melhores.
Como podemos perceber, o início da década de 70 foi dividida entre a candura e a violência, com esta última ganhando terreno à medida que a década avançava. Não por acaso um dos maiores representantes da candura, a dupla Carpenters (o que pode ser mais suave do que uma dupla de irmãos cantando músicas românticas?) viu suas vendas decaírem no decorrer da década – sua inocência angelical não correspondia mais aos novos tempos.
Em outras palavras, a violência dominava o mundo e as artes retratavam esta situação. Mesmo o sucesso dos musicais Jesus Christ Super Star e Godspell não puderam inverter esta tendência.
Logo, musicais como O Fantasma do Paraíso (The Phantom of the Paradise, 1974) e The Rocky Horror Picture Show (idem, 1975) ganharam vida, fazendo misturas avassaladoras de ficção-científica, terror, antigos filmes, musicais, em ritmo alucinante e (aparentemente) bastante escracho. O destaque vai para The Rocky Horror Picture Show que, com sua mistura de ambiguidade sexual e avacalhação total (proposital ou não por parte do diretor Jim Sharman), pisou no passado (Glam Rock, com o personagem travesti Frank’N’Furter) e antecipou o futuro (Punk, na estética desleixada).
Artigo originalmente publicado no fanzine Juvenatrix.
Não acho muito linear pensar na “bondade” como a única representante do.movimento da contracultura hippie.
Acho que durante os anos 1970 houve um amadurecimento da contracultura que, ainda movida por uma luta antisistêmica e crítica com relação ao capitalismo, foi ficando mais elaborada que o “paz e amor” unidirecional.
Parte dessa violência e do surgimento do que seria o terror do dos anos 70, principalmente do final dos anos 70 e 80, foi consequência da guinada conservadora como reação ao movimento de contracultura, mas acredito que boa parte também foi devido ao amadurecimento e uma guinada estruturalista desses movimentos de contracultura.
Sendo assim, a busca por pensamentos menos “confortadores” talvez não seja simplesmente uma derrocada, mas quem sabe um amadurecimento estruturalista da contra cultura?