Olá, queridos infernautas! Esse artigo é para você que, assim como nós, é especialista quando o assunto é cinema sombrio e que, pelo uma vez na vida, já se imaginou vivendo na pele os dissabores das tramas ardilosas dos seus filmes de horror favoritos.
É fato que, todo mundo já criticou aquele coadjuvante estúpido que inicia o filme com seu atestado de óbito estampado na cara, ou, já se identificou com determinado personagem que encara seus medos mais profundos e luta para traçar o seu próprio destino. Mas, você alguma vez já se perguntou o que faria caso, por exemplo, se mudasse para uma residência erguida no solo de um antigo cemitério indígena? Ou, por ironia do destino manipulasse um objeto conspurcado capaz de despertar entidades demoníacas? Como lutaria pela vida sendo o alvo da obsessão de um impiedoso assassino em série? Tenho fortes razões para crer que se estivéssemos experimentado essas amarguras, o medo da morte e a angústia do desconhecido nos fariam questionar nossas próprias convicções.
Agora, num cenário hipotético ainda melhor, qual mundo insano seria capaz de conceber se você fosse a mente por trás dessas histórias? George A. Romero? John Carpenter? Alfred Hitchcock? Como uma espécie de deus ex-machina, pudesse criar enredos sombrios e causar calafrios para um grupo de pessoas que agem como os personagens centrais de suas aventuras sombrias e mortais? Os mais familiarizados já devem ter imaginado que estamos falando da experiência de jogar um bom e velho R.P.G. de mesa.
Se você nunca ouviu falar em R.P.G., a sigla em inglês para “Role Playing Game”, saiba que se trata de um jogo onde os indivíduos interpretam papéis e criam narrativas que giram em torno de um enredo. Cada uma dessas histórias é criada por um dos jogadores que leva o nome de “mestre do jogo”, que tem a função de desenvolver a ambientação e os desenrolares da trama, descrever os cenários e controlar os mais diversos desafios. Não pense que os jogadores são apenas pinos andando em casas de um tabuleiro; cada um que interpreta um papel deve saber lidar com os erros e acertos ditados por aleatórias jogadas de dados e, atuar de acordo com as características escolhidas na construção do seu personagem, agindo conforme ele agiria e não de acordo com o seu próprio julgamento. Aí que mora o desafio!
Hoje, existem inúmeras formas de se jogar RPG, presencialmente em uma casa repleta de amigos, on-line com completos desconhecidos e com diversos sistemas, cenários e regras próprias. Mas, como não é de se admirar, como nós estamos no Boca do Inferno, vou abrir as catacumbas do submundo para te indicar cinco sistemas de R.P.G. com temáticas distintas dentro do que permeia o sobrenatural – que eu particularmente gosto bastante – e são capazes de criar uma imersão sombria e arrepiante. Vamos lá!
- Kult: Divindade Perdida
“Fuja de seus pesadelos, negocie com demônios, e se mantenha vivo num mundo de dor, tortura e morte”.
Um sistema que não poderia ficar de fora desta lista é “Kult: Divindade Perdida” (no original Kult: Divinity Lost) recentemente lançado no Brasil pela Editora Buró, após uma campanha de financiamento coletivo de imenso sucesso. É o reboot do aclamado e famoso jogo de terror contemporâneo “Kult”, publicado pela primeira vez na Suécia em meados de 1991 e que desde o seu lançamento vem sendo alvo de discussão, polêmicas e proibições em diversos países devido às suas ilustrações viscerais e a seu conteúdo de extrema violência psicológica e corporal.
“O mundo ao nosso redor é uma mentira. A humanidade está presa em uma ilusão. Nós não vemos as grandes cidadelas de Metropolis se erguendo sobre nossos mais altos arranha-céus. Nós não ouvimos os gritos do porão esquecido onde escadas escondidas nos levam ao Inferno. Nós não sentimos o cheiro de sangue e carne queimada daqueles sacrificados a Deuses esquecidos há muito tempo. Mas alguns de nós vemos vislumbres além do véu. Temos esse sentimento estranho de que algo não está certo – as divagações de um louco no metrô parecem levar uma mensagem oculta e, quando pensamos nisso, nosso vizinho recluso não parece ser completamente humano quando passamos pelo corredor… Descobrindo lentamente a verdade sobre nossa prisão, nossos captores e nossos passados ocultos, podemos finalmente despertar de nosso sono induzido e assumir o controle de nosso destino. ”
Neste pano de fundo, os jogadores vivenciam experiências que os fazem cruzar o véu da realidade e despertar para a verdadeira natureza obscura do mundo, ao mesmo tempo que precisam lutar para manter o que sobrou de sua sanidade.
