3.5
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Quando eu Era Vivo (2014)

Quando eu Era Vivo
Original:Quando eu Era Vivo
Ano:2014•País:Brasil
Direção:Marco Dutra
Roteiro:Marco Dutra, Gabriela Amaral, Lourenço Mutarelli
Produção:Ricardo Teixeira
Elenco:Marat Descartes, Antônio Fagundes, Sandy Leah, Gilda Nomacce, Helena Abergaria, Kiko Bertholini, Tuna Dwek, Rony Koren, Eduardo Gomes, Carlos Abergaria, Mark Libeskind, Lourenço Mutarelli

O cinema nacional de gênero parece estar encontrando seu caminho, mesmo que ainda restritamente. Em janeiro tivemos a estreia de dois filmes de terror nacionais: Mar Negro, de Rodrigo Aragão, e Quando Eu Era Vivo, do jovem Marco Dutra, que já havia co-dirigido ao lado de Juliana Rojas o elogiado Trabalhar Cansa. O filme de Marco Dutra trilha um caminho diferente do que tem sido feito em termos de terror no Brasil. Enquanto Aragão e Petter Baiestorf fazem um cinema visceral, violento graficamente, Quando Eu Era Vivo trabalha em uma vertente mais sutil, um terror mais psicológico, que aposta em elementos de suspense para construir uma carga de tensão crescente – e nem por isso, menos assustador.

O filme narra a história de Júnior (Marat), que, após se divorciar, volta para a casa do pai (Antônio Fagundes). Este aluga um quarto para a estudante de música Bruna (Sandy Leah). Após a sua volta, o passado da família vem a tona: Junior relembra um passado que o seu pai já havia enterrado, e busca explicações para o que aconteceu quando ele e seu irmão ainda eram crianças. A sanidade de Junior é testada, quando descobre uma partitura que Bruna o ajuda a entender, porém esta, contem uma mensagem atrás, que só seu irmão Pedro (Kiko Bertholini), agora internado em um manicômio, poderia ajudar a decifrar. “A mãe sempre ganha” – frase entoada por Júnior ao voltar pra casa para retratar sua desistência pela guarda do filho, e que fará mais sentido no decorrer da trama.

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O roteiro é adaptado do livro “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa“, de Lourenço Mutarelli. Marco Dutra e Gabriela Amaral optaram por realizar algumas mudanças que entenderam que poderiam funcionar melhor no filme, o que não interferiu na essência do livro, que envolve principalmente, uma relação conturbada entre pai e filho. Opção interessante do roteiro é como as situações são colocadas e reveladas. Tudo acontece de forma muito natural, de maneira que o espectador passa a entender cada elemento da trama junto com os personagens, sem que seja necessário maiores explicações durante os diálogos. Marco Dutra parece resgatar, mesmo que em algumas vezes involuntariamente, alguns elementos de sua infância: a presença do boneco do Fofão (alguém se lembra da maldição do punhal?), o disco que roda ao contrário, músicas infantis com mensagens subliminares e, o principal, a fita de VHS. Ao invés de usar flashback, partes da história do passado da família é contada através de uma fita VHS encontrada por Júnior e que acaba funcionando com uma filme dentro do filme. Marco Dutra explora religiosidade e ocultismo. Há referências de toda uma cultura religiosa brasileira que vai desde uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, até um macabro ritual com cabeças de gesso, um livro satanista, e uma referência a presença de “Santos” na árvore de natal. Cada elemento do filme, cada quadro, cada boneca, cada escultura, parecem estar vigiando tudo o que acontece dentro da casa, que antes clara, iluminada pelo sol, retratava o território do pai, um homem de meia idade preocupado com a saúde, reconstruindo sua vida, mas que aos poucos se torna cada vez mais sombria com a chegada de Júnior, que preenche a casa com antiguidades, e torna-a agora seu território. Tudo funciona como peças de de um quebra-cabeça, que ao ser montado, revela um mosaico assustador para os personagens ali presentes. A fotografia de Ivo Lopes Araújo foi construída a cada detalhe, a cada elemento da direção de arte, que contracena com a trilha sonora na construção de um clima de tensão crescente, a cada ponto de virada da trama. Todos os detalhes se encaixam perfeitamente na construção das cenas perturbadoras – entre elas, a já famosa cena do ritual das Cabeças de Gesso.