“Kult” não poupava o leitor de elementos gráficos e textuais desconfortáveis para criar uma experiência única de horror na mesa de jogo e em “Kult: Divindade Perdida”, sua 4° edição, não é diferente. É um R.P.G. para maiores de 18 anos, que aborda temas mais extremos de malignidade, sexo, violência, morte e abuso que você possa imaginar, e, obviamente, precisa do consentimento de todo os jogadores para ser jogado. Sinistro!
- Storytelling (Mundo das Trevas)
“Existem mundos assombrados por demônios, regiões de escuridão absoluta. Quem quer que em vida negue o Espírito será lançado nessa escuridão de morte”.
É no sistema de regras de “Storytelling” (uma variação do clássico “Storyteller”) que está inserido o “Mundo das Trevas”, composto por diversas edições e suplementos lançados em diferentes épocas, sendo o original do início dos anos 90 e sua versão mais atualizada chamada de “Novo Mundo das Trevas” ou “Crônicas das Trevas” publicada em português em meados dos anos 2000 pela editora Devir. Independente da edição, você pode adentrar nos pesadelos de cenários como “Vampiro: a Máscara”, “Lobisomem: o Apocalipse”, “Aparição: o Esquecimento”, “Mago: a Ascensão” ou “Demônio: a Queda” e, só pelos nomes, você já deve conseguir imaginar muito bem do que se trata.
“(…) Depois disso, tudo se passou como num péssimo filme de terror. As vozes. Os vultos. E Ted era o único capaz de vê-los ou ouvi-los. Aparentemente não falavam com mais ninguém, não puxavam os cabelos nem cutucavam as roupas de outras pessoas. Não faziam os outros tropeçarem. Somente o Ted. Ele chegou a pensar que estava enlouquecendo antes de encontrar a prova. Gravetos quebrados por onde eles passavam. Escoriações onde eles o haviam atingido. Ninharias que eles roubavam de pessoas que Ted não conhecia nem poderia ter conhecido. Eram reais e o assombravam.”
Em um clima de destruição iminente, o “Mundo das Trevas” é o pano de fundo para as aventuras de criaturas sobrenaturais que são interpretadas pelos jogadores, seja em sociedades secretas de vampiros, grupos selvagens de lobisomens, clãs de magos modernos, aparições com assuntos inacabados, seres feéricos, anjos caídos, múmias ou criaturas “Frankensteinianas”.
São inúmeras as possibilidades de explorar temáticas sombrias em mundos decadentes. No fictício “Mundo das Trevas” (seja no Clássico ou no Crônicas) não existem os conceitos do Bem ou do Mal; neste R.P.G. focado em uma narrativa de horror pessoal, os medos e as superstições humanas são reais e você, como uma das criaturas da noite, vai precisar escolher entre manter sua humanidade ou tornar-se um verdadeiro monstro.
- O Chamado de Cthulhu
“A mais antiga e forte emoção do ser humano é o medo, e o tipo mais forte de medo é o medo do desconhecido”.
Esse sistema é certeiro para os admiradores do Horror Cósmico tirados das páginas de Howard Philips (HP) Lovecraft. “Call of Cthulhu” em sua 7° edição também é fruto de financiamento coletivo e foi trazido ao Brasil em 2018 pela Editora New Order.
“Da mesma forma, existem remanescentes pavorosos de coisas mais antigas e mais poderosas do que o homem; coisas que rastejam profundamente através dos éons até eras que não deveriam alcançar; cidades monstruosas que têm estado adormecidas eternamente em criptas incríveis e remotas cavernas, alheias às leis da razão e da causalidade e que estão prontas para serem despertadas por blasfemadores que conhecem os seus sinais proibidos e suas obscuras palavras secretas”.
Quando se joga “Chamado de Cthulhu”, um sistema repleto de segredos, mistérios e horror, não se pode esperar que seu personagem descobrirá tramas abomináveis e os terrores dos Mythos de Cthulhu e sairá completamente ileso. Ao tentar desvendar os mistérios do universo no papel de um investigador resoluto, se prepare para viajar para lugares tenebrosos, encontrar entidades enlouquecedoras, desafiar cultistas insanos e, em tomos esquecidos, despertar terrores e revelações que homem algum deveria conhecer.
Você e seus companheiros estarão prontos para decidir o futuro da humanidade ou o destino de suas almas?
Nacionais:
- Abismo Infinito
“É preciso mergulhar em abismos obscuros, e nas profundezas viver entre maravilhas e glórias eternas”.
Agora vou citar dois ótimos exemplares de sistemas de R.P.G. nacionais. Vencedor do Concurso Faça Você Mesmo de game design da Secular Games em 2011 e publicado pela editora Retropunk em 2012, a criação de John Bogéa é enlouquecedora. Indicado para maiores de 18 anos, “Abismo Infinito” se define como um jogo narrativo de horror espacial, onde numa trama de intenso terror psicológico os personagens vivem as angústias de argonautas viajando pelas profundezas do espaço, enquanto enfrentam pesadelos lúcidos causados por anos de hibernação criogênica.