O excelente elenco secundário do filme conta com a presença de Gilda Nomacce, como a vidente Miranda, Helena Albergaria como a falecida mãe Olga, Kiko Bertholini como o irmão Pedro adulto, Tuna Dwek como a nova namorada do pai, Lurdinha; além das crianças: Carlos Albergaria e Marco Libeskind, respectivamente como os irmãos Júnior e Pedro na infância. Esse elenco não é apenas mero coadjuvante – todos tem uma importância relevante a trama. Já o trio principal conta com Marat, Fagundes e Sandy. Marat, que já havia trabalhado como diretor em Trabalhar Cansar, se destaca na construção de seu personagem, e faz perfeitamente a transição de uma pessoa aparentemente deprimida pelo divórcio e que vai perdendo sua sanidade, e entra em uma espécie de regressão de idade, com atitudes e trejeitos infantis. A atuação de Fagundes dispensa comentários; ele está bem a vontade no papel de uma pessoa simples e ignorante a tudo que o cerca. Talvez sua ignorância seja uma fuga do passado turbulento, agarrando-se a algumas crenças para se proteger.

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A escolha de Sandy para o papel de Bruna talvez seja a polêmica do filme para o público e parte da imprensa, mas não para o diretor, que queria uma pessoa que além de atuar, tivesse uma relação com música. Dentre todas as opções, para Marco, Sandy foi a escolha perfeita. Talvez seja um desafio para o público separar a “Sandy cantora” de uma “Sandy atriz de filme de Terror“. A verdade é que Sandy teve coragem e profissionalismo de encarar o papel que vai contra tudo que ela já fez até hoje; um desafio para ela mesmo. Bruna é uma personagem misteriosa, não sabemos de nada do seu passado, apenas que é uma estudante de música, paga seu aluguel em dia e tem um namorado, mas, é uma personagem que tem uma importância crucial para a trama. Sua atuação é discreta, não é um problema no andamento do filme. Marco Dutra soube trabalhar as limitações e aproveitou o que ela podia oferecer para a construção da personagem. Incomoda a sua transição durante a trama, que acontece de uma forma um pouco brusca, mesmo que diretor mostre os passos que levaram a essa mudança de sua personalidade.

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O filme tem uma realização simples, mas bem cuidada e trabalhada. São poucas as locações e até mesmo poucos os personagens, mas tudo é bem realizado pelo diretor e sua equipe. Esse tipo de cinema talvez seja um dos mais difíceis de serem feitos, pois possui conteúdo em sua narrativa e não se apega a impressionar o espectador com efeitos visuais, como os que são empurrados pela indústria Hollywoodiana. O mercado está se abrindo para as produções de gênero nacional. O próprio Marco Dutra disse em entrevista estar envolvido em mais projetos, mas sabe que ainda é preciso muito para que exista uma aceitação ao gênero no país, que valoriza e dá dinheiro ao que é feito lá fora e critica sem conhecer o que é feito aqui dentro. Ah, um último detalhe, a música do clímax do filme vai perturbar seus sonhos por um bom tempo…

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13 Comentários

  1. Filme complexo e bem elaborado, recheado de conteúdo que, de minha parte, permaneço desvendando a cada vez que assisto.
    Há mistério em cada fresta do enredo, não apenas sobrenaturais.
    Nunca tinha assistido a um filme dessa magnitude oriundo do cinema nacional.
    Quanto à Sandy, é puro preconceito intolerante as observações feitas por quem sequer assistiu ao filme. Gostando ou não da música dela (eu não suporto o estilo) e da personalidade artística que ostenta, nesse papel ela com certeza se superou e passou, ainda que somente pela duração do filme, da menininha mimada queridinha do Brasil a uma personagem forte e com certo ar macabro.
    Convenceu. É o que importa no ator/atriz.
    Sejamos justos e nos dignemos a reconhecer que é uma artista versátil em diversos ramos da arte.

  2. Alguem sabe onde encontrar um torrent de futuro desse filme???

  3. Não aguento mais ver a cara do Antonio Fagundes…e a Sandy então..aff…nem se fala…vou esperar pelo remake holyoodiano..kkkkkkk

  4. Só uma correção (ou duas, no caso).
    Onde se lê “O roteiro é adaptado do livro “A Arte de Causar Efeito Sem Causa“, de Lourezo Mutarelli.”
    O Correto seria A Arte de PRODUZIR Efeito Sem Causa, e o nome do autor é LOURENÇO, e não Lourezo.

  5. Poderiam ter mais filmes assim e menos comédias, pq todo dia sai uma nova.

  6. eu nem sabia que já estava no cinema , muito rápido! se fosse baboseira como meu passado me condena ,tinha ficado uns 6 meses em cartaz..

  7. Sandy no filme? ninguém merece,mas apesar de tudo a nota me fez querer ver esse filme.

  8. Eu ainda não tive a oportunidade de assistir, mas quando eu puder com certeza vou ver.

  9. Bom filme , Excelente direção de arte e atuações ; Pena que ficou pouco tempo nos cinemas.

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