“O espaço infinito exerce uma influência misteriosa sobre a mente humana. A maioria dos argonautas que se afastam muito da terra relata sobre alucinações e surtos de pânico. Talvez a série de novas informações visuais e a possibilidade de nunca mais voltar para casa, sejam os responsáveis pelos distúrbios psicológicos e crises de ansiedade. Os psicólogos chamam isso de ‘Febre do Espaço’. Alguns dizem que essa demência é ativada pelo processo de hibernação criogênica nas cápsulas de animação suspensa, outros dizem que são ventos galácticos indetectáveis que desregulam a racionalidade humana; outros culpam equipamentos de sustentação vital defeituosos; e tem até quem diga que uma força cósmica obscura e maligna trama contra os exploradores.”
Quando a Terra já não é um lugar seguro para se viver e a necessidade de se encontrar um planeta habitável está nas mãos dos protagonistas, as manifestações de puro medo se tornam realidade e são capazes de fazer qualquer um duvidar do que de fato é real. Nos confins distantes da galáxia, a missão de exploração e pesquisa pode ser aterradora quando se está diante de diferentes formas de vida, de pirâmides ancestrais ou de ruínas de civilizações Pré-Humanas que revelam mistérios sobre a origem da vida.
Na luta por sobrevivência contra seus próprios medos particulares, você ainda seria capaz de sonhar em retornar para casa, ao mesmo tempo que sua mente se perde no caos do esquecimento? Tente apenas não cair no abismo!
- Terra Devastada
“Quando não houver mais espaço no Inferno, os mortos andarão sobre a Terra.”
Os remanescentes devem sobreviver em um mundo de pandemia apocalíptica que transformou a humanidade em seres carniceiros. Em “Terra Devastada: Edição Apocalipse”, outra criação nacional de John Bogéa para maiores de 18 e publicado em 2016 também pela Retropunk, você deverá aprender a sobreviver num mundo depois de seu fim.
“Ruas desertas, vidraças quebradas, carros abandonados, buracos de bala nas paredes dos prédios, sangue, moscas e pedaços de carne pútrida decorando todo ambiente. Esse é o atual cenário na maioria das cidades do mundo, locais que hoje são apenas cidades fantasmas totalmente devastadas. O silêncio é quebrado apenas pelo gemido e andar trôpego dos infectados pelo Vírus Cerberus, que perambulam sem rumo por entre as ruas. Às vezes solitários, às vezes em grandes grupos, eles caçam, matam e os que não são completamente devorados retornam como membros dessas turbas de monstros. É impossível encontrar um lugar seguro e esperar que eles simplesmente desapareçam. Eles estão mortos, mas vivos. Alguns deles eram pessoas conhecidas, amigos e parentes, agora são apenas esfomeados, irracionais e sujos. Criaturas em perfeita harmonia com o novo ambiente desastroso do mundo. Enquanto nós sobreviventes – humanos – estamos em processo de extinção. Somos o elemento estranho nesse novo bioma.”
Nesta narrativa distópica, os errantes famintos por carne fresca que há décadas aterrorizam o imaginário coletivo habitam territórios desolados que proporcionam aos jogadores uma imersão incrível. São muitos os momentos de terror, como a inércia causada ao presenciar seus familiares ilhados em uma horda de zumbis ou a dor de reconhecer os rostos de seus amigos desfigurados em agonia e sangue.
“Terra Devastada” é um jogo de atos e consequências, de desespero e de desesperança, com zumbis, doenças, disputas pelo poder e riscos mortais. É melhor definido como um sistema de horror pessoal do que um sistema de sobrevivência convencional e você pode perceber que comparações entre este sistema de apocalipse biológico e a nossa própria realidade podem não ser meras coincidências.
Considerações Finais
Essa pequena lista conseguiu despertar em você a vontade de começar (ou quem sabe retornar) a se aventurar em mesas de R.P.G.?
Se você acredita que aqui no Boca tem espaço para mais essa manifestação de horror deixe seu comentário! Aproveite e indique outros sistemas que podem propiciar bons momentos de tensão, quem sabe não rola uma parte 02? Eu fico por aqui. Um grande abraço e muitas noites de pesadelos!
Daemon entraria legal nessa lista com “Trevas”. Ambientação de horror br e um dos grandes representantes , A inquisição. Curto pacas essa onda de terror nos rpg’s de mesa e foi um dos melhores jogos que joguei até hoje. Pena que a galera com quem jogava não curtia tanto terror quanto eu… kkkkkkkkkkkkkkk
Deu até saudade de jogar aquele rpgzim maroto!
Ótimo texto de entrada. Espero que os novatos no hobby se sintam curiosos e se informem mais.